O Retorno da Gula Coreana

Autor(a): Ro Yu-jin


Volume 1

Capítulo 44: O Lugar Que Você Precisa Estar

Não conseguia lembrar como voltou para o quarto, mas, enquanto subia as escadas com dificuldade e abria a porta, ainda permanecia com um rosto impassível.

Abaixo da janela, parecia que o chão tinha sido pintado por uma tinta laranja. Ao mesmo tempo, a luz que entrava no ambiente em um feixe refletia na tela do velho notebook que tinha e se espalhava pelas paredes. Sentia-se um tolo, mas era hora de descansar apesar de vários pensamentos ainda fluírem em sua mente. Portanto, decidiu sentar-se na cama e fechar o computador.

“Só mais um pouco…”

Estaria mentindo caso dissesse que não tinha criado uma pequena esperança. No entanto, a diferença entre os sonhos e a realidade provou ser maior do que esperava. Talvez por estar de volta ao antigo lar e isso ter desencadeado algum tipo de lembrança afetiva, pegou um maço de cigarros e começou a fumar.

Tosse, tosse.

A garganta estava seca e os olhos um pouco irritados. A percepção dessas sensações era tudo que precisava para começar a chorar.

“Tá achando que eu vou ser trouxa de novo?”

Como poderia lamentar…

“Rinha de galo? Apostas esportivas?"

Como poderia culpar alguém?

“Se você estiver mesmo sendo honesto, por favor, pegue.”

O mundo todo pareceu girar 90 graus e, em seguida, bateu com a têmpora no chão. Sem motivação para levantar e muito confuso para sentir dor, permaneceu parado no chão com uma respiração inconstante. Parecia que tudo o dizia para não estar ali naquele momento.

“Eu não pertenço a este lugar.”

No instante em que tal pensamento surgiu, os antes sem brilho e desesperançosos  olhos ganharam um segundo de lucidez. Havia achado um lugar que poderia ir há algum tempo, certo?

“Paraíso.”

De fato, era lá…

Colocou as mãos no bolso e puxou um pequeno pedaço de papel. Por um tempo, apenas ficou tateando o objeto. Queria muito rasgá-lo, mas ainda precisava esperar a ligação de uma certa mulher. 

Olhando para si, percebeu que a própria condição não era tão boa. O corpo todo estava tendo calafrios devido aos encontros anteriores que teve. Talvez pudesse melhorar após algumas horas de sono.

Fungada. 

Deu uma leve fungada, se arrastando pelo chão até conseguir chegar aos cobertores retalhados que estavam um pouco à frente. Naquele quarto gelado, apenas a quietude o fazia companhia.

“E-estou sozinho…”

Puxou o cobertor para cima da cabeça e fechou os olhos.

 Por outro lado…

— O número que você discou está indisponível. Por favor, deixe o seu recado após o sinal…

— Por que ele não tá atendendo o celular?! — indagou Kim Hannah com muita raiva. — Será que ele encheu a cara e agora tá na porra de um sono muito pesado? Não, ele não é tão burro… — Molhou os lábios e ficou pensando, mas logo pegou a maleta que carregava e saiu de casa. — Tá achando que eu não vou conseguir te achar só porque você se escondeu?

 

***

 

Chegou ao lado de fora da casa do cliente. Tocou a campainha e bateu na porta, mas o silêncio permaneceu.

“Ele não tá em casa?”

Fechou os olhos, se concentrou e, em seguida, começou a sentir a aura dele vindo do lado de dentro.

Batida, batida!!

— Ei! Abre a porta! Eu sei que você tá aí! Seol Jihu! — O tom da voz ficava mais alto à medida que continuava a falar.

“Ah, então ele vai bancar o difícil?”

Transbordando de raiva, ela segurou a maçaneta e a virou com força.

— Talvez eu não devesse ter dado aquele dinheiro?

Porém, a porta logo abriu sem oferecer resistência nenhuma.

“Tava aberta o tempo todo?”

Ao invés de ficar surpresa, sentiu-se uma tola por ter gasto os últimos cinco minutos parada do lado de fora xingando. Devagar, começou a entrar no apartamento, mas logo cobriu o nariz em náusea. Um odor horrível, formado pela combinação de cigarro, comida podre, roupa suja e um outro cheiro que não conseguia descrever ganhou as suas narinas. Quando pôde ver com mais calma o estado do quarto, chegou a conclusão de que era pior do que pensava. Um prato repleto de guimbas de cigarro era a coisa mais bonita naquele lugar.

Sentiu vontade de vomitar, então correu para a pia da cozinha. Porém, a situação ali não era muito melhor.

Vomita…

Por fim, começou a vomitar. Para alguém obcecada por limpeza como ela, esse apartamento era uma pilha de lixo que a deixava com muito nojo e desconfortável.

Vomita, vomita…

Continuou regurgitando por um tempo antes de conseguir olhar para trás e ver Seol Jihu dormindo no chão com um cobertor cobrindo todo o corpo.

— S-Seu bosta! — gritou. — Ei, acorda! — Usou a ponta dos pés para tirar o cobertor, mas ficou paralisada logo em seguida.

— Uuuuuuuuuu…

O ouviu gemendo de dor. Ele também respirava com muita dificuldade e estava encharcado de suor.

— O que aconteceu aqui… — A raiva que sentia diminuiu.

Abaixou-se e colocou o dorso da mão na testa dele, que queimava em febre. Não tinha ideia de que ele estava doente, então se sentiu um pouco culpada por ter suspeitado.

— Idiota. Como é que você não fica doente dormindo em um quarto assim? — murmurou e, logo depois, soltou um suspiro. Deu mais uma olhada em volta. — Eca. Você tava tão bem no Paraíso, mas por que ficou assim na Terra? — disse, levantando-se. — Mesmo que hoje esteja um pouco frio, aguenta aí. Vou abrir essa janela pra deixar entrar um pouco de ar. Capaz de eu também ficar doente aqui se não fizer nada.

Abriu as janelas o máximo que conseguiu e arregaçou as mangas. Como se estivesse se preparando para fazer um pouco de esforço depois de muito tempo, alongou as costas e estalou o pescoço.

— Vejamos. Onde é que eu começo?

 

***

 

Sonhou. Foi o tipo de sonho que não tinha há muito tempo, mas fora um bom.

Yoo Seonhwa veio para vê-lo. Ela até mesmo o ajudou com a bagunça do quarto. O carregou para o canto e começou a limpar todo o ambiente. Enquanto a máquina de lavar trabalhava, ela saiu para comprar alguns itens, como detergente, purificador de ar e outros produtos de limpeza. Ela lavou as roupas, arrumou a cozinha, lavou a louça, jogou o lixo fora, descongelou a geladeira, encerou o chão, abriu as janelas e até higienizou o banheiro.

A amada passou as horas seguintes cuidando de toda aquela resistência. Então, dizendo como estava com fome, preparou lamen. Admirá-la na cozinha e poder ver aquele rabo de cavalo balançar de um lado para o outro o fez sentir-se aconchegado e confuso. Parecia que tinha voltado para a época em que tudo estava bem.

No entanto, não entendia muito bem o motivo dela estar vestindo um terno de trabalho. Por que não estava no uniforme? Nunca tinha a visto usando um terno de trabalho antes…

De repente, começou a sentir um aroma picante e delicioso, fazendo com que salivasse.

“Não era só um sonho?”

Levantou-se o mais rápido que conseguiu.

— Olha só quem acordou.

Um tom de voz de desaprovação entrou em seus ouvidos. Kim Hannah semicerrou os olhos e o encarou por um tempo enquanto carregava uma travessa com lamen.

— Comida você consegue cheirar, né?

— Kim Hannah?!

— Se você já acordou, levanta e vem comer.

— O que você tá fazendo aqui?

— Eu te disse, não disse? Se não respondesse as minhas ligações, eu viria até a sua casa.

Começou a olhar em volta. Ficou boquiaberto ao perceber que o lixão que chamava de apartamento tinha se transformado em uma casa normal.

“Aqui sempre foi tão espaçoso assim?”

Viu pratos muito bem arrumados nas prateleiras e o chão brilhava como se fosse feito de mármore. Também havia um cheiro diferente, mas muito agradável no ar. Esse lugar tinha passado do nível de um bom local para morar e agora podia até ser considerado um verdadeiro lar.

— Tá pensando em começar uma carreira nova?

— Do que você tá falando? — indagou a agente.

— Então foi você… — disse, massageando a testa. Tinha pensado que era Yoo Sonhwa…

— Sim, seu burro. Você tem ideia de quantos sacos de lixo eu… Espera aí, por que você parece desapontado?

— N-não. Desapontado? Eu? Tá maluca. Fico muito feliz por você ter feito tudo isso — negou o mais rápido que pôde.

— É bom estar feliz mesmo. Como é que você consegue dormir num lugar assim? Devia estar cheio de germes e essas coisas. Eca! — Ela tremeu apenas imaginando ao fazer menção à sujeira. Em seguida, colocou a travessa em cima da mesa e o encarou. — Não quer? Eu fiz pra dois.

Uma fumaça logo se ergueu do prato. E, depois que um par de hashis foram postos ao lado, era impossível recusar. Parando para pensar, não comia nada desde de manhã.

Sluuurp.

“Muito bom.”

O ponto do macarrão estava perfeito e o caldo um pouco picante. Junto a isso, a cebolinha picada adicionava camadas de refrescância.

— Gostou? — perguntou, rindo, ao ver o jovem aproveitando a comida.

— Sim.

— Bem, eu sei como preparar um lamen. Aproveite.

— Valeu.

Os dois se concentraram em comer, o que fez com que o macarrão acabasse logo.

— Não foi o suficiente pra nós dois, né? — Kim Hannah lambeu os lábios com uma expressão insatisfeita e olhou para Seol Jihu se deliciando com uma colher cheia de sopa. — Que tal um pouco de arroz pra comer com a sopa?

— Sim, seria muito… Ah, mas não tem…

— Eu comprei um pouco de arroz quando saí atrás de uns sacos de lixo extra.

Ela foi em direção à cozinha e pegou pacotes de arroz instantâneo. Provavelmente deve tê-los esquentado na loja de conveniência, porque achou que já estavam um pouco frios.

No momento em que ficou de barriga cheia, começou a sentir-se um pouco sonolento, mesmo que tivesse acabado de acordar, parecia que as suas pálpebras pesavam uma tonelada. Ao ver aquela situação, a agente deu um sorriso.

— Você não é mais uma criança, mas está com sono porque comeu muito? — Em seguida, ela pegou uma travessa e tirou os pratos sujos da mesa. Em seguida, revelou uma bolsa cheia de medicamentos.

— Ei, deixa que eu faço isso.

— Relaxa. Você ainda tá doente. Comprei alguns remédios, então é melhor você tomá-los e descansar. Amanhã a gente se fala.

Fechou a boca. A coisa que mais odiava eram agulhas, e a segunda coisa que mais odiava era ter que tomar remédio. Talvez fosse algum trauma de infância.

Kim Hannah cantarolava enquanto lavava os pratos, mas ficou estressada ao perceber que Seol Jihu não tinha tomado nenhuma das medicações. Então, o forçou a engolir alguns comprimidos e, em seguida, falou que conversariam no dia seguinte e fez menção de ir embora. Estava ficando tarde e ela também precisava descansar.

— Tô indo. Vê se descansa, tá bom? E não ouse me deixar no vácuo de novo. — Quando estava prestes a sair, sentiu algo segurando a sua mão.

— Kim Hannah.

— O quê?

— Não vá. Por favor.

— Como é que é? — Hesitou ao ouvir aquelas palavras em um tom de voz tão suplicante.

Já era noite, então…

Um pensamento de arrependimento por ter ido ali formou-se.

— Eu…

— Ei.

— Você é um Convidado e eu quem o convidou — disse, afirmando a própria posição.

— Eu sei.

— Se você sabe, não devia se comportar assim. Não acha que está sendo um pouco imprudente aqui? Eu pareço tão fácil assim pra você?

Ela começou a soar irritada. Seol Jihu a encarou tentando demonstrar que não tinha ideia do que ela queria dizer antes de continuar a falar.

— Eu quero voltar.

Hmm?

— Agora, eu quero voltar agora.

Foi a vez de Kim Hannah o encarar sem entender o que ele queria dizer. Ficou vermelha por alguns segundos e, no momento, que confirmou a vontade nos olhos do jovem…

— Vamos. Agora. Tem como, não tem?

Semicerrou os olhos.

“Não é possível. É sério?”

Já estava com a sensação de que tinha algo errado. Também estranhou o fato dele ter ficado muito silencioso durante toda a refeição. No início, estava preocupado com o fato do cliente não querer retornar ao Paraíso depois de voltar à Terra. Porém, a realidade era o oposto disso. Não tinha se passado nem um dia inteiro, mas mesmo assim Seol Jihu já queria ir de novo ao Paraíso.

A melhor evidência para isso eram as feições dele, que estavam vigorosas após a simples menção de retornar. Sentiu que o jeito que ele segurava a sua mão era mais uma súplica. Começou a pensar que algo não estava certo e que aquilo era muito perigoso.

De vez em quando, era possível encontrar pessoas assim; indivíduos que eram seduzidos pelo charme do Paraíso Perdido e descartavam as próprias vidas na Terra. As chances de um terráqueo assim perder a vida de forma precoce era dez vezes maior do que o normal, pois começariam a ficar viciados na adrenalina das batalhas e, aos poucos, iriam passar a procurar perigos cada vez maiores.

Outros terráqueos chamavam quem era assim de viciados no Paraíso.

Normalmente, Kim Hannah teria aceitado o desejo dele de voltar, mas Seol Jihu não era um simples Contratado ou um peão que poderia ser jogado fora após ser usado uma ou duas vezes. Não, ele era um terráqueo que poderia se transformar em um suporte confiante e futuro parceiro. Ele era como um diamante bruto que precisava ser lapidado.

A pretensão que tinha era de que o cliente conseguiria balancear bem as duas vidas e, com toda certeza, não queria que ele se tornasse um viciado no Paraíso. Além disso, Seol Jihu tinha ido para lá apenas uma vez e passou a maior parte do tempo na Zona Neutra. Logo, era muito raro presenciar alguém querendo voltar após tão pouco tempo.

“Alguma coisa aconteceu.”

Ao lembrar do passado do jovem, pensou que alguns eventos não muito agradáveis poderiam ter ocorrido.

— Você não pode. — Recusou.

— Mas por que não?

— No mínimo, você precisa finalizar o contrato antes.

— Então me dá esse contrato logo pra eu assinar.

— Você acha que é só uma assinatura? Eu tenho várias coisas pra te contar. Além do mais, você tá curioso sobre algumas coisas, não? E os planos do seu futuro?

— Eu vou descobrir isso quando chegar lá… — A vontade do Marca de Ouro diminuiu bastante ao ouvir aquele tom de voz com raiva da agente.

— De qualquer forma, você não pode. E eu também quero dormir! Tem ideia do quão cansada eu tô depois de ter dado faxina nesse lugar aqui?

Esqueceu o que ia dizer e uma expressão de culpa formou-se no seu rosto.

— Durma um pouco. Parece que você vai desmaiar a qualquer segundo. Quando for a hora da gente ir, eu vou te obrigar, nem que precise te arrastar ou te colocar dentro de um saco e só te soltar quando chegarmos.

— Tá bom… — No final, ele achou melhor não insistir.

Pouco tempo depois as luzes se apagaram.

Kim Hannah ficou encarando-o da entrada antes de se sentar em um lugar distante dele, colocando a jaqueta em volta de si como se fosse um edredom. Estava preocupada com as chances de Seol Jihu fugir para o Paraíso sem que ela soubesse, então os seus sentidos a despertariam no caso de qualquer movimento inesperado. Afinal, como protetora, deveria impedir que ele “escapasse” para o Paraíso.

“Que cara mais problemático pra ficar tomando conta.”

O observou por mais um tempo antes de fechar os olhos e deixar um bocejo escapar.

 

***

 

A agente acordou primeiro logo no início da manhã e, confirmando que o cliente ainda estava dormindo, decidiu ir tomar um banho. Tinha planejado apenas uma chuveirada, mas havia suado muito no dia anterior, então era melhor não ficar apressada.

Não queria acordá-lo, então levou as roupas consigo para dentro do banheiro. Porém, o barulho da água deve ter o despertado, pois quando saiu, ele já se encontrava em pé coçando os olhos.

Mais tarde, ela decidiu levá-lo a alguma lanchonete para tomarem café da manhã. Enquanto esperavam pela comida, Kim Hannah exigiu que o jovem a dissesse tudo que tinha acontecido no dia anterior. Seol Jihu pareceu não muito à vontade em contar, mas mesmo assim falou. Após ouvir a história, teve uma reação, no mínimo, dramática.

— O-O quê?! Você gastou mais de 100 milhões de won ontem?!

— Então…

— Como é que você consegue ser tão burro? Você é a mesma pessoa?! Tem certeza de que é o sobrevivente rank 1?

— É…

— Burro! Eu te falei pra levar em consideração a diferença de tempo, não falei? O que queria que eles pensassem? A porra de um viciado em apostas apareceu na frente deles depois de um mês sem ter feito contato nenhum com milhares de won em dinheiro vivo e dizendo que não faz mais apostas assim do nada. Qual a explicação pra isso? Virou o rei do bicho? Arranjou um galo bom de briga? Porra!

Kim Hannah estava muito próxima de explodir ainda mais e quase pulou da cadeira. Havia pensado que ele usaria o dinheiro com calma, por isso tinha depositado um pouco. Um cara tão pensativo, capaz de resolver todas as dificuldades impostas no Paraíso com facilidade fez merda logo que pisou de volta na Terra.

— Você é muito burro… — disse, massageando a cabeça. — Não é que eu não entenda a situação, mas você precisava dar o dinheiro aos poucos. Primeiro começava a dizer que parou de apostar, que estava trabalhando muito pra recompensá-los, mas que estava muito ocupado, então ligaria mais tarde e blá blá blá. Caralho, pensou que ia conseguir fazer as pazes logo de cara? As relações que você tinha acabaram anos atrás, esqueceu?

Aquelas palavras difíceis, mas verdadeiras, fizeram com que Seol Jihu começasse a coçar a nuca em desespero. Mesmo em dez meses, não teria desculpas.

— Haaaaaah… — grunhiu antes de encará-lo de novo. — Não dá pra continuar assim.

— Explica.

— Mesmo que a gente não tenha resolvido a questão do contrato, logo depois de você assinar eu vou invocar o privilégio do protetor.

— Privilégio do protetor?

— Você quer acertar as coisas com a sua família, não quer?

Balançou a cabeça concordando.

— Eu não planejo interferir no jeito que você vive, mas nesse quesito eu vou precisar agir, tá bom? — A comida chegou logo depois, então a expressão de insatisfeita que ela estava sustentando se desfez um pouco. — Vamos comer. Podemos conversar enquanto isso.

A agente pegou um pouco de sopa com a colher e logo continuou.

— Escuta. Dentre os meus funcionários, tem um que foi pra lá quando ainda tava na faculdade. Foi bem até. Conseguiu construir uma boa carreira, ficou famoso e foi agenciado pela Sinyoung no fim das contas. Casou não tem muito tempo.

— Tem como casar lá?

— Lógico que tem, mas não é aí que eu quero chegar. — Gesticulou com as mãos indicando que a parte importante era outra, tomou mais um pouco da sopa e prosseguiu: — Ele se casou com uma mulher que não está envolvida com aquele mundo, entendeu? E o que você acha que aconteceu?

— Sei lá. Isso não é meio, sabe, perigoso? Ele podia ser descoberto?

— Será? A vida dele tá bem boa. Ele chega pra trabalhar de manhã, é transferido pro outro lado, passa alguns dias lá e depois volta. Mas pra esposa o marido volta no fim da tarde. Caso se atrase, é só dizer que estava fazendo hora extra. Caso precise passar mais tempo do outro lado, fala que tem uma viagem de negócios.

— Mas e se um dia a esposa aparecer na empresa?

— E? Qual o problema? É só mostrar o marido trabalhando no escritório — respondeu, dando de ombros.

— E se ele aparecer de surpresa e… E se tiver uma emergência?

— Sem problemas. Se algo assim acontecer, a empresa o notificará imediatamente. Diremos que ele não está trabalhando no escritório e, ao mesmo tempo, um dos nossos vai pro outro lado atrás dele pra trazê-lo de volta.

— Você é bem minuciosa pra lidar com as pessoas, né?

— É o poder da minha empresa. E, bem, essa é uma das razões por eu ficar de olho em você também.

Balançou a cabeça concordando com o que foi dito. O tom de voz de Kim Hannah era um pouco agressivo, mas não se importou muito. Aquilo não parecia como uma interferência, e sim como uma ajuda.

— De qualquer forma, o que você tá dizendo é que vai invocar esse privilégio do protetor. É isso?

— Exato. Na verdade, eu não preciso nem invocar. Essa é uma das responsabilidades que as pessoas com a minha função, a permissão de agenciar, devemos cumprir.

— Permissão de agenciar?

— Sim. Achou que era de graça? Temos algumas responsabilidades e deveres a cumprir.

Começou a comer um kimbap, mas logo percebeu que tinha cometido um erro ao ver a expressão vaga do jovem. Como demonstrou habilidades incríveis no Paraíso, às vezes pensava que ele já tinha descoberto várias informações sozinho, então apenas acrescentava alguns detalhes.

— Mesmo que seja chamada de permissão para agenciar, não é um negócio tão impressionante. A gente pode usar os carimbos e precisa descobrir quem está envolvido com aquele mundo ou não. Acho que é isso.

— Você pode descobrir isso?

— Claro. Como eu teria acreditado em você lá atrás, então? Porque você jurou pela sua mãe ou alguma coisa?

— Tá bom, então como é que você sabe?

— Me dá a mão.

Seol Jihu abriu a palma da mão direita e a apresentou.

— Não a mão direita. A mão que eu te carimbei.

Abriu a palma da mão esquerda e balançou a cabeça em confusão. Do ponto de vista que tinha, era só uma mão. Nada de especial. Porém, parecia diferente para a agente, que tinha uma expressão séria no rosto.

— É, consigo ver bem agora. Deve tá mais fácil porque você é um Marca de Ouro.

— Consegue ver alguma coisa na minha mão?

— Sim. Tem três jeitos de distinguir quem tá envolvido ou não com aquele mundo. — Ela lambeu os hashis e levantou o dedo indicador, médio e anelar. — Primeiro, você reconhece pelo rosto. Até mesmo você consegue. Segundo, você dá uma olhada na Marca. O problema desse método é que não dá pra descobrir qual a Classificação da Marca. Às vezes dá pra adivinhar dando uma olhada em uns lugares meio estranhos, sabe?

Ficou bastante curioso para descobrir quais eram esses lugares estranhos. 

— O terceiro é sentindo a “aura”.

— A aura?

— As Marcas emitem uma aura bastante característica, mas você deve estar próximo e se concentrar bem pra conseguir sentir.

Ficou mais intrigado à medida que eles discutiam sobre assuntos relacionados ao Paraíso.

Ah, me distraí. De qualquer forma… — Emitiu um estalido com a língua e puxou os contratos e uma caneta no bolso de dentro do paletó. — O que eu quero dizer é isso. Quero que você balanceie a sua vida de lá e a daqui, igual a esse funcionário que eu te contei.

— É que…

— Escuta. Eu vivo naquele lado há muito mais tempo que você e também conheço muito mais pessoas. Porra, eu sou uma das pessoas que convence outros a irem para lá. — De repente, o tom de voz dela ficou mais baixo. — Serei honesta. Desde que comecei com esse trabalho, nunca pensei que diria essas palavras em voz alta. — Tomou um gole de água, ajeitou os óculos e continuou. — Pelo que vi na noite passada, talvez você não precise disso quando estiver do outro lado, mas quando estiver aqui, você precisa ter alguém de olho.

Hmm

— E mais importante, não vou ficar sentada assistindo o meu Convidado ficar viciado no outro lado e acabar como um tolo. Entendeu? — disse, colocando o contrato na frente de Seol Jihu. — Se você confia em mim e se sente que pode fazer isso, assine o contrato.

Permaneceu em silêncio antes de pegar a caneta. E assim puxou o contrato para mais perto…

— Não se esqueça. — A voz dela era afiada. — O lugar que você precisa estar é aqui.



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