Volume 1

Capítulo 8: Início da Guerra

Milhares de pisadas sobre a terra a faziam bramir em leves estrondos. O exército de Acácias marchava a guerra com suas caravanas puxadas por cavalos.

Grande poeira havia sido levantada. Os soldados estavam todos trajados de suas armaduras prateadas. Alguns traziam consigo escudos, outros, um conjunto de flechas e arcos. Palavras eram jogadas ao vento pelos soldados que se assentavam sobre as madeiras das caravanas. Fazia sol intenso, tempo propício para a invasão de um reino.

— Ei, será que vai dar certo? Essa invasão...

— O que foi, Rael? Não me diga que está com medo logo agora!

— Claro que não, Marco! — disse Rael, voltando seus olhos a lâmina da espada que refletia seu rosto inseguro. — É só que... É a primeira vez.

— Para tudo a uma primeira vez! — Marco, que estava ao seu lado, bateu na dele ombreira, causando um leve som quando sua manopla entrou em contato.

Ao passo que, Helena estava sobre um cavalo acastanhado. Ao seu lado caminhava o vice-capitão em seu cavalo negro. Seus cavalos andavam lado a lado, num mesmo ritmo.

O cabelo dourado de Helena, como sempre, estava preso por uma presilha prateada. Ela tinha um olhar tão afiado quanto o de uma águia. Observava com precisão o caminho ao qual tinha que percorrer, era um deserto. Faltava muito para que chegassem a Aclasia.

Por outro lado, o vice-capitão Léo, tinha seus olhos castanhos direcionados a Helena. Apreciava sua beleza incomparável. Ele estava quase que hipnotizado.

Percebendo isso, Helena estalou seus dedos, o olhando seriamente.

— Não é hora de se distrair. Para onde olha?

Hã? Digo! Não! Eu não estou distraído! — Léo sacudiu as rédeas do seu cavalo num movimento brusco por estar constrangido.

Seu cavalo relinchou.

Helena apontou para uma árvore seca bem a frente do vice-capitão.

— A árvore.

Léo olhou para frente e comandou as rédeas do seu cavalo para se desviar da árvore seca que havia cruzado seu caminho.

Ah, sim. Consigo ver o quão atento você está.

— Eu estava pensando na guerra. Em como seria a primeira vez... — Não era verdade, no entanto, era a desculpa mais credível que ele poderia dar a Helena.

— Está com medo?

— É claro que não. Eu sou o vice-capitão, Helena! Por favor! — sorriu, confiante.

— Esse é o espírito!

— Helena...

Seus olhos se encontraram novamente.

— Sim?

— E em caso do meu oponente implorar por misericórdia. Eu tenho direito de concedê-la, não é?

— Não há misericórdia numa guerra. No entanto, acho mais viável você o deixar imobilizado primeiro. Depois conceder misericórdia — disse Helena. Na guerra, não havia espaço para misericórdia, todos eram inimigos. Ainda que o inimigo implorasse por piedade, não se sabia se ele estava ludibriando, ou não. Então, muitos, mesmo tendo um coração bondoso, ceifavam vidas de seus adversários.

— Certo.

— Vamos parar! — Helena parou seu cavalo. Eles estavam próximos a uma montanha de pedregulhos. Ao som da voz de Helena, as caravanas e os demais cavalos pararam. Os soldados desceram delas e se sentaram no chão.

Helena então desceu do seu cavalo junto do seu vice-capitão.

— Eu sei que vai ser a milésima vez que eu repito essas coisas, mas é para que tudo corra bem — disse Helena, olhando para  seus soldados tão numerosos que pareciam formigas. Eles assentiram, não se importando com quantas vezes a princesa repetisse.

— Não se incomode, capitã!

— Muito bem. Primeiro, não devemos ferir os Miorianos e os civis Aclasianos. Somente os soldados! — disse Helena. — Os civis e os Miorianos não tem culpa dessa guerra, isso é coisa do rei e seus soldados. Por isso, não os matem. O nosso objetivo é eliminar o rei e tomar o reino de Aclasia.

— Certo, capitã Helena! — gritaram os soldados.

Com isso compreendido, agora Helena estava prestes a explicar sua estratégia novamente. O primeiro esquadrão selecionado por ela atacará frontalmente, isso porque devido ao aviso que a rainha teria dado, o esperado era que os soldados de Aclasia se aglomerassem na entrada principal. Helena havia pensado que, devido às suas enormes muralhas, eles iam a todo custo manter a guerra do lado de fora, então toda sua frota certamente estaria no portão.

Agora o segundo esquadrão, comandado pelo soldado William, com os seus grandes canhões, será o responsável por bombardear a lateral direita das muralhas para que caíam por terra. Assim que as muralhas caírem por terra, entrará em ação o terceiro grupo, comandado pelo vice-capitão, que invadirá o reino pelos destroços sem ser notado pelos soldados de frente e assim, seguiram atacando a cidade, fazendo prisioneiros enquanto rumam ao palácio de Aclasia.

Ao fim do bombardeamento, o segundo esquadrão tomará consigo suas armas para auxiliar o primeiro esquadrão. Assim que conseguirem eliminar o máximo número de soldados adversários, Helena seguirá junto de alguns soldados ao seu lado, de encontro com o vice-capitão que terá entrado na cidade. O vice-capitão fará uma fumaça para que Helena e seu grupo saibam onde eles estarão.

— Capitã!

Uma voz chamou Helena no meio de sua explicação. Sua atenção logo foi voltada ao soldado que tinha sua mão levantada.

— Sim, Rael?

— Desculpa pela pergunta. Sei que pode parecer meio impertinente. Mas e se o plano falhar, o que faremos? — A pergunta feita por Rael foi motivo de alvoroço. Os soldados voltaram todos os seus olhos ao Rael com um semblante de indignação.

"Rael, como ousa duvidar do plano da capitã?!"

"Deixa de ser pessimista, rapaz!"

"Quem recrutou esse medroso mesmo?"

"Que pergunta, Rael!"

No meio daquele todo falatório, Rael se encolheu em seus braços. Ele, de longe, era o solado mais medroso e mesmo assim, aceitou vir a guerra. Helena elogiou sua coragem, apesar de seu medo.

— Calmem, meus soldados — disse Helena, acalmando os ânimos dos soldados inquietados. — A dúvida do Rael é justa. Numa guerra temos que ter em conta a possibilidade de haver falhas e erros. O plano pode falhar, sim, porque não depende somente de nós. O inimigo precisa colaborar também.

Helena estava mais que certa. Se o inimigo não agisse como o planejado, o plano logo falharia. Todo tipo de estratégia é baseada em uma reação hipotética que o oponente poderá ter caso o estrategista aja de tal maneira. Segue o princípio de ação e reação, ou seja, a cada ação que os soldados fizerem, haverá uma reação. No entanto, não se sabe se a reação será a desejada. É nesse ponto onde muitos planos são frustrados, por lerem errado a mente do inimigo.

— Em caso do plano falhar, teremos que improvisar com base nas circunstâncias — disse Helena. E ela não queria chegar ao ponto de improvisação, pois isso significaria que a derrota poderia estar mais próxima do que se poderia imaginar. Ainda mais quando se ataca a base inimiga, um terreno onde o inimigo tem domínio.

— Eu espero que não cheguemos a esse ponto. Pelos menos na guerra em que participei, não precisei improvisar.

— Foi mal, Rael. Afinal de contas, as suas dúvidas estavam certas. — Os soldados foram se desculpando um por um com o Rael, soldado medroso. Ele não estava ali porque queria, mas a falta de um emprego menos arriscado em que pudesse ganhar um bom dinheiro para sustentar sua família o colocou ali.

— Bom, soldados. Bebam bastante água e comam muito, porque a próxima paragem será na guerra — disse Helena, descendo do pedregulho ao qual havia subido. Sacolas de pães foram distribuídas entre os soldados, e vasilhas de águas também. Os soldados comiam e bebiam enquanto tinham tempo, pois em campo de batalha não haveria espaço para suprir sua fome.

Sentada num pedregulho ao lado do vice-capitão, Helena trincava pão enquanto bebia água ao mesmo tempo.

— Olha, não é bom comer e beber água ao mesmo tempo — disse Léo, trincando seu pão. Ainda não havia tocado em sua água.

— Como assim? — disse Helena, engolindo o pão esmigalhado entre os seus dentes.

Ah! Minha mãe sempre disse que quando se bebe água e se come ao mesmo tempo, o nosso organismo não absorve direito o nutriente.

Hahahaha! Lá vem você, Léo! Até para comer precisamos fazer cerimônia?!

— Não é cerimônia. É só que...

— É só que você está preocupado demais — cortou Helena, entregando um pouco de água ao Léo. — Relaxa, respira e mantenha o foco.

Ah, Helena... — suspirou Léo, elevando sua jarra de água a boca. — Pronto.

— Melhorou?

— Mais ou menos.

— Vai dar tudo certo. — Helena direcionou o punho ao peito do Léo. — Você é forte. Eu sou forte. Acácias é forte. Vamos sair vitoriosos, assim como nos meus livros os bons sempre saem vitoriosos!

— Certo. — Léo sorriu, aliviado.

Depois daqueles comes e bebes, os soldados retomaram sua marcha sob a liderança da princesa Helena. Estavam com as forças renovadas. Suas barrigas estavam fartas. Agora essa toda energia adquirida seria usada em batalha.

Depois de alguns dias, pela manhã, os soldados estavam nas proximidades do reino de Aclasia. Um soldado havia sido ordenado para ir adiante, observar de perto se havia uma frota de soldados à espera deles e realmente havia. Só que os que estavam na linha de frente eram milhares de pessoas trajadas de vestes esfarrapadas. Alguns com bastões de madeira em suas mãos, outros com pequenas facas. O soldado ficou confuso e voltou para relatar a Helena e seus soldados que se encontravam por detrás de alguns pedregulhos a alguns metros de distância da visão deles.

— O que?! — Helena ficou estupefata com o que o soldado enviado havia lhe relatado. — Como aqueles miseráveis podem ser tão covardes ao ponto de colocar escravos para lutar?! — Cerrou o punho, indignada com a atitude dos Aclasianos. Apenas mostrava o quão baixos eles eram, o quão medíocres e covardes podiam ser.

— Escutem, meus soldados! — Helena bradou de frente aos soldados. — Dada a informação que acabei de receber do soldado Rens. Caso os Miorianos os ataquem e isso coloque a vossa vida em risco, matem sem dó nem piedade! 

Em princípio, os soldados ficaram um pouco confuso, mas Helena os explicou o que o soldado havia falado somente aos seus ouvidos. Os soldados assentiram. Os Aclasianos estavam usando os escravos como isca nessa guerra, sem se importar com suas vidas. Helena sabia que não podia agir com o coração, se não tudo estaria perdido.

A ordem era clara: qualquer um, sendo civil ou não, que demonstre um pingo de hostilidade deveria ser morto!

E então, conforme o planejado por Helena, ela seguiu para linha de frente com o primeiro esquadrão em direção aos soldados e escravos que estavam em frente a muralha principal de Aclasia. Enquanto isso, os restantes esquadrões aguardariam a batalha do primeiro esquadrão começar para que pudessem agir.

A galope, Helena era acompanhada por seus soldados. Uns duzentos para ser exato. Todos portadores de espadas e armaduras prateadas. Poucos eram os que possuíam escudos, o orçamento havia estourado.

Em contrapartida, um homem a cavalo se aproximava do esquadrão de Helena que marchava a pé. Ele trajava uma armadura prateada. Seu cabelo era castanho e seus olhos eram azuis tais como as águas do oceano.

Helena, vendo que ele se aproximava sozinho, sem os temer, fez o mesmo e ordenou aos seus soldados que não atacassem até que ela fizesse o sinal de espada levantada ao alto.

Os cavalos pararam a uma dada distância, nem pequena, nem grande. Uma rajada de vento levantou uma leve poeira entre ambos capitães dos reinos adversários. Uma troca de olhares era travada, a guerra fria havia começado antes mesmo de cruzarem suas espadas.

— O que vem a ser isso? — Helena foi a primeira a falar. Seus olhos estavam bastante afiados, tais como os de águia.

— Isso é o resultado da carta que a sua rainha louca enviou ao nosso reino.

— Covardes! — Helena franziu o cenho. Observar o rosto calmo daquele homem fazia apenas sua raiva aumentar. — Eu vou eliminar um por um da vossa raça!

— Banho de sangue pode ser evitado. Retornem ao seu reino agora, não há motivos para guerra.

— Seu lacaio! — Helena cerrou os punhos. — Como pode falar que não há motivos para guerra. Quer que eu cite os motivos?

— Estou a ouvidos.

Helena se surpreendeu por um momento com aquela calmaria que Melquiore trazia ao rosto. Ele não parecia má pessoa. Ele queria, na verdade, dialogar com palavras e não com a espada.

— E o que isso vai mudar?

— Eu não concordo com essa guerra. Podemos chegar a uma solução. Aquele povo não precisa morrer.

— Acha que sou idiota por acaso?

Hã?

— O que andam fazendo com esses escravos não é nem humano, seus monstros! Eu tenho muitos motivos para guerrear contra o vosso reino. E o primeiro, é a sua existência e a do seu rei!

— Vejo que assim não chegaremos a um acordo.

— Eu quero que vocês morram da forma mais horrenda possível! — Helena ergueu sua espada para cima. — Soldados! Preparar, apontar, atacar!

O grito estava dado. Os soldados marcharam com suas espadas apontadas aos soldados que estavam em frente a muralha principal de Aclasia.

— Pensei que pudéssemos chegar a um concesso... — Melquiore franziu o cenho, elevando sua espada ao alto. — Ataquem!

Os soldados do exército de Aclasia começaram a marchar, menos os escravos. Eles tinham medo. Os Aclasianos tiveram que os empurrar, no entanto, alguns caiam. Viram que era um desperdício de tempo fazer aquilo, se não eles mesmos corriam risco de perder suas vidas. Então, marcharam num grito de guerra aos soldados Acácianos.

— Nem a morte será castigo suficiente para vocês! — Helena bateu o pé na espádua do seu cavalo. Ele começou a cavalgar, enquanto ela direcionava a espada contra o peito do Melquiore. Este, também, bateu em seu cavalo, que começou a correr em direção ao cavalo de Helena que lhe vinha de encontro.

Ambas as espadas cruzaram-se, criando faíscas reluzentes. A guerra havia começado.



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