O Retorno da Gula Coreana

Autor(a): Ro Yu-jin


Volume 1

Capítulo 49: Carpe Diem (1)

Carpe Diem está à procura de um novo membro.

 

Havia apenas uma única linha escrita no aviso — nem mesmo um endereço de contato. Porém, gostou do fato do recrutamento não mencionar nenhuma restrição.

“Não se precipite.”

Era melhor começar a agir quando tivesse mais informações. Assim, decidiu sair da praça central e começar a vagar pela cidade. Pensou em parar no primeiro restaurante que visse para se alimentar, o que não demorou muito. Em pouco tempo conseguiu encontrar uma placa de madeira que dizia “Beber, Cair e Levantar.”

Alex havia mencionado sobre esse local no dia anterior, dizendo que tal estabelecimento era um pub com alguns atrativos a mais. Hugo queria ir para lá quando voltasse, mas o Sacerdote negou o convite. Decidiu qual seria o seu próximo destino.

Abriu a porta com um pouco de ansiedade e curiosidade, já que não sabia o que podia esperar. O primeiro sentido atacado ao entrar no bar foi a audição, pois os clientes falavam muito alto. Em seguida, foi a vez do olfato ser atacado, já que  sentiu um cheiro de cigarro, suor e alguns outros odores que não sabia como descrever. A melhor maneira que achou para caracterizar o local é comparando-o com aqueles salões dos filmes de Velho Oeste. Portanto, as pessoas estavam sentadas em volta de mesas redondas e segurando bebidas nas mãos.

Entrou no ambiente passando por uma névoa de fumaça feita pelos fumantes e logo se assustou ao ver uma mulher de cabelo loiro bem à frente. No entanto, ela não era a única. Após alguns segundos, viu várias outras com a mesma cor de cabelo e a mesma roupa.

Após esse primeiro choque, entendeu melhor o que Alex quis dizer ao falar que aquele lugar não parecia muito ser a cara de Seol.

“Mas não é que eu não goste disso. Apenas não estou tão acostumado com situações assim.”

Algum tempo depois, avistou um lugar vazio no canto do bar e sentou-se ali. Passou algum tempo observando a variedade de garrafas que estavam dispostas nas prateleiras antes de perceber um homem magro, com as mãos apoiando o queixo, sentado do outro lado do pub. Como esse cara estava vestido como um bartender, supôs que ele trabalhava ali.

— Com licença.

— Oi? — Ele estava com um rosto de tédio e segurava um cigarro com os lábios.

— Gostaria de fazer algumas perguntas.

— Quer pedir alguma coisa? — indagou, soltando um pouco de fumaça pelas narinas e ajeitando a postura.

— O que aqui tem de bom pra comer?

— Refeição leve ou uma que sustente?

— Uma que sustente. Nem tomei café da manhã.

— Que tal um prato de sopa, um pedaço de pão e uma salsicha apimentada? 

— Acho bom.

— Também temos carne.

— Me vê um filé desses também. Mal-passado.

O atendente encarou o Marca de Ouro por algum tempo, mas, quando viu que o jovem tirou uma moeda de prata do bolso, começou a agir e lhe entregou oito moedas de níquel como troco.

— Parece que eu vou ter que trabalhar pela primeira vez depois de um tempo. Um segundo. — O bartender entrou na cozinha e, alguns minutos depois, saiu segurando um prato cheio de sopa e um pedaço de pão.

Como estava morrendo de fome, não precisou de muito tempo para devorar a comida que chegou. No entanto, logo a carne que havia pedido também ficou pronta, não dando-lhe tempo para pensar.

— P-Parece que você gostou da comida.

— Sim, estava muito boa. Me passa esta carne aí, por favor.

“Será que eu ainda cozinho bem assim?”

Satisfeito com a visão do jovem se deliciando com a comida, decidiu pegar uma garrafa da prateleira.

— Isso aqui é por conta da casa. O percentual de álcool é baixo, mas vai bem com a comida.

Como estava com a boca cheia de comida, Seol apenas agradeceu com a cabeça. Em seguida, pegou a garrafa e começou a beber. Um sentimento de satisfação percorreu todo o seu corpo à medida que aquele gosto de mel se espalhava.

— Primeira vez que te vejo em Haramark — disse o atendente, agora com uma expressão mais relaxada.

— Cheguei ontem. É a minha primeira vez na cidade.

— Chegou de Scheherazade?

— Sim.

— Entendi. Você disse que queria me perguntar umas coisas, não foi? 

— Tem algum serviço por aqui? Não me importo qual seja — perguntou.

Hmmm, não sei bem. Se você quiser empregos temporários, é melhor dar uma olhada na praça central. Devem ter algumas ofertas no quadro de avisos.

— Estive lá há pouco, mas eu não podia aceitar nenhuma daquelas propostas.

— Se esse é o caso, é melhor começar como um carregador. Você vai andar com um pessoal, conseguir experiência, upar e arranjar alguns equipamentos — falou, olhando para a lança que o jovem carregava. — Um Guerreiro tem que ser, no mínimo, Nível 3 pra tentar partir em alguma expedição. Bem, ao menos que você já esteja em um time.

— Então é assim que funciona…

Ah, se eu não me engano o time do Samuel estava procurando por mais um integrante…

— Você conhece o Carpe Diem?

— Carpe Diem? — Os olhos do homem se arregalaram um pouco, dando a impressão de que ele não esperava por aquela pergunta. — Lógico que eu sei. Se você não souber quem eles são, você será considerado um espião que veio colher informações de Haramark. Eles não são as pessoas que vivem pelo presente? Afinal, Carpe Diem quer dizer “aproveite o dia”.

— Como assim? Como eles são?

— Bem, é um grupo feito por quatro, não, três pessoas. Lógico que eu nem preciso dizer o quão forte eles são. Até mesmo os Sicilia e os Tríades às vezes solicitam serviços do Carpe Diem. Como um time, sem dúvidas, eles estão no top 5 de Haramark.

Pelo jeito, eram um grupo de indivíduos muito habilidosos. Como a Cidade do Crime era um lugar muito perigoso, ser classificado como um dos times mais fortes de tal localidade é o mesmo que ser considerado um dos mais fortes de todo o Paraíso.

— Todos os membros são conhecidos pela incrível habilidade que possuem e, óbvio, o líder deles é um ranking alto.

— Onde posso encontrá-los?

— Por quê? Quer entrar pro time? — Após ver que Seol balançou a cabeça em concordância, o atendente continuou a falar: — Não crie muitas expectativas. Aquele grupo é… — Porém, ele não conseguiu completar a frase. — Esquece. É melhor eu não dizer nada mesmo.

Depois de conseguir descobrir onde eles ficavam, despediu-se do bartender, agradeceu todo o serviço e partiu.

 

***

 

Após deixar o pub e caminhar por pouco mais de dez minutos, havia chegado ao destino. Como não encontrou nenhuma placa, começou a achar que a descrição de “Um antigo prédio branco, nem tão alto, nem tão baixo” não tinha sido muito boa. Porém, agora que tinha conseguido se localizar, percebeu que aquela era a única construção que atendia às características descritas.

Ao aproximar-se ainda mais da construção, decidiu tentar espionar um pouco para descobrir como era o interior daquela estrutura, o que o fez dar um suspiro de admiração.

“Um local só para treinos?”

Conseguiu ver de relance uma academia ainda maior do que aquela na Zona Neutra. Todo o térreo parecia ter sido construído para o treinamento.

“Eu queria voltar a praticar…”

Tinha ouvido dizer que o segundo andar era a recepção. Contudo, à medida que analisava toda aquela construção, ficava mais admirado e, a cada passo, sentia o coração acelerando.

“Acho que eu não devia ter perguntado.”

Caso não soubesse de nada, era provável que teria ido lá com muito mais confiança. No entanto, não importava o quanto pensasse, dificilmente aquele time iria aceitá-lo.

De repente, lembrou-se de Odelette Delphine, a Maga sempre cheia de energia. Se fosse ela, o que será que a garota faria?

Era óbvio que seria recusado, mas não podia perder a oportunidade de tentar saber mais sobre o pergaminho que emitia um brilho dourado. Por fim, decidiu ao menos tentar. Reorganizou os pensamentos, subiu as escadas e encarou a porta fechada do segundo andar por algum tempo antes de criar coragem.

— Quem é? — indagou uma voz vindo do interior. — Pode entrar, a porta está aberta.

Respirou fundo e entrou, ficando surpreso logo de cara. A primeira visão que teve foi a de uma mulher sentada em um sofá velho e o encarando com o rosto um pouco retorcido.

— Quem é você? Eu nunca te vi antes.

A pele dela era branca, o que destoava muito com os cabelos escuros que chegavam a tocar o chão. Porém, o que mais lhe chamava a atenção era aquele olhar elegante e um cigarro pendendo entre aqueles lábios rosados…

A mulher começou a encará-lo com uma expressão mais grossa e, em segundos, já parecia estar irritada com o silêncio.

— Quem é você, porra?

“Hã?”

Ao ouvir um palavrão logo de cara, lembrou-se de Maria.

— Quem é? — Passos pesados foram se aproximando e, então, um alto homem negro apareceu.

Os dois se olharam e abriram a boca ao mesmo tempo.

— Seol!

— Hugo?

O Guerreiro deve ter saído do banho, pois estava encharcado de água.

— Você… Ah, entre primeiro! — falou, gesticulando com as mãos e puxando Seol Jihu para dentro da recepção. Em seguida, fez com que o jovem se sentasse no sofá, fazendo com que a mulher com o cigarro na boca o encarasse.

— Então vocês se conhecem?

— Eu te disse ontem, não falei? Tinha um cara que veio comigo pra Haramark.

— Não era o Alex?

— Não só o Alex. Eu te contei que tinha mais um.

Hmmm… — A mulher concordou com a cabeça e depois mudou o olhar para o Marca de Ouro. — Ahh, esse é o noob que veio pra Haramark a primeira vez?

— Seol, o que te traz aqui? Estou muito surpreso por te ver — falou Hugo, ignorando o comentário da mulher com o cigarro na boca.

— Eu também. Não tinha ideia que você era um membro do Carpe Diem, Hugo.

— Aaaaaiiiiii! — gritou a mulher enquanto abraçava a si mesmo em uma expressão de horror. — Aqui, não dá pra mudar esse jeito que você fala não? Já faz um tempo que eu não escuto alguém falando de forma tão educada, então isso tá me dando calafrios.

— Ignora ela. Mas o que te traz aqui?

Ah. — Encarou a mulher, que vestia uma blusa sem manga e uma calça comprida. — Eu vim aqui depois de encontrar a oferta de emprego.

— Oferta de emprego? — O Guerreiro ficou com uma expressão pensativa e virou-se para a amiga. — A gente já fez uma oferta de emprego?

— Não sei. Mas ouvi dizer que com a aposentadoria do velho a gente iria atrás de um novo integrante — respondeu, dando de ombros.

— Quem te disse isso?

— Deixa de ser burro. Quem você acha? É óbvio que foi o Dylan — falou, dando uma última tragada no cigarro. — De qualquer forma, pede pra esse cara aí sair, tá bom?

— Você quer que ele saia?

— Óbvio. Como ele vai conseguir entrar no time? Não vamos ficar protegendo um noob, né?

Como esperado, não conseguiria se juntar a eles. Apesar de previsível, aquelas palavras ainda soaram um pouco amargas.

A mulher acendeu um novo cigarro e levantou apenas uma das sobrancelhas ao ver que o companheiro estava pensando sobre o assunto.

No momento em que estava prestes a se levantar do sofá, Hugo começou a falar.

— Espera, espera. Você veio aqui depois de ver a oferta, não foi? Então espera mais um pouco, pode ser?

— O quê?! Ei! Quer aceitar um Nível 1 no nosso time?!

— Fica quieta, tá bom? Seol, nosso líder vai chegar a qualquer momento, então, por favor, espere por ele, tá bom? Vou falar bem de você.

— Hah! — grunhiu a mulher, não acreditando no que tinha ouvido.

Foi então que a porta se abriu e…

Hmm? Um cliente?

Ouviu uma forte e profunda voz vindo da entrada. Virou-se em direção ao som e arfou quando viu o homem entrando na recepção. Ele era negro e com um porte físico ainda maior que o de Hugo, portanto, era muito musculoso. Podia ser até comparado a um jogador da NBA. Contudo, havia um outro detalhe importante: ele estava carregando um envelope em uma das mãos. 

Ah, chegou na hora, Dylan!

— Quem é ele? Um cliente?

— Um Guerreiro Nível 1 que viu o nosso anúncio e veio nos visitar — falou a mulher com uma voz cansada, apoiando o queixo com as mãos.

— Nível 1? — indagou, parecendo estar confuso. — Bem, eu acho que coloquei alguns anúncios de emprego há um tempo atrás.

Por fim, Dylan começou a analisá-lo com um olhar muito concentrado, o que fez Seol Jihu sentir uma estranha sensação.

“E-Ele é um Arqueiro de ranking alto? Mas ele parece muito mais um Guerreiro.”

— Bem, isso não importa — disse, após analisar o candidato à vaga.

— Você tá falando sério? — Com o tom da pergunta, parecia que a mulher havia levado um soco no estômago.

— Sim. É verdade que nós estamos procurando por um novo membro e também não colocamos nenhuma restrição. O Nível dele não importa.

— Ei. Eu sei que você é o líder e tal, mas não acha que devia escutar a opinião dos outros também?

— Nós apenas precisamos “olhar” a pessoa. É simples. O velho mesmo disse isso, Chohong.

Com aquelas palavras, a mulher chamada Chohong fez uma careta, puxou um outro cigarro e ficou em silêncio.

Tsc. Faz o que você quiser. Além disso, o que aconteceu com o serviço?

— Não dá nem pra chamar e serviço. Eu só andei com o pessoal da Tríade por um tempo.

— Eu ouvi dizer que eles estão com um novo executivo.

— Sim. Eu dei uma olhada nele só pra lembrar do rosto. O nome do cara é Hao Win. Até que ele é bem simpático — acrescentou, dando um sorriso.

“Hao Win?”

Quando um nome familiar foi mencionado, os olhos de Seol brilharam por um segundo.

“Hao Win também está em Haramark?”

Por fim, Dylan estava prestes a se sentar em um outro sofá, mas logo hesitou e saiu da recepção. Pouco tempo depois, reapareceu carregando um par de xícaras, oferecendo uma para Seol com um olhar amigável.

— Um convidado chegou e eu esqueci tudo sobre como ser um bom anfitrião. Me desculpe.

— Não tem problema. Obrigado — falou enquanto pegava a xícara com cuidado.

— Não se incomode se o chá estiver um pouco fraco, tá bom? Eu venho praticando em como fazer um bom chá, mas parece que não melhorei muito — disse após bebericar.

Aquele tom de voz amigável fez com que o Marca de Ouro sorrisse. Entendeu que o líder estava tentando-o dizer para que relaxasse.

— Ei, Dylan. — Hugo estava prestes a se intrometer na conversa, mas Dylan levantou uma mão para pará-lo.

— Eu ouvi um pouco de você pelo Hugo. Você deve ser Seol, um Guerreiro Nível 1. Primeira vez em Haramark, né?

— Isso.

— Invocado no mês de Março deste ano, certo?

— Exato.

Ah, então você deve conhecer Hao Win. Parece que ele também é desse mesmo grupo de Março.

Finalmente começaram a conversar sobre o assunto principal. Pensou que, de cara, seria expulso daquele lugar, mas eles pareciam dispostos em ouvir a sua história primeiro. Será que isso é graças ao Hugo? Prometeu que pagaria um drink para ele mais tarde.

— Certo, Seol. Você sabe que tipo de time nós somos?

— Ouvi algumas coisas?

— De quem? Onde?

— Do “Beber, Cair e Levantar”. Eu não perguntei o nome da pessoa.

Dylan concordou com a cabeça. O jovem não tinha aparecido do nada, ele havia, pelo menos, montado um plano e colhido informações básicas antes. Considerando que tinha saído da Zona Neutra há pouco tempo, tais atitudes eram aspectos positivos. Ao menos serviam para demonstrar que o candidato era do tipo que pensava nas coisas primeiro.

— Perfeito. Quais foram os seus números no Tutorial e na Zona Neutra? 

— Os meus números?

— Sim. O número de Pontos de Sobrevivência que você conseguiu no final do Tutorial e a missão mais difícil que você completou na Zona Neutra, por exemplo. — Por fim, Dylan fez um sinal com a xícara, indicando que era a hora de Seol responder.

— O total de Pontos de Sobrevivência que consegui ao final do Tutorial foi 26.500.

O líder estava prestes a beber um pouco de chá, até que…

— Sobre as missões na Zona Neutra. Eu completei a de nível Impossível. 

As suas mãos paralisaram no meio da ação.

Hugo, que balançava as pernas, também ficou imóvel ao ouvir aquelas palavras. Porém, os dois não eram os únicos.

Chohong, que o olhou com desprezo o tempo todo, também pareceu estar surpresa.



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