O Retorno da Gula Coreana

Tradução: Teverrr

Revisão: Melo


Volume 1

Capítulo 43: Não Adianta Chorar Pelo Leite Derramado (2)

Continuava a vagar. Não era como ele não soubesse o que queria, estava apenas hesitante. Por um tempo, caminhou pela mesma rua várias vezes até criar coragem de olhar para o interior de uma cafeteria. Em instantes, conseguiu focar no motivo de todo aquele nervosismo. Yoo Seonhwa estava atrás do balcão, finalizando um pedido.

“T-tão linda…”

Aquela postura servia para lembrar o quão honesta ela era e o olhar demonstrava toda a paixão que sentia por poder trabalhar lá. Com cuidado, derramava água quente em um coador.

Será que aquele cara estava se confessando? Um homem, ao receber a caneca de café, puxou o celular para frente, assustando-a. Ela arregalou os olhos e, apesar da surpresa, ainda conseguiu balançar a cabeça em negativa, fazendo com que o penteado perdesse um pouco do formato. No entanto, aquela resposta não foi suficiente e o cliente insistiu. Mais uma vez, ainda com uma educação exemplar, mas agora com confiança, ela negou.

A porta se abriu, e o homem rejeitado caminhou para fora.

Respirou fundo e estendeu a mão em direção à maçaneta, mas logo parou. Teria conseguido alcançá-la se continuasse com o movimento por mais um centímetro. Contudo, a distância entre ele e a cafeteria pareceu aumentar de repente, fazendo com que um ato tão simples se tornasse quase impossível. Recuou um pouco e pressionou bem o braço, antes esticado, contra o peito. Foi quando pôde perceber.

O seu coração estava disparado e o medo o consumia.

 

***

 

No horário do almoço as mesas estariam cheias, mas depois das quatro da tarde é provável que o local esvaziasse bastante.

Após um cliente desocupar um lugar, uma garçonete a arrumou e começou a falar com as companheiras.

— Corpo, seis pontos.

— Mas você é muito generosa. Rosto, três pontos — completou rindo uma das funcionárias.

— Estiloso, cinco pontos.

— Um total de 14 pontos. Rejeitado! — disse uma outra para concluir os outros dois comentários feitos pelas amigas.

— Amigas?! — Yoo Seonhwa parou de mexer na máquina registradora e se virou para as duas. Então, ambas pararam de conversar e começaram a rir sem parar. — É tão engraçado assim?

Ah, para de ser chata, Unnie. Todo mundo sabe que você também acha isso divertido.

— Como assim? Eu só acho isso meio problemático. Se vocês continuarem…

— É porque você não tem coração. Falando nisso, gerente Yoo, ele não foi a segunda pessoa que te chamou pra sair hoje?

— Foram dez semana passada. Capaz da gente ter um novo recorde!

Ao ouvir aqueles comentários, a única coisa que conseguiu fazer foi soltar um suspiro. A verdade é que fora abençoada com muita beleza, então vários homens se aproximavam e a chamavam para sair. Como isso acontecia quase todo dia, as três meninas que estavam trabalhando em meio período começaram a dar pontos para os galanteadores que a abordavam.

Uma ficava encarregada de avaliar o corpo, a outra o rosto e a última com estilo. Além disso, tinham estabelecido que a melhor pontuação possível seria de 30. Lógico, Yoo Seonhwa já tinha pedido para que parassem, mas elas usavam a brincadeira como argumento, alegando que, para ela aceitar o convite de alguém, essa pessoa deveria ganhar, no mínimo 24 pontos. Dos vários homens que já tentaram a sorte, 25 foi a maior pontuação atribuída até o momento.

De qualquer forma, queria que essa brincadeira acabasse. Afinal, não importa o quão cuidadosas elas fossem, uma hora ou outra a brincadeira iria vazar e algum cliente iria ouvi-la, o que poderia causar problemas.

— Olha! Acho que o terceiro candidato tá chegando!

— Onde, onde?

— Lá fora. Olha ali ele. Acho que esse cara tá parado em pé do lado de fora tem mais de uma hora.

— É verdade. Será que a gente deve tentar dar uma olhada?

Ao ver as três se juntarem para comentar sobre o terceiro pretendente, decidiu ignorá-las. O dono da cafeteria as chamava de “as três linguarudas” e, naquele momento, conseguiu entender bem o motivo.

Quando uma delas decidiu analisar melhor o jovem parado do lado de fora, a sua expressão mudou. Ele era alto, com os bíceps e o peitoral bem definido. Tinha o tipo corporal que ela mais gostava — forte, mas nada exagerado.

— Uiiiii. A bunda dele é maravilhosa! Corpo, dez pontos.

Então, virou-se para uma outra que estava coçando o queixo. Até o momento, ela tinha demonstrado ter parâmetros bem altos, já que nunca tinha dado a nota nove, muito menos dez. Por esse motivo, era a encarregada de julgar o rosto.

Hmmm, ele é bonitinho. Oito pontos.

— Sabia!

— Sabia o quê?

— Sabia que você gosta de caras com uma aparência mais delicada.

— Como assim? A cara dele não é máscula o suficiente?

— Bem, tô achando que talvez a gente possa ter o nosso recordista. E o estilo? — perguntou, com um sorriso no rosto.

— Dez pontos… Não, nove. Os tênis não tão combinando muito.

— Sério? Eu entendo ela ser chata — falou, apontando para a amiga. — Mas o que houve com você?

— Sabe a camisa que ele tá usando? Só ela deve custar uns cem mil. 

Hihiiiiiiii. — As três riram juntas.

— Mas espera um pouco, você mesma não disse que odiava roupas de marca?

— Não, depende de como você as veste, tá bom? Comprar a roupa mais cara do mundo pra se mostrar é diferente de comprar pra poder usar ela combinando com o resto do seu look.

— S-sério? E ele faz isso?

— Ou ele tem algum estilista, ou ele sabe muito de como andar na moda. Mesmo parecendo simples, esse cara não me engana, o desgraçado tem um estilo muito bom.

— Vamos ver, então. 10 pontos, 8 e 9… — Com cuidado, começaram a juntar as três notas. — 27 pontos! Temos um novo recorde! — Todas bateram palmas e se viraram para a chefe, que estava concentrada no trabalho.

— Unni! 27 pontos! Finalmente um cara que vai derreter esse seu coração de gelo!

— Gente… — falou, com uma voz um pouco mais pesada. Havia um limite para que pudesse continuar em silêncio e as ignorando, mas, naquele momento, tomou a decisão de ensinar uma lição inesquecível para elas. — Eu falei pra vocês pararem, não falei? Como ele se sentiria se ouvisse vocês e essa… — Não conseguiu terminar a frase, pois ficou paralisada no momento em que olhou para quem estava do lado de fora da cafeteria.

— Chefe, o que houve?

— E-eu já volto. — Tinham falado de um cara que poderia derreter o seu coração de gelo, mas nunca imaginaria que a pessoa a qual se referiam era alguém que já tinha feito isso antes.

Tirou o chapéu que vestia, pegou a bolsa e começou a tentar sair correndo de trás do balcão.

 

***

 

A porta se abriu mais uma vez.

Seol Jihu respirou fundo e decidiu parar de ficar enrolando. Yoo Seonhwa, que ainda vestia o uniforme do trabalho, estava parada logo à frente.

— Você até decidiu vir para o meu trabalho.

— Seonhwa — disse, congelado com o olhar ameaçador que era dirigido para ele.

— Me segue. Não quero arranjar uma confusão aqui — falou, sem esperar a resposta dele e já caminhando em direção à rua de trás.

Ao chegarem no destino, ela parou de andar e passou a encará-lo sem dizer nada. Não conseguindo retribuir o olhar, abaixou a cabeça, indicando que reconhecia os próprios erros. Apesar de estarem a apenas seis ou setes passos um do outro, a distância entre ambos pareceu nunca ser tão grande.

— Primeiro, pega isso. — Ela foi quem quebrou o silêncio, lhe entregando o celular e o cartão do banco.

— O-obrigado. Tinha me esquecido deles…

— Esqueceu? Não, você só tava tentando criar uma desculpa pra si mesmo. Tentou bancar o esperto porque eu disse que chamaria a polícia.

— Não, é sério. Eu esqueci mesmo.

— Tá bom. O que você quer? — A voz dela permanecia fria. — Você largou os dois milhões de won naquela noite.

— S-sim.

— E agora que pensou melhor, quer o dinheiro, é isso? E então? Quer que eu te entregue o dinheiro?

— N-não. Não é isso. É que…

— Tá bom. Eu te dou o dinheiro, mas depois quero que você… — Com raiva, puxou os dois milhões da bolsa. Parecia que tinha guardado o dinheiro contando com a possibilidade que ele aparecesse pedindo-o de volta.

— Pega e vai embora agora. Preciso voltar ao trabalho. — Aquela voz estava repleta de um ressentimento que a estava remoendo há muito tempo. E pensar que um dia ela já foi tão amável e gentil… — É a última vez que eu te deixo sair, então nem tenta vir atrás de mim de novo. — Parecia que o sentimento de desprezo que ela sentia tinha evoluído para o de ódio.

“Calma, calma…”

— M-me desculpa por vir atrás de você durante o trabalho… — falou, depois de muito esforço.

Hmm.

— Tem uma coisa q-que eu queria te dizer, m-mas se não for hoje, tenho medo de n-não conseguir falar. E-então, é… — Começou a morder os lábios. Queria confessar muitas coisas, mas não conseguia organizar a bagunça de pensamentos que se formou ao vê-la

Devagar. Precisa ir devagar. Era a última oportunidade que tinha. Diferente da situação com a família, precisava resolver as coisas com Yoo Seonhwa naquele dia. Respirou fundo e, aos poucos, conseguiu se acalmar.

— Eu sei que você tá ocupada com o trabalho, mas a gente pode conversar? Dez minutos, cinco, não, três minutos já seria ótimo.

Após alguns segundos de silêncio, ela recuou a mão que segurava o dinheiro. Com isso, criou coragem e levantou o olhar. Porém, acabou encontrando uma feição ainda fria e impassível.

— Quer conversar?

— Sim…

— Quantas vezes eu já te falei? Se quiser falar comigo, é só ir naquele cassino e pedir pra te banirem pra sempre! Depois disso eu penso direito.

— E-eu já pedi — respondeu com rapidez.

— Como é que é?

— Eu já pedi pra eles nunca mais me deixarem entrar lá. Fiz isso hoje de manhã.

Hah… — Ela suspirou e começou a encarar o céu. Então, fechou os olhos e estalou a língua, dando a impressão de que estava lidando com um caso perdido. Mesmo que não dissesse em voz alta “Você tá mentindo, não tá?” Seol Jihu ainda podia escutar essas palavras.

— É verdade. Por favor, acredite em mim.

Yoo Seonhwa mordeu os lábios ao ouvir a súplica. Em seguida, puxou o celular e o ligou.

— Alô? É do escritório da Seorak? Ah, oi. Eu tô ligando pra te pedir um favor. Tem como você me confirmar se um cara pediu pra ser banido daí? O nome dele é Seol Jihu…

Ao vê-la telefonar para lá, uma sensação amarga cresceu dentro de si. O quanto ele os tinha feito sofrer para que tanto a sua ex-namorada, quanto a sua família decorassem o número daquele lugar?

— Ele tá na lista? Hoje, ele mesmo…? — Depois de um tempo apenas ouvindo, ela agradeceu: — Entendi. O-obrigada. — Desligou e começou a encará-lo com um olhar desconfiado. — Do que você quer falar? — perguntou, com uma voz um pouco mais calma.

Era a última chance que teria. Reuniu toda a sua coragem e começou.

— Me desculpa! — disse, com convicção, se curvando na frente dela e passando a encarar o concreto.

— Oi?

— Me desculpa mesmo. — A mão esquerda apertou o envelope com o dinheiro com a inada mais força. — E-eu sei que fui um filho da puta, m-mas mesmo assim, e-eu quero pedir o seu perdão.

Silêncio.

— Eu menti tanto pra você, te desapontei, fiz a sua vida um inferno. Te machuquei com as merdas que dizia. E-eu só queria me desculpar. — À medida que falava, lágrimas se formavam no canto dos olhos. Com força, semicerrou os dentes e resistiu ao impulso de começar a chorar. — Me desculpa…

Ambos ficaram em silêncio por alguns segundos. O seu pedido de perdão não podia ser normal, incluindo apenas uma simples reverência e a palavra “desculpa”. Precisava fazer algo que a convencesse de que estava realmente arrependido.

— Eu sonhava com esse dia. — Uma voz suave, mas ao mesmo tempo forte ressoou. — É claro que eu também pude refletir bastante sobre o assunto, e acho que tenho culpa por ter te deixado chegar nesse estado. Eu não devia ter te emprestado o dinheiro daquela última vez. Devia ter escutado os seus pais.

Seol Jihu esqueceu o que queria dizer.

— E-eu acreditava que, algum dia, você voltaria ao normal, então te esperei… Não, talvez essa seja eu criando mais desculpas.

Mordia a própria língua à medida que ela continuava falando com aquele tom calmo. Gostaria de gritar e dizer que ele era o único culpado. Caso Yoo Seonhwa tivesse agido como Jinhee, talvez ele pudesse suportar melhor. Porém, escutar aquelas palavras, proferidas com tanta tranquilidade o fazia ficar ainda mais confuso.

— Essas coisas que você disse são mesmo verdade? — perguntou, ainda com um tom impassível. 

— S-Sim.

— Você veio mesmo aqui pra se desculpar comigo?

Concorda, concorda.

— Certo — falou, caminhando na direção em que ele estava e estendendo a mão. — Então pegue.

— S-Seonhwa… — No momento em que ela pressionou o bolo de notas contra ele, Seol Jihu pôde conhecer o que era o sentimento de desprezo.

— Se você estiver mesmo sendo honesto, por favor, pegue.

As emoções refletidas naqueles olhos eram complicadas, mas a razão daquela insistência parecia ser clara: cortar a última conexão que compartilhavam.

— Se você pensou mesmo assim, me demonstro com ações, não só palavras. — O significado daquelas palavras mudaram de um “Por favor, pegue e desapareça” para um “Por favor, não dificulte as coisas.”

Foi então que percebeu o enorme e incurável abismo emocional que existia entre os dois.

Começou a tremer à medida que o momento final se aproximava. Não podia aceitar aquele dinheiro, caso contrário não teriam mais conexões. Mas eles ainda tinham conexões? Sabia a resposta, só não conseguia aceitar o pedido que lhe foi feito.

— Obrigada por ter sido banido. Tenho certeza que os seus pais vão ficar felizes com isso. O mesmo vale pro Wooseok Oppa e para Jinhee… — disse, enfiando o maço de dinheiro no bolso do ex-namorado. — E-eu tô tão cansada. Um pouco irritada, é verdade, mas sendo sincera, não acho que posso te perdoar agora — completou, passando a olhar para o chão, assim como ele fazia desde o início da conversa.

“Segura pra não chorar…”

— Se você tiver mesmo mudado, e-então eu quero te encorajar. Trabalhe duro e viva bem, parecendo que você quer me mostrar todo o progresso que fez. Quem sabe assim, um dia, a gente não volte a conseguir falar um do outro com sorrisos no rosto?

Um dia…

Porém, sabia que aquelas palavras significavam que eles não poderiam tentar uma nova relação. Após muito tempo de silêncio, criou coragem para responder.

— Você tá certa. — Se forçou a levantar a cabeça, mesmo que os olhos continuassem fixos no chão. — Obrigado por acreditar em mim.

Como sempre, Yoo Seonhwa era uma pessoa gentil. Ela havia o tratado com mais calma do que os seus familiares. Era difícil para ela conseguir acreditar nele mais uma vez depois de tantas mentiras. No entanto, ela acreditou. Não apenas isso, também demonstrou muita consideração ao não xingá-lo. Contudo, ele sabia…

— Eu entendo o significado desses 2 milhões. Vou levar. Sei o que você quer dizer. — Deu um longo suspiro e agarrou o dinheiro que ela o deu. Contudo, ainda precisava devolver o resto. — M-mas, por favor, pelo menos pegue isso aqui. — Estendeu o braço esquerdo e revelou um envelope nas mãos.

— Hã? O que é isso? — Ficou confusa, mas ao verificar o conteúdo do embrulho, a confusão ganhou a sua mente, fazendo com que desse um passo para trás.

Naquele momento, parecia que iria recusar o dinheiro, da mesma forma que os irmãos fizeram. No entanto, ele segurou a mão dela e colocou o envelope ali, forçando-a a aceitar.

— E-eu tenho que ir. — Apesar de tudo, saía satisfeito por poder ter tocado aquela mão tão macia mais uma vez. Fez o melhor que pôde para forçar um sorriso e começou a andar enquanto Yoo Seonhwa ainda não acreditava no que estava acontecendo.

— M-mas como?

— A gente não vai mais se ver. E-então, por favor, se cuida. — Virou-se e começou a correr pela rua. Corria o mais rápido que as emoções que sentia permitiam. — Ah.

Tudo pareceu acontecer tão rápido. Se recobrou do estado de choque e foi verificar mais uma vez o conteúdo do envelope, que estava cheio de notas com a imagem de Shin Saimdang. Mais uma vez, ficou chocada.

— E-ele… Não, espera. Como…? — Confusa, pegou o celular. — Wooseok Oppa? Sim, sim. Por algum motivo… Ele foi? Quando? — A voz ficava cada vez mais alta. — 55 milhões de Won?!

— Sim. E não foi só isso, ele trouxe o carro da Jinhee de volta e comprou um notebook novo pra ela. Só que isso não faz sentido, como ele conseguiu tanto dinheiro?

— Eu não sei. Ele me garantiu que não era apostando…

— Mas…

— Sim, eu sei. Lembra do dia que ele foi pedir dinheiro emprestado pra você? Eu liguei pra Seorak pra confirmar e eles me disseram que o último dia que ele foi lá foi na quinta feira, dia 16 de Março. Então ele não conseguiu esse dinheiro apostando mesmo…

— Q-quando foi?

— 16 de Março. De qualquer forma, ele disse que o dinheiro era honesto, mas que tava ocupado e precisava ir. Acho que ele foi te ver…

16 de Março.

“Impossível.”

Yoo Seonhwa não estava mais escutando o que Seol Wooseok falava.

— N-não, esperava. Não pode ser…

O envelope caiu no chão e o dinheiro se espalhou, mas ela nem pensou em pegá-lo e saiu correndo pelas ruas.

— Jihu! — Olhou em volta e gritou desesperada. — Seol Jihu!

Infelizmente, Seol Jihu não estava mais ali.



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