Volume 2
Capítulo 59: Olho Por Olho, Dente Por Dente (2)
Uma expedição era como uma entidade na qual todos os integrantes compartilham um destino comum — essa frase dita por Samuel era algo que quase todos os terráqueos concordariam. Não importa se a relação entre os integrantes é boa ou ruim, ou se há alguma intriga não resolvida; contanto que os indivíduos façam parte de uma mesma party, eles teriam que cooperar. Caso contrário, as chances de todo o progresso acabar sendo interrompido por algum problema seriam grandes, pondo a vida de todos em risco.
Cega pela ganância, Clara tentou achar algum pretexto que justificasse as ações que cometeu. Assim, irritou-se quando foi criticada por tais atitudes. Por sua vez, Seol Jihu acabou sendo provocado pelas ações da Arqueira, deixando-o encurralado. Como resultado, todo o clima do grupo, antes sempre muito bom, passou a ficar mais sério, pois todos estavam com medo de desencadear mais uma confusão.
No entanto, dez minutos depois de saírem da tumba, Samuel parou.
— Mestre Ian, peço perdão, mas podemos retornar?
— Hm? Por quê?
— Acho que saímos mais cedo do que deveríamos.
— Como assim?
— Acho melhor descansarmos um pouco antes. E, como o senhor disse, as redondezas mais próximas à tumba parecem ser mais seguras… — falou o Explorador, desviando o olhar para Clara e diminuindo o tom de voz. — Desculpa. Ela entrou no time há pouco tempo. É apenas uma Nível 2, então acaba sendo meio defasada em algumas áreas — revelou, um pouco envergonhado.
— Parando para pensar, nós não paramos nem uma vez desde que entramos na floresta esta manhã. Nem no almoço. Certo, que tal darmos um intervalo aqui?
— Bem aqui? Mas…
— Está tudo bem. Pode ficar tranquilo se você estiver preocupado com os efeitos da Floresta da Negação, acho que ficaremos bem.
— Tem certeza?
Ian concordou com a cabeça.
— Um Mago é muito mais sensível à magia do que as outras classes. Se minha hipótese estiver correta, a fronteira para a ativação daquele feitiço de defesa é logo à frente de onde estamos.
— É-É mesmo? — Após ter que aceitar a sugestão de parada em um local diferente do que gostaria, um brilho estranho passou pelos olhos de Samuel. — É difícil de acreditar, né? Um feitiço que se estenda por toda a floresta.
— Bem, ele era chamado de sábio até mesmo pelas pessoas do antigo Império. Não deve compará-lo a um farsante como eu. Ah, essa é apenas minha suposição, então não interprete-a como verdade — falou, acenando com uma das mãos e emitindo um grunhido enquanto sentava.
— Vamos fazer uma pequena pausa! Comam algo se estiverem com fome! — gritou o Explorador que, em seguida, passou a ficar encarando Clara, como se estivesse frente a algum dilema. Por fim, chamou Alex, que ainda parecia não ter se acalmado. — Alex, vem cá pra gente trocar uma ideia.
Ambos se afastaram um pouco e ficaram conversando por algum tempo. Depois, o líder da expedição caminhou em direção à Arqueira com uma expressão decidida.
— Clara. Precisamos conversar.
— Hmph! Aquele filho da puta…
— Pare com isso! Você não é mais uma criança! Ainda não percebeu que as suas ações estão tendo um impacto negativo na atmosfera do grupo?
— E-Eu só, eu… — gaguejou, ainda com um pouco de raiva.
— Calma. Abaixa esse o tom de voz. Eu ouvirei qualquer coisa que você tenha a dizer — concluiu, um pouco irritado, enquanto agarrava o braço dela e a arrastava para longe.
Sem falar nada, Grace apenas observou os dois desaparecendo.
— Que menina burra da porra — reclamou Chohong, comendo um pedaço de carne seca.
— Chohong — avisou Dylan quando percebeu Alex se aproximando.
— Não, não. Tudo bem. Nem eu sei como defendê-la — O Sacerdote o acalmou, acenando com uma das mãos e tentando manter um fraco sorriso no rosto.
— Vai conseguir não ir atrás deles? — perguntou Hugo.
— Oi?
— Assim, ela é a sua garota, né? Samuel não tinha te pedido pra tranquilizá-la?
— Bem, isso… — Os ombros de Alex caíram ainda mais e ele logo bagunçou o próprio cabelo. — Argh, merda! Eu não sei mais.
— Eu não vou te ajudar se der merda depois, heinnn — brincou o Guerreiro.
Em seguida, o Sacerdote deu um longo suspiro e tirou um altar de dentro da mochila. Com cuidado, preparou o objeto, colocando alguns pratos e comida em cima.
— O que você está fazendo? O que você está fazendo com a comida? — indagou Chohong.
— Quero que ela, pelo menos, coma alguma coisa. Ah, e os outros também precisam comer — respondeu, sem nem virar o olhar.
— Então por que ela não vem aqui comer?
— Com a personalidade que ela tem, eu duvido que ela vá se acalmar tão cedo assim. Tudo o que eu posso fazer é alimentá-la e esperar pelo melhor.
— Então tá. Volte quando tiver acabado de fazer o que considera melhor. Mas se ela voltar pra cá e continuar reclamando que nem uma puta velha, eu não vou ficar legal, não. Entendeu?
— Cho, eu te entendo. Mas você não acha que está favorecendo muito um certo alguém? — Com cautela, Alex pegou o altar e começou a caminhar em direção ao resto dos seus companheiros.
Enquanto o Sacerdote se afastava, a Guerreira Divina ficou com uma cara não muito satisfeita no rosto após o seu “ponto fraco” ter sido descoberto com tanta precisão.
Seol Jihu estava sentado, um pouco mais afastado, fumando.
Após terminar de comer, Hugo decidiu se aproximar do jovem com as mãos em forma de concha. O Marca de Ouro apenas riu e ofereceu um cigarro para o companheiro.
— Como esperado, você entende as coisas rápido — disse rindo enquanto dava tapinhas nos ombros do jovem. — Não está se sentindo mal por aquela discussão, certo?
— De forma nenhuma.
— Boa. Você não fez nada de errado mesmo. Nem eu queria tocar naquele sarcófago.
— É sério?
— Sim. Assim, eu estava um pouco tentado a tocar, mas algo me impedia. Eu sempre ficava com uma sensação que me pedia para não tocar o sarcófago.
Seol Jihu ficou surpreso com aquela declaração. O amigo era para ser um “Guerreiro Bárbaro”, então começou a se perguntar se ele não possuía algum tipo de instinto animalesco ou algo assim.
— De qualquer forma, você foi legal pra caralho lá atrás.
— Como assim?
Com um cigarro preso na boca, Hugo se afastou um pouco. Então, posicionou-se, como se estivesse mirando em algo na sua frente, e ficou com uma expressão séria no rosto.
— Se você realmente quiser o colar, vai precisar pegar ele por cima do meu cadáver.
Ao ouvirem aquilo, Chohong começou a rir. Até mesmo Dylan deu um sorriso, mesmo que tentasse disfarçar.
— Eu disse isso mesmo? — Envergonhado, Seol Jihu sentiu as bochechas ficando vermelhas.
— Disse sim! Nooossa, acho que fiquei até molhado.
— Bem, eu ainda não consegui entender. Eu ainda não sei se aquele colar valia toda essa ganância.
— Pelo menos foi o suficiente para despertar a ganância.
— Eu não sei muito sobre aquele colar, mas sei muito bem o que aquele token era — revelou Ian, massageando o próprio pescoço com uma das mãos. — Se me lembro bem, aquele negócio devia ser a “Prova de Castitas”.
— Prova de quê? — perguntou Hugo.
— É uma prova de castidade. É um dos artefatos que dão aos santos.
— Mas ela ter se tornado uma santa não era só um gesto simbólico.
— Bem, não são apenas mulheres castas que se tornam santas. Além disso, como você é um símbolo, é provável que te chamem para algumas aparições públicas, não acha? — Em seguida, Ian olhou para Seol Jihu. — Já ouviu falar de um sistema mágico chamado de “Memorize”?
— Sim, já ouvi dizer.
— Bem, então vai ser mais fácil de explicá-lo. Originalmente, “Memorize” era para ser algo exclusivo da classe de Mago. À medida que o nível de um Mago subisse, o número de feitiços que a pessoa poderia “guardar” aumentaria em um.
— É impossível para um Sacerdote guardar feitiços?
— Sim, e isso é porque os Sacerdotes são os mais próximos dos deuses. Muitos dos feitiços mais importantes apenas podem ser ativados pegando emprestado um pouco do poder dos deuses por meio do princípio de equivalência. É por isso que os Sacerdotes carregam altares e oferendas o tempo todo.
Concordou com a cabeça. Por alguma razão, lembrou-se do rosto da Maria.
— A verdade é que a maioria dos Sacerdotes acham essa parte um saco. Porém, há um item que pode reverter tal situação.
— Seria o crucifixo que o Alex carregava?
— Exato. Alguns artefatos permitem que você guarde feitiços e consiga conjurar magia divina sem a necessidade de oferendas. Claro, há um limite de vezes que o item pode ser usado, mas apenas esses dois pontos já demonstram o quão valiosos os artefatos são para os Sacerdotes. Em uma situação de emergência ou quando os feitiços preparados acabam, itens assim são indispensáveis.
Finalmente pôde entender o motivo de Alex desejar tanto aquele item. Agora que havia perdido o artefato que carregava, ele não passava de um Sacerdote comum.
— Acredito que aquela prova de castidade era bem melhor do que aquele que o Alex perdeu.
— Nem fala! Na verdade, eu até estou um pouco envergonhado por tentar comparar os dois. Você pode guardar até seis feitiços sagrados, por quanto tempo quiser, sem nenhum custo, o que é a mesma coisa do que possuir o poder de um Mago Nível 6. Além disso, não há limite de uso. Dá pra imaginar o quão incrível isso é? — falou Ian, entusiasmado.
Seol Jihu não entendeu muito bem a explicação, mas julgando pela expressão de surpresa de Chohong, imaginou que o item era muito poderoso.
— Se saíssemos de lá com o artefato, tenho certeza que todo o Sacerdote no Paraíso viria atrás de nós.
— Você não está exagerando?
— Não! E a espada e o escudo também devem valer algo parecido com a prova de castidade. — Com a explicação finalizada, o Mago fitou o jovem com um olhar caloroso. — Bom, é isso. Acho que respondi a pergunta que você fez, então gostaria que você respondesse uma minha.
— Contanto que seja algo que eu saiba.
— E se eu tivesse sido a favor?
— Não sei. Será que eu deveria convencer os outros, ou lutar ou só desistir? Estava em um dilema. Não tenho ideia do que faria se perdesse — falou, após ponderar um pouco.
Tentou pensar em algum motivo para Ian fazer aquela pergunta, mas não conseguiu desvendar as expressões do Mago, que continuava impassível.
— Independente do resultado, você não tinha a menor pretensão de tocar em nenhum dos itens do sarcófago, certo?
— Sim.
— Você é um homem honesto — disse, após encarar o jovem por alguns segundos.
— Honesto? Nem brinca. Hahaha.
“Eu? Honesto?”
Qualquer um riria com uma ideia assim. Porém, o Mago pareceu surpreso ao perceber que o Marca de Ouro tinha negado o elogio sem a mínima hesitação.
— De fato, ser modesto é algo bom. Mas, do ponto de vista que tenho, você continua parecendo honesto. Afinal, por qual outro motivo você teria ido tão longe para proteger uma mulher morta?
— Não posso negar que me simpatizei com ela. Mas se você acredita que eu fiz aquilo tudo apenas por ela, então…
— Está me dizendo que não foi? Então por que você impediu a Clara de pegar os itens?
— Hmm. Se eu fosse colocar em palavras, diria que também fiz aquilo por mim.
— Por você?
— Sim. — Não estava mentindo, pois queria muito evitar a morte e quaisquer resquícios de algum sentimento amargo em seu coração.
Como se estivesse pensando no que lhe foi dito, Ian começou a fechar os olhos e permaneceu imóvel por algum tempo. Confuso, Seol Jihu virou-se para Chohong, mas ela apenas deu de ombros, demonstrando também não saber o que estava acontecendo.
Por fim, após alguns segundos, a barba do velho começou a se mexer.
— Fufu. Fufufu… — riu, enquanto esfregava a testa e abria os olhos. — Então é assim. Eu pensei o motivo de sentir algo estranho toda vez que te olhava, mas agora acho que entendo isso um pouco melhor. Sem dúvidas, você é um cara bem interessante. Não só as suas ações, mas o seu pensamento também é bem diferente.
— Ei, mas isso tudo não seria a mesma coisa? — indagou Hugo. Porém, como o Mago parecia falar para si mesmo, o Guerreiro não obteve resposta.
— Seol, irei me apresentar de uma maneira mais decente. Me chamo Ian Denzel, sou um Alquimista Nível 4, atualmente trabalhando para a Companhia de Magia Real. Sou da Área 4.
De repente, o Mago começou a se introduzir.
— Pelo que ouvi, você chegou à Haramark há pouco tempo. Já achou algum time para entrar?
Balança, balança.
— Muito bom. Na verdade, estive planejando sair da Companhia de Magia Real.
— Sério? — perguntou Dylan, algo raro para a personalidade do Arqueiro de Precisão.
— Já os informei sobre a minha decisão. Disse que o reconhecimento da Floresta da Negação seria o meu último serviço prestado a eles. Bem, é verdade que sempre me encontro em uma situação bastante confortável desde que comecei a participar do grupo, mas, no fim, você fica muito entediado. E acredito que já tenha lhes recompensado — revelou, com um sorriso no rosto. — De qualquer forma, em pouco tempo estarei desempregado e nenhum time me chamou. Que tal? Por que nós não aproveitamos as circunstâncias e nos tornamos parceiros?
— Oi? — Após ouvir a sugestão feita, Seol Jihu ficou boquiaberto e sem acreditar na situação.
— O que foi? Não quer partir em uma expedição com esse velho aqui? Depois de formarmos um time, é claro.
— Eita, porra! Ei, Dylan! — gritou Hugo, se ajoelhando. — Merda, o que você está fazendo? Vem logo e faça uma reverência! Seol-nim! Desculpe-nos por não termos te aceitado naquela vez.
Ao ouvir tal declaração, Ian arregalou os olhos.
— Do que você está falando?
— Ah, não — disse Dylan, dando uma risada de ironia.
— Mas por quê? Eu sempre achei que você era bom em fazer escolhas — indagou o Mago, logo entendendo toda a situação.
— Sendo honesto, sim, eu queria. Porém, não tinha confiança. Se o velho estivesse aqui com a gente, talvez…
— Ahh, aquele cara? Espera, já faz um tempo que eu não ouço nada sobre ele.
— Ele está se preparando para se aposentar.
Então, várias pessoas começaram a falar. Hugo ainda implorava para Dylan, mas o líder do Carpe Diem não respondia. Enquanto isso, Ian disse para o Marca de Ouro que a resposta não precisava ser imediata, afirmando que ele podia pensar antes de responder.
Ficou um pouco envergonhado, mas o sentimento que mais crescia dentro de si era a felicidade. A expedição caminhava para um fim muito bom e tinha a impressão de que conseguiria algumas recompensas extras. Porém, o melhor de tudo foram as palavras “vamos formar um time” que o Mago falou. Pensou que tudo poderia terminar bem caso conseguissem retornar para Haramark. Contudo…
— Aaaaaaaaaack!! — De longe, um enorme grito ressoou.
Todas as conversas se encerraram e duas pessoas logo reagiram.
— Dylan! — gritou Chohong, segurando a maça que carregava enquanto o líder do Carpe Diem cerrava os dentes.
— Foi o Alex. Veio da direção da tumba!
“Que porra foi essa?!”
Ficou preocupado. Samuel e o time dele não haviam trocado de posição para acalmar a Clara?
— Aquele bando de retardado!! — grunhiu a Guerreira Divina, correndo na direção dos gritos.
A atmosfera de tranquilidade fora quebrada em um instante. Apesar de ter começado a correr em direção à tumba, a única coisa que tinha em mente era a esperança de que tudo o que estava pensando não iria acontecer.
***
Todos os outros membros da expedição estavam indo para o local do grito, mas logo pararam quando viram Samuel.
Ele estava a cerca de 50 metros da tumba, mas algo parecia errado. A face do Explorador emanava sentimentos de terror e lágrimas escorriam por todo o seu rosto. Todavia, o mais assustador eram os seus longos cabelos esticados para trás como se alguém estivesse os puxando.
— M-Me salvem!! — Apesar dos lábios terem se movido, palavras quase inaudíveis saíram.
De repente, ele bateu com a cabeça no chão, revelando algo que segurava com as mãos.
— Uwaaaaaahhh!!
No momento em que o choque passou e todos começaram a se mover novamente, Samuel foi puxado em direção a tumba, desaparecendo.
Bate!!
A porta de ferro fechou após poucos instantes.
— Kuaaaaaaaaah!
Então, puderam ouvir um outro grito. Em silêncio e ainda muito chocados, os cinco voltaram a correr na direção da tumba.
A entrada do local estava uma total bagunça. O altar que Alex pusera ali estava de cabeça para baixo e muita comida estava esparramada no entorno.
— Aqueles idiotas! — Pela primeira vez desde o começo da expedição, Ian demonstrava-se com muita raiva.
Dylan olhou para o Mago socando o chão e logo levantou a besta.
— Chohong, Hugo! Eu fico na cobertura.
Após ouvirem a ordem, os dois apoiaram-se nos lados da entrada. Olhando um para o outro, começaram a contar e, quando chegaram no três, a Guerreira Divina chutou a porta. Quando estava prestes a entrar…
— SAAAAIIIIAAAAAAAMMMMMM!!! — Uma voz repleta de ódio saiu de dentro da construção.
— O-O quêêê?! — Até mesmo Chohong pareceu estremecer de medo com aquela situação.
O rugido de um líder Lioner parecia brincadeira comparado com a incrível aura maligna que saía do interior da tumba. Até mesmo Dylan e Ian caíram no chão, ambos parecendo estarem sem ar. O único que permanecia de pé, não parecendo ser afetado, era Seol Jihu.
Antes que qualquer um pudesse se reerguer, o Marca de Ouro ativou o “Nove Olhos” e ficou surpreso com o que viu.
“Amarelo?”
Precisava prestar atenção? Mas por quê? Até mesmo Dylan, um Ranking Alto, não podia lutar contra aquela força. Não conseguiria descobrir o motivo naquele momento, pois a situação poderia piorar em poucos segundos.
O miasma que vazava da tumba começava a envolver os seus companheiros. Sem saber o que fazer, Seol Jihu olhou para todos os lados até conseguir visualizar uma pequena tiara prateada no chão. Com pressa, pegou-a. A cor de “Atenção Necessária” não lhe passava muita segurança, mas quando olhou para Chohong e viu a cara de sofrimento que ela tinha, apenas agiu.
Kwang!
No momento em que entrou, a porta de ferro fechou-se sozinha. Apesar de ter hesitado um pouco, não parou de se mover. Por fim, chegou à sala dos sarcófagos. Lá, encontrou um homem caído no chão.
Samuel olhava para o chão com uma expressão impassível. A cabeça havia sido arrancada do resto do corpo.
— Samuel…
Mas ele não era o único.
— Alex!! — Com o pescoço todo retorcido, o Sacerdote segurava o item que tanto desejava.
— G-Grace… — Por sua vez, a Guerreira tinha sido aberta ao meio.
Por último…
Ficou boquiaberto ao encontrar Clara. A Arqueira estava fora partida em duas da cabeça aos pés, demonstrando que ela havia sofrido mais do que os outros. Parecia que as suas órbitas foram removidas quando ela ainda estava acordada e os membros superiores completamente retorcidos em ângulos bizarros. O pescoço parecia ter começado a ser ferido de dentro para fora. Dava a impressão de que a jogaram contra a parede várias vezes, pois todos os restos mortais estavam completamente desfigurados.
Companheiros, vivos e bem poucos minutos antes. Todos sofreram uma terrível morte.
“Por quê… Por quê…”
Tudo ficaria bem se eles tivessem apenas retornado para casa.
Como a cor que o ambiente emitia significava “Atenção Necessária”, devia haver alguma solução para o que estava acontecendo do lado de fora. No mínimo, teria mais opções do que caso o local estivesse todo em vermelho, indicando “Recuo Recomendado”.
Porém, conseguia pensar apenas em uma solução.
Com muito medo, aproximou-se dos corpos. Recuperou o token que Alex havia pego, os brincos que Grace carregava e, por último, achou o colar que Clara largou no chão.
Em seguida, olhou para o sarcófago.
Aquele que ficava à esquerda estava todo desarrumado, mas o que o impressionava mesmo era a aura azul pálida que saía de uma pequena abertura.
Será que Samuel e os outros também tentaram abrir o caixão?
Enquanto permanecia parado, percebeu que toda a câmara em que estava começou a ficar ainda mais escura. Os arredores aquietaram-se, e os seus instintos o instruíram a não se mover.
De repente…
— Ah.
Pôde sentir. Era um olhar. Alguém ou algo estava parado atrás de si. Em seguida, sentiu um odor ocre e ácido de sangue.
A névoa, antes azul, parecia ter se tornado mais escura. A aura que antes estava saindo da tumba agora parecia estar dentro do seu corpo, pois conseguia senti-la.
Tremeu, apesar de tentar controlar aquele calafrio. Não apenas pela aura, que escapou do sarcófago, mas parecia que algo o havia tocado. Os instintos continuavam a dizer para ele não olhar para trás. Decidiu virar-se para trás, mas, devido ao medo, realizou tal ação com os olhos fechados e estendeu os braços.
Após cinco minutos, sentiu o colar saindo das suas mãos.
— Uma lembrança da minha mãe.
Quase abriu os olhos, mas conseguiu se controlar.
— Esse é um presente de alguém querido.
Dessa vez, a tiara que sumiu.
Depois…
— Eu os avisei.
De repente as palavras ficaram mais frias.
— Eu odeio esse tipo de pessoa. Avisei para que não entrassem, mas eles não me ouviram. Eu iria resistir, mas esses dois!
“Perdão” pensou, abaixando a cabeça. “Achei que iríamos para casa, não sabia… que…”
— Eu sei.
Quando começou a falar consigo mesmo, uma resposta logo entrou na sua cabeça.
— Eles fizeram um esquema. Mentiram. Aquele homem disse isso. Ele falou que eu não conseguiria pegá-los assim que saíssem.
O que temia parecia ter se tornado realidade. Samuel e aqueles outros não conseguiram abandonar a ganância que sentiam.
“Sério?”
— Sério. Estava te observando, mas senti que algo estava errado, então os segui.
“Me observando?”
— Sim. Você disse que viria de novo.
Parou de tremer sem mesmo notar. A aura maligna ainda estava lá, mas percebeu que ele não era o alvo. Começou a pensar que ela parecia como uma criança e que aqueles argumentos eram tentativas de provar que não estava errada.
Quanto tempo se passou?
Continuava segurando o brinco e os tokens, mas podia ouvir os passos se afastando. Então, respirou fundo e abriu os olhos. A primeira coisa que viu foi um par de pés. Pensou que eles estariam em processo de decomposição, mas eles eram pés normais.
“Como?”
Ela devia estar morta há um bom tempo, certo? Conseguiu reunir um pouco de coragem e ergueu a cabeça. A mulher estava de costas, então tudo que pôde ver foi um longo cabelo prateado e um vestido adornado com pingentes. Em seguida, o espírito retornou para o sarcófago e se deitou.
Ssssssss…
Logo após o barulho do caixão se fechando ter atingido os seus ouvidos, Seol Jihu pareceu recobrar a consciência. Todos os pensamentos agora estavam mais calmos.
— Uhm…
“Ela me poupou?”
Pensou que iria morrer. Na verdade, estava com a sensação de que dez anos da sua vida haviam sido roubados. Estava prestes a sair, mas notou o estado caótico do ambiente.
“Hmmm…”
Então, por alguma razão, começou a organizá-la. Fechou bem o sarcófago e ajeitou o tecido vermelho que estava dobrado em cima de tal estrutura. Também achou melhor ajeitar a espada e o escudo da forma que os encontrou, deixando-os como estavam antes de quase terem sido pilhados.
O problema apareceu quando estava quase terminando.
Plop.
— Hã?
Algo estranho estava acontecendo. Os brincos e a Prova de Castitas sempre caíam quando eram postas de volta no lugar. Pareciam que se negavam a ficar na posição original.
“Que porra está acontecendo?”
Queria acabar logo com aquela arrumação para poder sair, então a dificuldade desses itens de permanecerem na posição inicial estava começando a preocupá-lo.
“Argh…”
— Argh…
“O quê?”
— O quê?
Olhou de um lado para o outro e começou a pensar.
“Você está fazendo isso de propósito?”
— Pode pegá-los.
“Oi?”
— Obrigada. Foi a primeira vez que uma pessoa me protegeu. Pode voltar sempre.
“Não, espera. Eu…”
Estava prestes a dizer algo, mas percebeu que o sarcófago parecia estar começando a se afastar. Então, viu que o próprio corpo estava sendo empurrado para trás. Não, era como se alguém o estivesse puxando e, antes que pudesse fazer algo, já estava no final do corredor. Segundos depois, já ouvia o barulho da porta se abrindo e a luz, mais uma vez, entrando nas suas pupilas. Quando a porta se fechou com uma enorme batida, apenas olhou para trás de si.
Dylan, Chohong, Hugo e Ian estavam o esperando. Antes que pudesse abrir a boca…
— O miasma se dissipou no momento em que você foi lá para dentro — revelou Ian, em uma voz calma. — Escutamos o que aconteceu. Poder ouvir a vontade do espírito vingativo foi um fenômeno bastante inesperado — disse o Mago, fechando os olhos.
Parecia que os quatro que ficaram do lado de fora também tinham ouvido o desejo da mulher ali enterrada.
— Foi minha culpa o time do Samuel ter decidido agir sozinho. Se eu não tivesse revelado a minha hipótese de maneira tão estúpida…
— Não é bem assim — falou Dylan em um tom de voz mais formal. — Nos foi dada a mesma oportunidade. Eles que a ignoraram. Eles não puderam controlar a própria ganância e pagaram o preço por tais ações.
— Pode ser… — murmurou Ian, parecendo um pouco mais conformado com toda a situação. Em seguida, voltou o olhar para os acessórios que o Marca de Ouro carregava — a Prova de Castitas e um par de brincos. Até certo ponto, o destino de Seol e o do time de Samuel haviam se dividido bastante. Por fim, o Mago riu e olhou para cima. — Olho por olho, dente por dente. Parece que aprendi bastante nessa expedição.
— Concordo. Afinal, humanos não são a única raça portadora de inteligência — concluiu Dylan antes de se virar. O Explorador podia ter morrido, mas ele ainda era um Arqueiro.
— Vamos voltar.
Então, todos os membros restantes assumiram uma nova formação de acordo com as instruções do líder e começaram a se mover.
11 entraram na floresta, mas apenas 7 saíram.
***
Nada aconteceu na viagem de retorno. O máximo que ocorreu foi Ian ter usado o feitiço para acalmar as mentes mais uma vez. O clima da expedição estava quieto. Eles não só presenciaram a morte de um grupo aliado, como também tinham muito para pensar.
Morrer em uma batalha contra monstros ou outros inimigos era algo normal. Porém, naquela vez, as circunstâncias eram bem diferentes. Foi culpa de Samuel ter feito o espírito maligno ter se tornado um inimigo.
Inúmeras perguntas ainda pairavam sob a mente de Seol Jihu, deixando-o confuso. Não sabia se ficava feliz ou triste com o fim da expedição. No entanto, se fosse honesto, diria que sentia-se mais arrependido do que qualquer outra coisa.
“E mais importante, se nós não reconhecermos como membro da expedição o Guerreiro que conseguiu nos defender do ataque de uma Lioner fêmea, como poderíamos reconhecer qualquer outra pessoa?”
Samuel…
“Meu nome é Alex. Sou um Sacerdote Investigativo de Nível 3. Vim da Área 4.”
Alex…
Nunca havia pensado que eles eram pessoas ruins. Samuel podia ser cabeça dura às vezes, mas ele sempre tentou ser um líder que prestava atenção na opinião dos outros. E Alex era um jovem de boas intenções que sempre estava com um sorriso no rosto. Contudo, por essas razões é que não conseguia entender muito bem. Por que eles se arriscaram em algo tão incerto?
À medida que caminhava pensativo, o céu, antes escondido pelas copas das árvores, começou a ficar mais visível. Começou a até conseguir enxergar a Colina Napal, já que estavam mais próximos de onde acamparam na noite anterior.
— O quanto você sabe sobre a morte? — perguntou Ian, logo que saíram dos limites da Floresta da Negação.
— Só que você perde todas as memórias sobre o Paraíso e torna-se impossível de voltar pra cá.
— Me parece que você sabe bastante. Se fosse corrigir apenas uma coisa, seria o fato de revelar que há, sim, uma forma de retornar para o Paraíso.
Era a primeira vez que escutava algo do tipo.
— Claro, não é fácil, Primeiro, você precisa reviver o morto. Segundo, você precisa achar um jeito de trazer a pessoa de volta, sendo que essa se esqueceu totalmente do Paraíso. Se conseguir alcançar essas duas condições, você será capaz de retornar.
— É como uma ressurreição?
— Bem, é melhor definir esse processo como uma oração para que os deuses atendam o seu pedido. Por favor, vocês poderiam reviver a pessoa? Algo assim.
Logo após ouvir essa informação, sentiu como se tivesse sido atingido por um enorme martelo na cabeça.
Um desejo…
Aquela era uma palavra familiar.
“Honraste a vossa parte do acordo, então eu devo honrar a minha. O que desejas?”
“Então desejas reviver?”
Sim, no seu sonho…
— Óbvio, orar por esse desejo também é algo complexo. Você precisa conseguir atingir grandes méritos militares no campo de batalha, conseguir a promessa de um deus ou ter oferendas muito valiosas. Não é exagero dizer que é quase impossível.
— Mestre Ian, você acha que o Samuel estava tentando reviver a Vanessa?
— Acho.
“Vanessa?”
Seol Jihu virou-se para Chohong após ouvir aquele nome nem um pouco familiar.
— Uma Blade Runner Nível 5. Ela era a líder original do time do Samuel.
— Eu também estava preocupado com isso. Tentei avisá-lo, mas, no fim, ele não conseguiu superar muito bem, não acha?
— Eu entendo um pouco o ponto de vista dele. Eles foram companheiros por muito tempo. Enquanto ela ainda estava viva, eles formavam um dos melhores times de Haramark.
— Tenho certeza que o peso nos ombros do Samuel foi pesado. De qualquer forma, estou muito preocupado. Samuel já podia ser considerado um Arqueiro Nível 5. E agora, tanto Vanessa quanto Kahn… É muito triste ver os Ranking Altos acabando dessa forma, quando, na verdade, todos são importantes. — De repente, o Mago parou de falar e começou a procurar algo no robe que vestia. Então, puxou uma espécie de cristal.
Seol Jihu lembrou-se de ter visto um item parecido no escritório do Carpe Diem, mas o que se encontrava lá era muito mais limpo.
— É da família real?
— Parece que sim. Me desculpem, será que vocês poderiam me dar licença?
— Claro.
Todos se distanciaram do Mago.
— É possível se comunicar com Haramark daqui?
— Bem, ele trabalha para a família real, não é? Assim, eles são a realeza, então, pelo menos, deveriam possuir alguns cristais de qualidade, né? — respondeu Chohong, estalando a língua.
— Espero que seja tranquilo.
— Não parece que vai ser. — Dylan já parecia ter ficado preocupado desde que Ian demonstrou-se surpreso com a chamada pelo cristal.
— Espera, você não acha que é uma guerra começando, né?
— Não sei. Penso que os Parasitas não possuem poder o suficiente para focar na gente.
— Então acha que pode ser a Federação?
— Faz menos sentido ainda.
Enquanto conversavam, Ian parou de conversar. À medida que o Mago se aproximava, puderam ter certeza que ele não trazia notícias boas.
— Eles disseram que todas as comunicações com a Fortaleza de Arden foram cortadas.
— Merda! Sabia que isso acontecer! — falou com raiva Chohong.
— Deixe-me continuar. O último sinal deles foi há dois dias. A família real de Haramark emitiu uma recompensa emergencial e está recrutando terráqueos de Nível 3 e 4. Também enviaram propostas para os de Ranking alto.
— Proposta?! Ah, vai se foder! — gritou a Guerreira Divina enquanto Dylan tentava acalmá-la.
— Quantos responderam?
— Nenhum.
— Foi o que pensei.
— A Fortaleza de Arden era um ponto estratégico para as forças da família real. Enquanto falamos, eles estão no meio de uma marcha para lá com um pequeno contingente de terráqueos os acompanhando.
As coisas ficaram muito mais complicadas. Ian começou a coçar a própria barba, em silêncio, mas esse logo foi interrompido por Dylan.
— Você também vai ter que ir, não vai?
— Sim. Sou um empregado da família real, afinal de contas. Já fui muito beneficiado por eles, então preciso fazer alguma coisa
— Argh, não vai! Você vai parar de trabalhar pra eles quando o reconhecimento da Floresta da Negação tiver terminado, certo?
Ao ver Chohong agindo daquela maneira, Seol Jihu ficou muito curioso. Presumia que uma guerra tinha começado, mas não entendi o motivo de todos falarem isso tão abertamente.
— O que eles querem de nós?
— A missão de reconhecimento da Floresta da Negação deve ser interrompida imediatamente. Escoltem-me para o ponto combinado. O resto eles discutem com você. É provável que eles também te forneçam uma boa compensação financeira, então é melhor você descansar.
— Parece que a família real está muito na merda.
— Preciso discutir isso com o meu time primeiro. Pode nos dar um tempo?
— Bem, não posso responder isso. E me desculpe.
— Não precisa se desculpar, Mestre Ian. Então… Ah. — Dylan estava prestes a reunir os seus companheiros de time, mas pareceu ter pensado em algo antes. — Quem está no comando das forças?
— Teresa?
— Oi? — Ao ouvir aquilo, o Arqueiro de Precisão franziu o cenho. — Teresa Hussey está participando?
— Fufufu. Pelo jeito você está tendo as mesmas reações que eu tive — disse o Mago, rindo e balançando a cabeça. — Exato. A princesa da família real de Haramark está indo para a guerra.