Volume 1

Capítulo 6: Floresta de Avarius

 Cerca de 2 meses antes da guerra

Enquanto a rainha esperava pela resposta do reino de Tirasul quanto ao pedido de aliança em uma guerra contra Aclasia, Helena se dirigia ao campo de treinamento para informar aos seus soldados de que em breve entrariam em guerra.

No campo de treinamento, a maioria dos soldados haviam sido reunidos. Esperavam apenas sua capitã chegar enquanto conversavam e travavam alguns combates de espada.

Pararam tudo o que faziam e direcionaram seus olhos à beldade de armadura que passava pelos portões do campo de treinamento. Com passos lentos, Helena caminhava por aquele areal, observando seus soldados baterem o punho contra o peito enquanto encurvavam a cabeça.

Helena sorriu e ordenou que os seus soldados erguessem a cabeça.

— Capitã! — bradaram alguns dos soldados com o sorriso no rosto. — Como tem passado, senhorita?

— Senhorita, faz tempo que não nos reúne!

— Vamos receber um aumento?

Vozes se levantavam, mas nenhuma delas cogitou que em breve entrariam em guerra.

— Eu estou bem, soldados! — gritou Helena.

— Ficamos felizes!

— Vejo que estão animados. Isso é bom!

— Sempre, capitã!

Os soldados sorriam. Todos trajados de suas armaduras prateadas e alguns com espadas em suas mãos. A maioria eram jovens. Alguns deles sem nenhuma experiência em campo de batalha. O vice-capitão também era muito jovem, possivelmente o mais jovem dali. No entanto, suas habilidades o colocaram em um patamar alto. Foi motivo de inveja, sim, mas não tinham o que fazer.

— Onde está o vice capitão?

— Eu acho que ele mais uma vez está atrasado. Aquele rapaz nunca muda! Sinceramente!  — riram alguns soldados. O vice-capitão era o tipo de pessoa que sempre vivia atrasado, sua vida também era atrasada.

Alguns segundos depois, um homem chegou por detrás da Helena sem ela notar e soprou no seu ouvido. Um arrepio percorreu Helena, fazendo-a virar bruscamente para a pessoa que estava às suas costas. Quem se atreveria a fazer uma brincadeira dessas?

Os olhos de Helena encontraram um homem com um corpo magro, munido de uma armadura prateada. Seus olhos eram marrons como seus cabelos desarrumados, que lhe davam um certo charme.

— Desculpe o atraso! — O vice capitão sorriu, afagando seus cabelos acastanhados.

— Seja sério pelo menos uma vez na vida, Léo — disse Helena.

— Prometo que nunca mais vou repetir isso, minha princesa! — sorriu Léo.

— Promessa é dívida. Saiba que eu cobro, hein?

— Sei. Sei. E então, por que reuniu todos os soldados aqui, princesa?

— É capitã para você. Já disse para não me chamar de princesa.

— Perdão, é a força do hábito — sorriu Léo. — Mas não muda o fato de que você é uma princesa!

— Se continuar, vou te espancar. — Helena cerrou os punhos. Ela não gostava que lhe chamassem de princesa, ficava constrangida. Porque, na maioria das vezes, princesa era sinônimo de uma jovem fraca e indefesa, que precisava ser protegida a todo custo — o que ela não era. Afinal, comandava um exército inteiro e todos a respeitavam pela sua força e maestria na arte de espada.

— Certo. Certo. — Léo sorriu e se juntou aos seus companheiros soldados que o aguardavam.  Helena, então, subiu em um palco que alguns dos soldados haviam montado para que ela pudesse falar e todo mundo pudesse ouvir.

Léo, junto dos seus companheiros, a observava. Helena estava linda como sempre aos seus olhos. Ele nutria um sentimento amoroso por Helena. Faltava apenas reunir coragem para se confessar. Alguns dos soldados que sabiam disso incentivaram-no a ganhar coragem e se confessar antes que qualquer pessoa aparecesse.

— Ainda continua o mesmo idiota de sempre, vice capitão! — disse um dos soldados, seu nome era Marco. Possuí olhos castanhos escuros, tal como terra encharcada, e cabelos laranjas como chamas flamejantes.

— É verdade. Do jeito que a capitã é tão linda, não demora a aparecer um nobre ou príncipe de qualquer reino para casá-la — disse o outro soldado.

— Da para parar vocês dois! — gritou Léo, constrangido.

— Então, se confesse. Você é o que tem mais chance de ser aceito. Afinal, a capitã Helena te recrutou pessoalmente para o exercício, diferente de todos nós — disse Marco. Léo sequer tinha ânsia de virar um soldado, no entanto, com a vice-capitã fora, Helena não via mais em quem confiar, se não em seu amigo. Léo, apesar de não ser soldado na época, treinava com Helena. Ela via futuro nele como soldado de Acácias e agora, como o vice-capitão do exército principal de Acácias.

— Ainda estou reunindo coragem para isso!

— Que coragem... — Marco fora cortado pelo grito de Helena, que chamava a atenção de todos os soldados.

— Prestem a atenção!

Todos os soldados voltaram os seus olhos a loira sobre um palco formado por caixas de madeira. Um profundo silêncio havia tomado conta do campo de treinamento.

— Meus soldados, é com pesar que vos digo que estamos entrando em guerra! — Helena foi direta e tão assertiva quanto uma flecha. Os soldados arregalaram os seus olhos em espanto. Fazia bastante tempo que não entravam em guerra. Suas mentes nem se recordavam de qual era a sensação de ter sua vida a um passo da morte.

"Como assim!?"

"Por que?"

"O que aconteceu?"

Dúvidas e perguntas surgiam cada vez mais. Os soldados ansiavam por uma resposta.

— Acalmem-se! — gritou Helena. — Eu irei explicar o porquê da guerra. Podem descansar os seus corações.

Não havia possibilidade de descansar os corações com um prenúncio de guerra iminente. A verdade era que os soldados já estavam habituados a uma vida de treinamento, bebedeira, comedeira e muitas horas de sono para, no fim, receberem seus salários fartos. No entanto, dessa vez, teriam que provar em guerra que eram merecedores das regalias que tinham por serem soldados.

— Bom... — Helena foi explicando tudo quanto sabia. A carta, a trama do rei contra os reinos e os experimentos. Os soldados ficavam estupefatos com tais informações. Eles não conseguiam acreditar que o rei estava fazendo algo desumano e sobretudo tramando contra o reino de Acácias.

— E é por isso que estamos entrando em guerra! Como soldados, o nosso dever é assegurar a paz e o bem-estar de Acácias. E se alguém, seja rei ou não, ousar ameaçar a paz desse reino, deve ser destruído!

Os soldados ergueram suas espadas para cima. Estavam mais motivados para entrar em guerra. Alguns pensavam apenas nas incontáveis riquezas que iriam adquirir com essa guerra.

Helena, então, começou a falar sobre estratégias. Ela era uma excelente estrategista. Aprendeu tudo quanto sabia sobre táticas de guerra em livros. Quando se falava em guerra, cruzar espadas não determinava o vencedor, mas, sim, a estratégia. Com uma boa estratégia, mesmo que o exército estivesse em desvantagem numérica, ainda havia possibilidade de vitória, e Helena bem sabia disso.

As estratégias que ela contava não eram definitivas ainda, precisariam ser aperfeiçoadas. Para isso, tempo era necessário. Ela passaria noites fazendo isso se fosse preciso, afim de que, se possível, garantisse vitória certa sem sacrificar nenhum dos seus companheiros.

— Eu gostei mais da segunda!

— Eu gostei da primeira!

— Da terceira!

— A quarta é a mais eficaz!

Os soldados haviam iniciado uma briga para saber quais das estratégias da Helena era a que mais se adequava para usarem na guerra.

Por outro lado, depois de tanto falar, Helena acabou descendo do palco e agora se preparava para retirar-se.

— Desculpa, pessoal. Eu queria tanto ficar aqui a discutir estratégias de guerra com vocês, mas preciso fazer algo agora!

— Tudo bem, capitã! — assentiram alguns soldados.

Outros, porém, nem se deram conta de tão ocupados que estavam a discutir.

— Vai! — Dois soldados empurravam o vice capitão, que relutava em avançar até a loira ali, no fundo. — Essa é a sua oportunidade de se declarar!

— O que vocês estão fazendo, seus idiotas?!

O rosto de Léo parecia um tomate de tão envergonhado que estava enquanto era forçado a avançar a sua amada, que já havia começado a caminhar para fora daquele recinto.

— Escuta... Estamos entrando em guerra e não se sabe se o que vai acontecer — emitiu Marco.

Léo mordeu os lábios, refletindo sobre as palavras proferidas pelo Marco.

Suspirou e avançou ele mesmo.

— Como vocês estão insistindo tanto, eu vou lá!

— Agora sim! — Os dois soldados sorriram e levantaram os polegares.— Esse é o nosso vice-capitão!

— Vocês não tem jeito mesmo... — Léo sussurrou enquanto corria em direção à Helena, que já se encontrava na saída do campo de treinamento. Estava a um passo daqueles dois grandes portões de ferro.  — Helena! — Léo acenava com a mão, atraindo os olhos da loira. — Espera!

— Léo... O que se passa?

Quando chegou perto de Helena, Léo suspirou e afagou seus cabelos castanhos.

— Eu preciso te dizer algo.

— Então diga.

— V-v-você quer...

— Espera um pouco — Helena esticou a mão contra o peito do Léo e riu enquanto colocava o punho rente ao lábio. — Eu acabei me lembrando de algo engraçado!

— O que?

— Sabe esses dias... Um soldado veio a mim e confessou o seu amor. Ele disse que queria casar comigo. Eu fiquei esquisita com aquilo. Hahaha, eu o rejeitei!  Não tenho tempo para isso não.

Aquelas palavras fizeram Léo entrar em depressão. A expressão de frustração estava consumindo seu rosto. Um arrependimento amargo crescia em seu coração por haver escutado Marco e seu outro companheiro.

— Então... O que queria me dizer?

Léo deu um sorriso forçado, tentando ao máximo esconder sua desilusão.

— Nada. Eu só queria te convidar para ir ao bar hoje à noite.

— Pensei que você não bebesse.

Apesar de jovem, Léo tinha o costume diferente dos jovens de sua faixa etária. Ele não bebia e não gostava de festa, preferia passar o tempo exercendo a carpintaria em sua casa.

— Sim. Mas... Mas... O bar não tem só vinho, tem comida também.

— Faz sentido.

— E quem era esse tal que se declarou?

— Segredo. Não quero o expor. Eu prometi a ele que não contaria para ninguém.

— Entendi. Bom, eu vou voltar à conversa com os soldados sobre estratégias e outras coisas.

— Continue trabalhando, Léo! — Helena bateu num dos ombros de Léo e o deu as costas, caminhando para fora do campo de treinamento. Léo ficou ali, plantado, todo desiludido por suas chances com Helena terem sido reduzidas a zero. Todavia, jurou a si que não desistiria, lutaria pelo amor de Helena com todas as suas forças.

Tendo saído do campo de treinamento, Helena montou em um cavalo e começou a cavalgar em direção à famosa Floresta de Avarius. Conhecida como berço animal de Acácias. Isso porque variedades de espécies poderiam ser encontradas nessa floresta.

A floresta de Avarius era guardada por dois gêmeos. Designados pela rainha Sophia para proteger e cuidar dessa floresta, rica em seus recursos naturais.

Após horas de viagem, Helena conseguiu chegar à Floresta. Ela facilmente poderia ir de carruagem, mas gostava de adrenalina. Era parte de seu treinamento.

Como de costume, amarrou seu cavalo e abriu a porta de uma vedação de arame farpado que isolava maior parte da floresta. Logo, entrou na floresta. Ela não tinha medo de que nenhum animal viesse lhe atacar. Era, na verdade, amigo deles. Helena tinha um carisma tão doce que as feras não lhe resistiam. Caminhava pelas trilhas esverdeadas, afastando arbustos e retirando lianas que pousavam sobre sua cabeça.

Em um dado ponto, Helena ouviu gemidos. Aproximou-se com cuidado, podendo contemplar um homem preso de cabeça para baixo, em uma corda que era fixada em um galho de uma árvore. Este tentava se desprender, fazendo seu corpo balançar de um lado para outro.

— Droga!

— Marlon? — Helena riu com os olhos postos no homem de cabelo cinza ali pendurado. — O que faz aí?

— Estou preso, Helena. Está cega?

— Você continua o mesmo palhaço de sempre! Nunca muda! — Helena continuou rindo. Fazia tempo em que não via seu amigo de longa data, Marlon. Ele, que sempre se envolvia em cada encrenca.

— Sim, e você continua a mesma atrapalhada de sempre — riu Marlon.

— Olha quem diz isso. Enfim... Onde está o Garlick? Tenho assuntos a tratar com vocês os dois.

— Ele está alimentando os gatinhos. A Maridete teve novos filhotes — disse Marlon. Fechou os seus olhos logo em seguida. — Espera só um pouco. Vou chamá-lo.

— Como vai fazer isso do jeito que está? Olha, eu não tenho tempo para piadas dessa vez.

Marlon enfim abriu os olhos, atraindo a expressão nada contente de Helena.

— Ele disse que estará aqui dentro de dez segundos.

— Eu não estou com humor para suas brincadeiras. Vou liberá-lo daí, espere... — Helena sacou sua espada e, quando quis saltar, sua atenção foi atraída pelo som de folhas balançantes. Seus olhos arregalados puderam contemplar um homem por cima de um galho na árvore à direita.

— Hã? Mas como?

— Somos gêmeos, Helena. Estamos sempre conectados — respondeu Marlon.

— Me surpreende o Garlick decidir fazer um duo de palhaço com você, Marlon. — Helena olhava para o homem de olhos amarelos que repousava sobre o ramo da árvore. Em contraste ao irmão, ele tinha cabelos negros.  — Não é, Garlick?!

— Não estou fazendo duo nenhum.

— Sei. Sei.

— Então, Helena, a que devemos a honra da sua visita?

— Tenho um assunto importante para falar com vocês.

— O que aconteceu? Finalmente vai se casar? — riu Marlon e tossiu em seguida, quase se engasgando.

— Eu já sou casada com os meus livros — Helena sorriu e deu os ombros.

— Você e os seus livros!

— Então fala, que assunto é esse?

— Como vocês são guerreiros habilidosos, eu vim recrutá-los para guerra.

— Eu vou ter que recusar. — disse Garlick, seus olhos amarelos estavam sérios. — Você sabe muito bem que eu fiz um voto de não guerra. Nunca mais quero voltar a pisar em uma guerra.

— É que dessa vez, eu preciso muito de toda ajuda possível. Tenho a certeza que se ouvirem sobre a causa dessa guerra esqueceram os seus votos.

— Por favor, não insista, princesa. Guerra continua sendo guerra, não importa qual seja o motivo.

— É. Eu sei. Ah, tudo bem, deixa estar. — Voltou seus olhos esverdeados ao Marlon. — Vai me abandonar também?

— Perdão, Helena — disse Marlon. — No entanto, eu confio no seu potencial para lidar com isso. Dois homens não vão fazer diferença contra um exército.

— Eu tenho a certeza de que fariam. Suas habilidades com armas brancas são tão impressionantes. É uma pena, tanto desperdício de talento. Fazer o que... — Helena deu os ombros. — Eu vou indo. Ainda tenho muito o que fazer — Helena acenou para os irmãos gêmeos enquanto começava a caminhar, constrangida por não terem aceitado seu convite.

— Mande cumprimentos para a rainha Sophia — disse Marlon. Seu corpo começou a balançar de um lado para o outro.

— Se cuida — disse Garlick, observando Helena se distanciar enquanto alguns animais a seguiam. Helena apenas levantou a mão direita em um sinal de resposta aos gêmeos enquanto continuava a sua trilha por aquela mata.

— Acho que deveríamos ter ouvido sobre a causa dessa guerra, Garlick — disse Marlon. — Tenho um péssimo pressentimento sobre essa guerra.

— Não podemos voltar atrás em nossas palavras. Além disso, aquela mulher tem uma força descomunal, de outro mundo.

— É. Nem parece.

— E você? — questionou Garlick, estreitando os olhos ao seu irmão que balançava como um balanço. — Como veio parar aí?

— É uma longa história.



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