O Retorno da Gula Coreana

Tradução: Teverrr

Revisão: Melo


Volume 1

Capítulo 34: O Mandamento Dourado

Depois de entrar no time da Odelette Delphine, a vida de Seol tornou-se mais estável. Na verdade, era melhor dizer que tudo estava no caminho certo. Conseguiu pagar as dívidas em apenas dois dias. Completando a missão da “Emboscada” uma vez deu 1667 PS, como a concluiu dez vezes, ficou com mais de 15000 pontos, valor suficiente para quitar a dívida. E ainda sobraram cinco pergaminhos “Muito Diíceis”.

O próximo objetivo que tentaram era chamado de “Chegue ao destino pelo silêncio”. O bônus por completá-lo era de 20000. Concluindo-o uma vez o deu 3334 pontos. Portanto, agora que o débito tinha sido pago, pôde se divertir mais nas batalhas que iniciavam, pois não tinha mais a preocupação financeira.

Ao mesmo tempo, a recuperação de Yun Seora estava indo muito bem. Como Maria disse antes, ela só precisaria de comer e descansar, porque estava no dormitório de Seol. Logo, os status físicos também retornariam ao normal em pouco tempo. A única coisa que não conseguiu deixar de notar era o visível desconforto da sua convidada.

Certa vez, retornou ao quarto e o encontrou perfeitamente arrumado. As prateleiras estavam todas organizadas, os espelhos límpidos e o banheiro brilhando. Analisou o entorno e a viu suando muito enquanto estava de quatro limpando o chão. Claro, ficou muito chocado com aquela imagem. Afinal, não entendia o motivo de todo aquele esforço de alguém que deveria estar descansando para se recuperar.

Saiu correndo atrás dela, pegou o rodo e perguntou o que ela estava fazendo. A resposta que obteve foi silêncio e um olhar cabisbaixo.

Em outra ocasião, quando chegou nos seus aposentos, ela não estava lá. Em cima da cama, encontrou quatro pedaços de papel dobrados. Eram cartas que Yun Seora havia escrito agradecendo por toda a hospitalidade e se desculpando por todos os problemas que causou. O conteúdo era tão profundo e dramático que quase chorou quando leu, em especial no trecho “a dívida é minha e só minha, então devo resolver o problema sozinha”, que pareceu muito obstinado e sombrio.

Na ocasião, pensou que ela não faria aquilo, mas quando foi para fora e a viu caminhando na direção de Hao Win no primeiro piso sentiu muito medo. Assim, teve de buscá-la e suportar toda a resistência que ela apresentou quando foi carregada de volta.

Porém, isso não era tudo. Também tinha que lidar com os irmãos Yi. Seol os encontrou em volta do quadro de avisos tentando escolher uma missão para eles mesmos pagarem a dívida. Logo, teve que levá-los de volta para o dormitório à força.

“Não dá pra continuar assim.”

Percebendo que as condições da hóspede já eram bem melhores, decidiu avançar no plano. Tinha que fazer isso. Ele apenas disse que gostaria de conversar com os três, mas mesmo assim Yi Seol-Ah e Yi Sungjin ficaram ajoelhados pedindo desculpas. Yun Seora, depois de analisar bem a situação, também se ajoelhou.

Pediu para que se levantassem, mas eles não deram atenção. Julgando pelo modo que encaravam o chão, já deviam saber o motivo daquela reunião.

— O que é que vocês estavam pensando? — perguntou após soltar um grunhido.

— M-mas…

— Mas?

— Aquele cara, Hao Win…

— Eu já te falei que ele é uma boa pessoa. Ele é amigável e… Não, quer saber? Vamos ouvir. O que tem o senhor Hao Win? Ele fez alguma coisa pra você?

— E-eu e-escutei… — murmurou Yi Seol-Ah.

— Certo, o que você ouviu?

— Que e-ele é um chefe dos Triads de Hong Kong. A maior máfia chinesa.

Se tivesse que contar a sua mais nova descoberta sobre si mesmo, seria que ele tinha desenvolvido o hábito de olhar para o teto quando alguma coisa o desanimava ou o deixava perplexo. Então olhou para o teto enquanto colocava um cigarro na boca.

— Sim. Ele é o chefe dos Triads. Isso mesmo.

Entendia mais ou menos aonde ela queria chegar. Também teve preconceitos sobre as afiliações de Agnes e Hao Win. É provável que eles sejam pessoas assustadoras. Porém, julgando pelo que sabia, aquele homem era alguém simpático e extrovertido.

— Tá bom. E se ele for?

— H-Hyung, nós…

— Eu sei. Eu sei que você quer ajudar de alguma forma, mas tá tudo bem. Aliás, o que você tava pensando olhando pro quadro de avisos daquele jeito? Não sabia que todas as missões “Moderadamente Fáceis” já acabaram? — Não responderam. Não iriam falar nada nem se tivessem dez bocas. — É por causa da sua dívida? Eu já cuidei disso. Melhor, eu já tô juntando pontos. O motivo de eu continuar fazendo missões com eles é porque eu preciso de ajuda. Eu nunca conseguiria completar as missões “Muito Difíceis” sozinho.

— Mas…

— Se você quiser mesmo ajudar, fique mais forte. Ainda não perceberam que fazer o que querem é a mesma coisa que dificultar tudo pra mim? — Deu uma pausa, mas logo continuou. — Vocês não tem armadura e nem arma. As suas classes não têm uma demanda alta. Vocês não tem nada, mas mesmo assim querem completar missões? Acham que as “Normais” são tranquilas?

— D-desculpa… — Yi Seol-Ah sussurrou um pedido de perdão. Era a primeira vez que via o Orabeo-nim tão bravo com eles. Ao invés de se sentir infeliz com a bronca, ficou apenas arrependida. Sabia que a preocupação dele era porque se importava com ela e com o irmão.

Percebendo aqueles olhares cabisbaixos, Seol se acalmou um pouco. Em outras ocasiões, eles iriam chorar dizendo que estavam fazendo tudo para demonstrarem toda a gratidão que sentiam.

— Escutem. Eu peguei emprestado 15000 pontos no total. Era o que eu precisava pra comprar equipamento e completar as missões “Muito Difíceis” com o resto do time. Ou seja, o senhor Hao Win também me ajudou.

— Sim…

— Então o que vai acontecer é o seguinte: vou emprestar os meus pontos pra vocês e treiná-los.

— C-como assim?

— Eu falei pra vocês ficarem mais fortes. — Se quisessem ajudá-lo, precisariam ficar mais fortes. Em outras palavras, estava dizendo que eles eram muito fracos. — Tem noção de que estão muito atrás de todos os outros, né? 

Os três balançaram a cabeça concordando.

— Mas não precisam ficar tristes. Dependendo do que fizeram com o tempo que a gente ainda tem aqui, vocês podem até superar todo o mundo.

— M-mesmo?

— Só se fizerem o que eu mandar.

Não era mentira. Era inegável que Yun Seora e os irmãos Yi estavam muito atrás. Não mudaram nada nem mesmo depois de terem as suas classes designadas. Na verdade, eles não tinham pontos o suficiente, então não podiam comprar nada, incluindo habilidades.

No entanto, Seol encarou aquilo como uma vantagem. Uma vez, Agnes disse que “Não recomendava a compra de Aplicações da loja”. Havia um antigo ditado que dizia que uma situação perigosa podia se tornar uma oportunidade.

— Todos vocês sabem dos efeitos deste quarto, certo?

— Sim, é um quarto dado só para o primeiro lugar…

— Isso. Toma. — Colocou três frascos na frente deles. Os olhos de Yi Seol-Ah se arregalaram no mesmo segundo.

Eram três poções de Competência. As melhores disponíveis nas lojas comuns. Não tão boas quanto a da loja VIP, mas mesmo assim aumentavam o efeito do treinamento em quatro vezes.

— Não vai ser fácil — falou, com uma voz insegura. — Vocês terão que treinar muito. Óbvio que eu vou ajudar, mas assim que começarem, vai ser osso. O mesmo vale pra você, senhorita Seora. — Admitiu, passando a olhar para ela, que já estava tentando abrir um dos frascos.

— Vai mesmo dar certo? — perguntou, parecendo muito mais determinada do que antes.

— Eu percebi uma coisa depois que entrei pra um grupo… — Seol mudou de assunto. — Dá pra encontrar um pessoal muito interessante na Zona Neutra. Senhor Tong Chai, Leorda Salvatore, Odelette Delphine, Hao Win. Aliás, ele veio pra cá depois de se preparar por anos na Terra. Por outro lado, você, senhorita Yun Seora, não fez nada nos últimos dois meses enquanto esse pessoal se esforçava ao máximo pra ficarem mais fortes.

Se era pra convencê-la a continuar, teria que fazer isso direito.

— Sério… — A voz dela era bem baixa. — Eu não tenho a menor confiança de conseguir ficar no mesmo nível deles agora. 

“Mesmo que seja tarde demais, eu quero tentar.”

Um desejo simples. Mas era tudo que ele queria.

Sem hesitar, ela bebeu a poção e os dois irmãos fizeram o mesmo.

— Você agora é uma das atletas que usa doping. Sabe disso, né?

— P-por favor, não diga isso… — disse Yi Seol-Ah um pouco corada após ouvir aquela declaração.

Levantou-se. Os efeitos da Competência durariam apenas 12 horas. Um segundo era um tempo que não podiam desperdiçar. Ativou o “Nove Olhos” e analisou os status de todos.

— Yi Sungjin, você precisa melhorar o seu nível físico. Vai no primeiro andar e procurar a missão “Corrida” no meio das de dificuldade “Básica”. Quero ver você treinando até cair no chão.

— A-até eu cair no chão?!

— Sim. No mínimo. A gente não tá com muito tempo. Quando acabar, vá até a academia no terceiro andar.

— Pode deixar! — Logo após ouvir todas as instruções, saiu correndo do quarto.

Por fim, Seol levou as outras duas e foi procurar uma certa empregada.

— Treinar, né? — Agnes balançou um pouco a cabeça. — Hmm. Vocês ainda vão estar atrás de todo mundo mesmo se começarem a fazer as missões agora…

— Elas ainda não compraram nenhuma habilidade das lojas. Acho que ainda tem uma chance… — acrescentou Seol.

— Não ter comprado por opção e por não ter dinheiro são coisas diferentes.

— Eu também vou ajudar. Elas vão continuar ficando no meu quarto e vão usar os mesmos itens de recuperação que eu usei.

Hmm…

— Também vou fazê-las beber dois frascos da poção de Competência normal por dia. E eu vou dar os pontos que elas precisam pra comprar equipamento. Ainda acha impossível?

— Se você tá disposto a ajudar tanto assim, a conversa é outra. — Finalmente a empregada demonstrou uma reação positiva.

— Vai ajudar a gente?

— Talvez eu possa, mas… — Ela levantou uma sobrancelha e passou a encarar as duas mulheres. — Já explicou os meus métodos pra elas?

— Claro.

— Nesse caso tudo bem. É um pedido seu, então darei o meu melhor. Mas se desistirem no meio do caminho, eu não vou impedir.

O papel de Agnes na Zona Neutra era a de uma treinadora e instrutora. Se alguém quisesse ser treinado por ela, a empregada não recusaria logo de cara. A questão é que ninguém queria…

Seol pagou pelo uso da academia e ficou observando as três entrando lá juntas. Rezava pelo bem estar delas. Agnes era conhecida como a instrutora demoníaca da Sicília, afinal.

*** 

 

O implacável regime de treinos havia começado.

No primeiro dia, tanto Yi Seol-Ah quanto Yi Sungjin choraram. A empregada bateu nos dois e os forçou a continuar. Até mesmo Yun Seora derramou uma lágrima. No entanto, mesmo que aquele olhar marejado pudesse ter alguma relação com o treino, ele estava mais relacionado com a felicidade que sentia. Era difícil, mas ela gostava. Parecia que, depois de muito tempo, estava fazendo algo significativo.

Como já tinha estado no fundo do poço, se sentia muito feliz. Era como se estivesse vivendo um sonho. E, portanto, esses dias começaram a mudá-la pouco a pouco.

O temperamento “Fria e Calculista” foi criado.

Ela recuperou a personalidade perdida e…

O temperamento "Desprezível" foi removido.

O desejo de desistir também desapareceu. E...

O temperamento “Indiferente” foi removido.

Ela desenvolveu o interesse em alguém.

Naquela noite, enquanto todos estavam dormindo, Yun Seora estava deitada na cama com os olhos ainda bastante despertos. Mesmo que estivesse muito cansada, não conseguia dormir. Como um hábito, ela começou a encarar um certo alguém. Era o jovem que dormia no chão quase sem emitir barulho algum.

Era o cara que nunca esquecia de lhe dar a poção de Competência durante a manhã e à tarde.

Era o cara que trouxe alguns itens e disse que eles a ajudariam a se recuperar.

Era o cara que nunca esquecia de encorajá-la, dizendo que iriam fazer as missões juntos assim que ela terminasse o treinamento.

Mesmo que não entendesse o motivo dele sugerir que ela falasse “ursinho de pelúcia” para Agnes às vezes, ele era…

“Alguém que sou grata.”

Graças àquela generosidade, ela conseguiu descansar no seu quarto, onde um curto período de pausa já era o suficiente para curá-la de toda fadiga que sentia.

Não precisava se preocupar em passar fome também, já que agora sempre podia comer pratos deliciosos.

Em determinado momento, começou a aceitar aqueles gestos de boa vontade. A sensação de desconforto, com o tempo, desapareceu e, ao mesmo tempo, o sentimento de gratidão apenas crescia.

Porém…

“Por que ele está nos ajudando?”

Essa era a última pergunta que tinha. Era porque ele sentia pena? Ou porque se simpatizava?

Ou será que…

“Porque ele está interessado em mim…?”

Foi então que uma sensação de timidez a atacou. Não importa o quanto tentasse, aquilo ainda não fazia sentido. Começou a mordiscar o seu lábio inferior enquanto balançava a cabeça pensando “Eu não sei mais!”.

“Seol-nim…”

Mais uma vez, ela começou a encará-lo. Manter os olhos fixos podia parecer chato para muitos, mas ela nunca havia ficado entediada de olhar para ele. Em determinado momento, próximo do amanhecer, ela conseguiu fechar os olhos, mas a sua consciência ainda não queria deixá-la dormir.

Não, não era bem isso.

Na realidade, estava com medo de dormir.

Estava com medo de acordar de volta no quinto andar.

Estava com medo de acordar e encontrar aqueles três estranhos.

Quando aquilo acontecia, tentava se lembrar de um momento específico daquele dia.

— Você tá bem?

Se lembrava da mão de Seol se estendendo em sua direção. Uma memória curta, mas muito vívida.

Quando se concentrava nesse momento, antes de perceber, caía no sono. Normalmente era o que acontecia.

“Merda…”

Por alguma razão, naquela noite, não conseguia adormecer de jeito nenhum. Virava de um lado para o outro na cama, mas nada dava certo. Depois de muita insistência, decidiu se levantar.

Com muito cuidado, se esforçou ao máximo para não acordar os outros. Logo, ao caminhar em direção à saída, parou e ficou encarando o adormecido Seol. Um brilho estranho saiu dos seus olhos à medida que descia o olhar.

“A mão dele.”

Quando viu aquela mão direita, Yun Seora ficou hipnotizada. Abaixou-se para poder analisá-la até que encostou o próprio nariz nela.

Sniff.

Um pequeno barulho foi feito logo que ela o cheirou.

Sniff, sniff.

Percebeu que não devia estar fazendo aquilo, mas, assim como um viciado, não podia parar.

Para ela, que apenas conseguia dormir lembrando dos eventos daquela noite, essa era uma tentação que não podia resistir.

“É bom. Tão bom…”

Como o jovem não dava sinais de acordar, decidiu continuar.

Colocou a cabeça na palma da mão dele e começou a movê-la.

“Tão quentinho…”

Com a sensação de conforto e segurança que ele passava, logo Yun Seora sentiu os olhos ficando mais pesados. Não muito tempo depois, começou a respirar em um calmo e doce padrão.

Naquela noite…

Seol teve um sonho.

***

 

“Um sonho?”

“Será que esse é um daqueles sonhos lúcidos?” pensou enquanto analisava o seu redor.

Pôde ver uma pequena colina revestida em um tom esverdeado com vários animais em cima. Havia um urso, bem no topo se deliciando com a briza, um esquilo caminhando pelos galhos de uma árvore, um veado bebendo água de um riacho… 

No entanto, um animal atraía mais a sua atenção.

Era um porco,um filhote.

“É muito pequeno.”

Percebeu que ele estava dormindo. Com cuidado, aproximou-se um pouco mais.

Zzzzzzzzzzzz

Estava admirado com a fragilidade do animal. Não se aguentando mais, decidiu cutucá-lo com cuidado.

Os olhos do porco se abriram e ele recuou para poder encarar Seol de volta.

Oinc?

“QUE BONITINHO!”

Quando o Marca de Ouro se sentou no chão, o animal começou a andar para trás, com medo.

Não, não, não, vem cá. Não vou te machucar.”

Estendeu a mão direita e o pequenino porco parou e passou a analisá-lo.

“Vem cá…”

O animal hesitou, mas logo se aproximou.

Muito bom, muito bom.”

O animal tocou a sua mão com o nariz. Em troca, ele o acariciou.

Será que eu fico com ele?”

Logo após esse pensamento, percebeu que algo tinha mudado.

“Dourado?”

O filhote agora estava todo dourado.

Oinc!

Enquanto emanava aquela cor, o porco levantou uma das patas como se estivesse pedindo um abraço.

Seol o levantou e o abraçou. O animal continuou dócil, não conseguindo esconder a felicidade.

“É meu.”

Sorriu e abraçou o porco com ainda mais carinho.

“Você vai ficar comigo pra sempre.” 



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