Volume 1

Capítulo 5: A carta e o livro

Helena deitou-se à beira do rio e colocou uma das mãos contra a bochecha enquanto apreciava a capa daquele livro. Havia lhe interessado a imagem de três silhuetas erguendo seus cajados em direção a uma pedra preciosa no meio. No entanto, algo a deixou intrigada. Aquele livro não tinha título, como todos os livros tinham.

"Erro de autor?"

"Mas que autor faria isso?"

Ela riu dos seus pensamentos. Realmente era algo engraçado pensar que um autor houvesse se esquecido de dar um nome ao seu livro.

"Mas quem liga?" Helena ignorou esse fato e decidiu abrir o livro, dando de cara com a primeira página.

Nela havia uma mensagem que dizia:

"A todos os meus descendentes, confio a vocês o destino da humanidade." Helena estranhou essa frase de início, era diferente de todos os livros que havia lido até agora. Então deu os ombros e passou para a página seguinte.

A História passada de geração em geração contava que em tempos passados os seres humanos possuíam magia. Eles usavam-na para diversos fins. Mas um certo dia, por algum motivo, ela desapareceu.

A verdade era que os poderes da magia acabaram corrompendo pessoas, reis e várias nações. O mundo, por sua vez, se viu mergulhado em um caos.

E no meio desse caos e destruição, levantou-se um homem de vestes negras e olhos carmesim que emanavam profunda raiva. Ele se auto intitulava o dono da magia e o juiz para toda maldade que assolava a terra. Em posse de tamanho poder, este sentenciou a humanidade atual a extinção e decretou que iria reiniciar o mundo do zero...

Enquanto desfrutava de cada letra daquele livro, Helena sorria enquanto passava para próxima página.

Como esperado, o mundo não ficou parado vendo sua destruição acontecer. Milhares de jovens magos confrontaram o mago negro, iniciando a luta pelo destino da humanidade...

— Estou aqui na torcida! Salvem a humanidade! — Helena levantou seu punho para cima, indicando torcida. Em tão pouco tempo ela havia se apegado ao livro.

No entanto, o mago negro era bastante poderoso para eles. Seu poder colossal, tão semelhante a uma bomba nuclear, varreu uma cidade que outrora transbordava de uma beleza natural, a deixando em ruínas.
As cinzas dos que pereceram em meio ao combate moldavam o chão enegrecido.

Não havia espaço para chorar, nem corpo para velar, restava apenas lutar sem cessar pela humanidade restante que aguardava ao redor do mundo o desfecho daquela batalha que selaria o destino da humanidade.

A cada golpe, a terra rangia e estremecia, espalhando inúmeras erosões que poderiam facilmente engolir qualquer um que não prestasse atenção onde pisasse.

Ainda assim, nenhum golpe fazia efeito contra o poderoso ser diante deles. Os magos chegaram ao ponto de concluir que o mago negro possuía um arsenal infinito de magias. Realmente, ele fazia jus ao título que havia si dado. O dono da magia.

O número de magos que lutavam aquela batalha foi reduzido para exatamente três magos, declarados os mais habilidosos pelo mago negro. Mas nem mesmo eles sendo habilidosos conseguiam fazer frente àquele ser, o que lhes fez chegar a conclusão de que sacrifício era o que se devia fazer para alcançar a vitória nessa batalha.

Um dos magos tomou a trágica decisão de servir como sacrifício. Ele possuía uma habilidade chamada armazenamento, que lhe permitia armazenar qualquer coisa em seu corpo, mas o problema era que sua habilidade era bastante limitada para o que ele pretendia fazer. Ele pretendia armazenar toda magia em seu corpo, absolutamente toda magia do mundo para que o mago negro não tivesse com o que lutar.

Era algo impossível, mas era a única opção.

Todos seus companheiros haviam dado tudo de si, então por que ele não o faria? Mesmo a chance sendo abaixo de 0, dado que o seu corpo não suportaria sequer um terço da magia existente no mundo.

Num último ato de despedida, olhou para os dois companheiros restantes com um sorriso no rosto enquanto seu corpo cintilava pela ativação da magia.

O mago negro chegou a rir do sacrifício vão do jovem enquanto inutilmente tentava absorver toda magia existente no mundo, mas seu sorriso foi abaixo e sua expressão começou a mostrar dúvidas sobre a visão que tinha. Certamente ia contra toda lógica. Assim como um buraco negro, o corpo não parava de absorver toda magia que caminhava para a grande luz dourada do seu corpo como feixes de luz.

Passaram minutos e minutos e ele ainda continuava absorvendo, o que fez o mago negro tomar a decisão de acabar com aquele homem que quebrava todas suas expectativas. No entanto, os dois magos não deixaram que ele impedesse o sacrifício de seu companheiro. Com golpes mágicos, procuravam afastar ao máximo o mago negro.

Sentiam, no processo, seus corpos perdendo energia. Era questão de tempo até que o impossível se tornasse realidade.

Irritado, com sua energia diminuindo, o mago negro começou a levar a luta a sério e nocauteou aqueles dois na barriga com uma força que facilmente derrubaria um edifício. Salivas voaram pelo vento e joelhos caíram no chão.

Sem nenhum obstáculo, o mago negro viu a oportunidade perfeita para interromper aquela absorção de magias, mas quando chegou perto do mago que havia se tornado tão brilhante quanto a luz do sol, uma luz se expandiu como um clarão que poderia cegar facilmente qualquer um que se encontrasse naquele espaço.

Booom!

Foi tudo o que o mago negro pôde ouvir ressoar nos seus ouvidos segundos antes de ser arrastado pela explosão. A explosão estranhamente apenas produziu o som, mas não teve nenhum efeito destrutivo, lançando feixes de luz que voaram por tudo quanto é canto, cobrindo quase todo planeta.

Depois que suas visões voltaram ao normal, no lugar onde deveria estar o mago, estava uma joia verde que caía lentamente.

Enquanto os magos corriam para pegar o que havia sobrado de seu companheiro, o mago negro se contorcia de raiva ao notar o que lhe havia acontecido. Movimentava seus braços e pernas de um lado para outro, gritava palavras por tudo quanto é quanto, mas nada saia.

Veias rebentaram seu rosto vermelho enquanto ele cerrava os punhos intensamente. Seus planos haviam sido frustrados. Sem magia, seu plano de iniciar o mundo do zero e exterminar a humanidade era impossível de se realizar. Agora ele não passava de um simples humano sem poder algum.

O mago negro garantiu que aquilo não ficaria assim e partiu ao ataque daqueles pobres jovens magos que lamentavam com tristeza a perda do seu companheiro.

Para infelicidade dos magos, a magia não havia cessado totalmente. Ainda havia alguns resquícios em seus corpos, uma pequena chama que ainda persistia em estar acessa, o que deu ao mago negro atributos físicos extremamente elevados.

O mago negro foi capaz de chegar perto dos dois magos em um único instante, com os punhos prontos para derrubar aqueles dois e roubar aquela joia. Ele tinha a máxima convicção de que aquela joia detinha a magia do mundo.

No entanto, os dois magos sabendo disso, não permitiram isso e usaram um pouco de magia que havia sobrado dentro dos seus corpos para fugir do mago. Eles corriam em linha reta pelos destroços e escombros de casas, suas pernas e vestes cada vez mais manchadas pela poeira enegrecida que levantavam.

Mas não foram longe. O mago negro ainda os superava em velocidade.

A jovem maga parou em frente ao mago negro e serviu de saco de pancada para que seu companheiro continuasse a correr. Mas o mago Negro foi tão rápido nos golpes que em instantes havia alcançado o que corria com a joia.

Quando o magro negro finalmente estava quase a tocar na gola do outro mago, aconteceu que ele avistou uma criança que havia virado o intervalo de uma esquina. O que ela estava fazendo por ali? Ele não sabia dizer, só sabia que aquela criança era a sua única esperança. O jovem mago gritou e chamou a atenção da criança enquanto atirava aquela joia verde.

Aos meus descentes, confio-lhes o destino da humanidade.

Com essas palavras, o mago sentiu um alívio ao ver que a criança não só pegou a joia com sucesso, como não tardou em correr o máximo que podia, saindo da vista do mago negro.

O mago negro ignorou aquele mago e tentou alcançar a criança, mas movido por uma força não-humana, o jovem mago deu um soco na barriga do mago negro. Ele foi arremessado alguns metros, travando com os seus próprios pés.

A batalha havia finalmente chegado ao ápice. Os dois jovens agora suspiravam ofegantes enquanto milhares de gotas de suor percorriam seus corpos.

Seus olhos estavam mirados no mago negro que os observava com os seus profundos olhos carmesim.

As nuvens negras, em sua profunda tristeza pelo clamor que a terra lançava do sangue que havia sido derramado sobre ela, soltavam trovões e liberavam chuviscos sobre ela.

Os jovens magos pararam de suspirar e cerraram os punhos agora encharcados, preparando a próxima investida. A jovem maga, revistada de bravura, foi a primeira a iniciar o ataque de punhos enquanto seu companheiro a seguia na retaguarda.

O mago negro, que observava aqueles passos como sendo de tartarugas, não tardou em golpear a jovem desmentida no abdômen. A pressão que o punho exerceu fez com que a boca da jovem maga se abrisse e lançasse gotículas de saliva ao vento. Sem forças, seu corpo agonizado de dor caiu sobre o solo, levantando poeira enegrecida.

Seu companheiro, que a seguia na retaguarda, parou por um instante e desceu os olhos sobre o corpo dela. Seus traços mostraram descontentamento e sua expressão mudou abruptamente para o estado de profunda cólera.

Um misto de emoções tomava conta do seu coração; frustração, ódio e tristeza. Ele sabia que ainda estavam longe de derrotar aquele homem, mas ainda assim, continuavam lutando pelo bem da humanidade que havia sobrado.

Com os punhos cerrados, ignorou a companheira e correu ao homem de negro que o aguardava em prontidão. No entanto, quando próximo ao homem de negro, o jovem mago mal viu o que havia acontecido.

Arregalou olhos e observou o punho do mago negro atravessar sua barriga e penetrar suas entranhas. Um sorriso emergiu dos lábios do ser maléfico enquanto ele deitava sangue tanto da parte perfurada, assim como da boca.

O jovem mago mordeu os lábios e deu um sorriso, um sorriso que deixava o mago negro intrigado, já que a condição do jovem não lhe permitia esboçar nenhuma felicidade. Ele imediatamente percebeu que a razão do sorriso daquele jovem era porque ele, na verdade, havia prendido seu punho no abdômen dele.

Não importava o quanto o mago negro tentasse, ele não conseguia removê-lo.

Aqueles dois rosnaram; um tentando retirar o braço e o outro mantendo preso. Era uma batalha árdua, mas o mago negro aos poucos conseguia remover seu braço, o que roubava mais gritos dolorosos da boca do jovem.

Contudo, a sensação de dever cumprido havia acendido uma chama de esperança no coração do jovem; a criança que o mago negro perseguira outrora estava agora fora do alcance do mago negro. E, quando o mago negro estava prestes a retirar o braço, a maga que havia sido derrubada apareceu por detrás dele, tocando no seu ombro. Seus olhos se encontraram e um sorriso que declarava fim de jogo preencheu os lábios da maga.

Uma luz dourada que partia do corpo da maga se expandiu e tomou conta daqueles dois, deixando seus corpos cintilando em purpurinas. Um clarão cobriu finalmente a visão de todos e foi então que, em um piscar de olhos, todos desapareceram. E desde então, ninguém nunca mais os viu.

                          (...)

Helena fechou o livro, ele era tão rápido. No entanto, estranhou as restantes páginas vazias. Talvez o autor quisesse continuar, mas não pudesse. Bom, ela nunca saberia. Concluiu em seus pensamentos.

Logo se levantou, encharcada, e esticou os seus braços ao alto. O livro havia lhe distraído, agora nada a impedia de voltar à cidade de Acácias. No entanto, um corvo que vinha voando a fez mudar de ideia. Em sua pata tinha um papel enrolado. Só podia ser a carta da espiã. Helena sorriu, sua sorte estava em alta hoje. Havia apanhado um livro e a espiã a qual enviaram havia finalmente dado sinal de vida.

— Hoje é o meu dia de sorte! — Helena sorriu, pegando o corvo em suas mãos. Desatou as amarras que prendiam a carta enrolada na pata do corvo. E tomou para si a carta, soltando o corvo. Este, por sua vez, pousou sobre os seus ombros.

Sem mais tardar, Helena correu ao seu cavalo que se encontrava amarrado em uma árvore um pouco longe do rio. O cavalo comia a grama ao seu redor, mas logo sua refeição acabaria. Sua dona chegava e ele teria que voltar ao trabalho.

Helena acenava ao seu cavalo com um sorriso no rosto, despertando sua atenção.

— Glee! — gritava Helena. Falar e dar nomes a animais aos quais tivesse muito apego era o passatempo predileto de Helena depois dos livros.

O cavalo relinchou. Helena o desamarrou da árvore e montou em seu dorso. O corvo repousava sobre os seus ombros e o livro sobre uma pasta que cercava o cavalo. Com isso, Helena com o pé bateu na espádua do cavalo. E este começou a correr enquanto ela segurava as rédeas. O cavalo galopava em alta velocidade em direção ao palácio de Acácias.

Era o cavalo mais rápido do reino de Acácias que Helena havia ganhado de presente de aniversário. E também era o mais difícil de montar. Durou meses até que Helena o conquistasse totalmente. Agora eram bons amigos.

Depois de algum tempo, o cavalo cavalgava pelas periferias da cidade de Acácias, Meluria. Meluria era capital de Acácias, nome dado em homenagem à mãe de Helena por seu feito marcante. Ela teve parte na libertação dos escravos de Mioria em Acácias.

Os cabelos de Helena percorriam os ventos. Ela sorria, aproveitando aquela brisa que batia contra seu rosto.

Ela era cumprimentada por várias pessoas pelo caminho, com acenos de mãos e sorrisos, mas não podia parar para conversar. Isso levaria muito tempo. E também provocaria um enorme tumulto, visto que a princesa era amada pelo povo por seu carisma e sua beleza estonteante.

Depois de uma longa viagem, Helena chegou finalmente ao palácio. Percorria os corredores a todo vapor. Chegou quase a derrubar um servo que caminhava carregando um conjunto de pratos pelo caminho, sorte que ela havia travado a tempo. Mas nem por isso parou de correr. À frente estavam os soldados que guardavam a sala do trono, aos quais lhes era incumbida a função de abrir e fechar a porta da sala do trono.

Ao notarem que a princesa seguia ao portão a toda velocidade, eles abriram-no sem antes anunciá-la. Faziam isso a maioria das vezes por ser a irmã da rainha, então não haveria nenhuma sanção ou punição para eles.

Sophia se assustou ao contemplar Helena travando sobre aquele piso de mármore.

— Helena! — Sophia colocou a mão no peito, suspirando profundamente. — Eu tenho que falar para esses guardas não deixarem ninguém entrar assim do nada, mesmo que seja família real!

— Não vai precisar. — Helena suspirou e levantou o papel enrolado em mãos. — Olha o que eu tenho em mãos!

— Um papel... A carta!

Sophia arregalou os olhos e sorriu.

— Depois de tanto tempo. Eu sabia que ela estava viva!

— Hoje é o meu dia de sorte, irmã. Primeiro encontrei um livro e depois a carta! Fui agraciada!

— Quem se importa com livros, Helena? Abra a carta logo. Precisamos confirmar se as palavras da Clementina são verdadeiras.

Helena parou no tempo quando Sophia disse as palavras "quem se importa com livros?" foi como se o mundo tivesse desabado. De fato, sua irmã não era amiga de livros, lia apenas livros do seu interesse, que mais tinham a ver com reinado. Achava que livros que retratassem a ficção fossem algo banal, uma perda de tempo.

— Não fala mal dos meus livros.

Hã?

— Eu disse para não falar dos meus livros. Eu me importo com eles.

Ah, perdão. Não foi a minha intenção. Eu só... estava dando primazia a assuntos mais relevantes, sabe?

Ah... — Helena suspirou. — Desde que se tornou rainha só lhe interessa o reino. Nem eu que sou capitã consigo tirar um tempo para descontrair.

— Não começa, Helena. Esses assuntos não são para serem tratados na sala do trono. Neste momento eu sou a rainha de Acácias e você, a capitã.

— Perdão, vossa excelentíssima majestade. Trago-lhe em minhas mãos a carta que vossa senhora tanto ansiava.  — Helena encurvou a cabeça, colocando a mão no peito. Seu olhar estava sério dessa vez. Helena decidiu levar tudo na formalidade. Era o que a irmã queria, era o que ela lhe daria.

— Ei, não precisa exagerar.

— Não é exagero, majestade. Estou lhe dando o devido respeito que lhe é merecido.

— Desculpa.

— Perdão, excelentíssima?

— Para. Não combina com você agir dessa forma — disse Sophia, sorrindo de leve. — Me perdoa. Às vezes eu sou rainha demais, e esqueço de ser uma irmã mais presente. Depois da carta, terei o maior prazer em ler o seu livro, minha amada irmã.

Ouvindo um isso, um sorriso emergiu nos lábios rosas de Helena.

— Agora sim está melhor.

— Agora peço que leia a carta.

— Calma, que eu já leio. — Helena desenrolou a carta e olhou a escrita. Como sempre, não resistiu a rir da letra da espiã.  — A caligrafia dela não mudou nada, sinceramente!

— Esquece isso e leia essa carta de uma vez por todas, Helena.

— Certo. Certo. — Helena assumiu uma postura mais séria e começou a ler a carta.

Bom dia, rainha. Tudo bem? Espero que estejam bem. Quanto a mim, eu estou bem. Sinto saudades de casa, mas fazer o que, não é?

Bom, depois de tanto tempo nesse palácio, eu consegui descobrir muitas coisas. Coisas horrendas. Sugiro que preparem os seus corações para o que vou dizer.

Clementina tinha razão, o rei está, sim, a realizar experimentos secretos e também planeja usá-los para aniquilação imediata do reino de Acácias, não só, o reino de Tirasul também. Segundo as conversas que ouvi, ele planeja ter domínio sobre todo o continente. Para tal, ele vem desenvolvendo experimentos macabros e desumanos. Dói o meu coração apenas por escrever essa carta, lembrando das cenas horripilantes que pude presenciar.

O rei tem usado humanos como cobaias de laboratório. Isso mesmo, primeiro iniciou com os prisioneiros, no entanto, não deu muito certo. Seus corpos ficaram deformados e morreram. Depois começaram a atacar os pobres Miorianos com a desculpa de promoção no trabalho para os seus familiares, não que precisassem dar desculpas, mas para não criar confusões e até mesmo uma rebelião. Bom, continuando. Eles têm dissecado humanos como se fossem animais, fazendo modificações das quais não vou relatar aqui. Não tenho coragem de escrever, desculpa. Esse rei ficou louco, às vezes ele fala sozinho.

Bom, quanto ao andamento do experimento. Sim, eles gradualmente estão tendo sucesso. Conseguiram aumentar a força de um ser humano para um nível descomunal, no entanto, esses humanos parecem zumbis. Não vi nenhum sinal de inteligência.

Paro por aqui, rainha. Não posso correr risco de ser pega, esse castelo não me passa uma boa presença. Sinto que têm olhos me vigiando. Se vai tomar uma decisão quanto a isso, rainha, a hora é agora.

Fim do relato.

— Estou sem palavras — disse Helena, deixando cair a carta em suas mãos ao chão. Seus olhos estavam arregalados. A leitura da carta havia lhe traumatizado.

Contudo, uma cólera se levantava, ela provinha da rainha. Com o punho levantado, bateu no braço do trono. Lágrimas caiam dos seus olhos enquanto batia vezes sem contas.

— Droga!

— Peço permissão para invadir esse reino, minha rainha — disse Helena. Seu semblante estava mais sério do que nunca. — É imperdoável! Eu vou arrancar a cabeça desse rei!

— Eu também sinto o mesmo que você, todavia não posso agir por impulso.

— Mas ela está lá e a qualquer momento pode ser capturada! Ela disse que olhos a vigiam. Eu preciso tirá-la de lá.

— Eu compreendo profundamente. Eu tenho o desejo de guerrear contra Araque e tirar tudo dele, mas... Não posso fazer isso tão já. Infelizmente isso é uma burocracia.

— Quanto tempo vai demorar?

— Vai depender. Eu preciso discutir essa situação com o conselho. Depois terei que mandar uma carta ao rei de Tirasul. E a Aclasia também, pedindo que ele se explique...

— Quer mesmo pedir explicações de algo tão óbvio!? Ele no máximo zombará de nossas caras. Por mim faríamos um ataque surpresa.

— Eu preciso pensar com calma. Todavia, preciso que chame o conselho real. Diga que esperem na sala real, eu vou me deitar um pouco e quando acordar vou lá — disse Sophia, se levantando do trono enquanto pegava sua cabeça. Ter ouvido aqueles relatos macabros mexeu com sua cabeça, agora ela doía. Sophia cambaleava pelo chão prateado. Sua irmã Helena a segurou e começou lentamente a caminhar com ela ao seu aposento.

Seus olhos se encontraram.

Ah... Obrigada, Helena.

— Não faço mais do que a minha obrigação como irmã.

E assim, Helena levou a irmã ao seu aposento. Enquanto Sophia repousava em seu quarto real, Helena conversava com o conselho real a respeito da carta. Ela pediu que o conselho se reunisse na sala real no aguardo da rainha que havia ido descansar.

Depois de algumas horas de descanso, Sophia havia renovado suas forças. Agora estava pronta para melhor discutir sobre a carta enviada pela espiã. Em seu vestido verde, Sophia atravessava a sala real. Um local onde a rainha poderia receber suas visitas reais, assim como nobres. Haviam quatro sofás ao redor de uma mesa, nos quais estavam sentados o conselho e a princesa Helena. Uma empregada trazia uma bandeja com uma jara e taças de ouro sobre.

A luz dourada daquele candelabro preso ao centro do teto creme, assim como as quatro paredes que envolviam aquele recinto, a empregada servia vinho ao conselho e a princesa Helena.

— Desculpem a demora — disse Sophia, despertando a atenção de Helena que estava sentada de costas no sofá. Apenas Ledare e Marloque notaram sua aproximação porque estavam de frente.

— Conseguiu descansar?

— Perfeitamente. — Sophia sentou-se em um sofá de um lugar ao qual lhe havia sido preparado. Seus olhos verdes estavam postos na carta sobre a mesa. Definitivamente, não era um sonho. — Então, vamos dar início às conversações?

A empregada encurvou a cabeça e retirou-se da sala a mando de Sophia.

— Após saber o conteúdo da carta, confesso que fiquei horrorizada — disse Theodora, agitando a taça de vinho entre seus dedos.

— De fato, esse rei mostrou o seu ápice da desumanidade — assentiu Ledare, pousando a taça de vinho sobre a mesa, enquanto Helena pegava sua taça de vinho para beber.

Marloque ainda não havia tocado na sua, seu semblante estava severo como sempre.

— É. De fato. Mas vou pedir que ignorem o vinho um pouco, depois que a discussão acabar poderão retomar a vossa degustação.

— Sinto muito, rainha. — Theodora pousou a taça de vinho e Helena bebeu rapidamente, pousando-a em seguida.

— Prontinho.

Ledare que planeja tocá-la novamente, não teve chance. Agora todos estavam completamente concentrados para a discussão que estava prestes a se iniciar.

— Dada a situação, eu realmente planejo guerrear contra o rei Araque.

— Calma, Sophia — Marloque finalmente falou. — Guerra é um termo bastante forte.

— Eu estou apoiando a minha irmã — disse Helena olhando para Marloque, seriamente. — Não há motivos de hesitação. Aquele rei pensa o quê? Que o ser humano é brinquedo? Tudo bem que estão sobre o seu domínio. Mas não é assim que as coisas funcionam!

— Eu vou ter que concordar com o Sr. Marloque — interveio Theodora. — Temos que pensar no acordo de paz e na vida das pessoas que estão no reino de Aclasia. Assim como que impacto essa guerra trará para as Acácias. Falo disso em todas as áreas.

— Acordo de paz? — perguntou Helena, soltando uma risada de escárnio. — Um acordo com um monstro? Sinto muito, mas isso não irá funcionar. O próprio rei deixou claro que não pretende continuar com esse acordo de paz, se bem interpretaram a carta.

— Eu vou ter que concordar com a princesa Helena — disse Ledare após ouvir e assimilar as palavras proferidas por seus companheiros e a capitã. — Se não fizermos nada, o reino poderá correr perigo.

— Não importa que tipo de seres humanos ele crie, o reino de Acácias conseguirá dar conta — emitiu Marloque. — Não precisamos atacar agora. Vamos esperar e ver como as coisas acontecem.

— E enquanto isso, vidas se perdem? — questionou Helena.

— Marloque, gosto da sua confiança em nosso poder militar. No entanto, agir tarde demais poderá provocar uma catástrofe sem precedentes. Eu prefiro desmantelar esse reino agora, enquanto essas experiências não estão finalizadas. E nem preciso falar do povo de Mioria que vem sendo usado como cobaia.

— Estamos falando de guerra. Não há nada que indique que poderemos ganhar — afirmou Marloque.

— Está se contradizendo, Sr. Marloque? — perguntou Helena. — Se bem me recordo, há pouco estava exaltando o reino de Acácias e agora diz que não temos indicação de vitória?

Marloque franziu o cenho.

— Façam o que bem entenderem então.

— E se aquele povo fosse o seu povo? O que faria, Marloque? — questionou Sophia, mantendo contato visual com aquele homem descontente com o rumo que aquela conversa estava tomando.

— Eu disse para fazerem o que bem entenderem — disse Marloque se levantando do sofá. — Estou me retirando. Espero que cogitem bem as minhas palavras para que não se arrependa mais tarde.

— Como ousa sair sem a permissão da rainha? — questionou Helena, olhando para Marloque, que andava em direção à porta, rastejando o seu manto azul-escuro pelo chão.

— Antes dela ser rainha, eu era seu babá. — Dito isso, Marloque abriu a porta e a fechou com força. Um blam andou de ouvido em ouvido.

— Olha, irmã, você deveria mandar prender ele, para ver se ele não fica tão ousado assim. Que história é essa de babá?

— Ele sempre foi assim, infelizmente — disse Sophia sorrindo levemente.

— Por favor nos desculpe a personalidade dele, rainha. Ele não muda mesmo — disse Theodora. — Acho que é por vê-la crescer que age como se fosse um pai.

— Sei bem disso. — Sophia sorriu.

— Então agora só nos resta decidir quando vamos invadir o reino, não é? — disse Helena.

— Acho que primeiro precisamos contactar o reino de Tirasul — acrescentou Ledare.

— Sim, assim o farei. Vou precisar de todo apoio desse reino para destruir Aclasia —  afirmou Sophia.

E assim, Sophia escreveu pessoalmente a carta que seria enviada ao reino de Tirasul. A carta foi enviada por um corvo correio e teria chegado à Tirasul em segurança. No entanto, após tanta espera, o rei de Tirasul mandou uma carta à rainha de Acácias. Nela, o rei deixava claro a recusa em participar da guerra contra o reino de Aclasia, não acreditava em nada do que Sophia havia lhe revelado. Fazer guerra contra um reino aliado seria uma perda de tempo e investimento. Se quisesse guerra, teria que ela mesma travar sozinha. O reino de Tirasul seria totalmente neutro quanto a essa guerra.

Sophia ficou decepcionada com aquela resposta do rei de Tirasul e decidiu agir sozinha. Os soldados sempre treinavam de dia e de noite e agora, com um prenúncio de guerra, treinavam ainda mais.

Sophia apostava tudo nessa guerra, era tudo ou nada. Mioria era parte do seu povo, não poderia permitir mais que esse povo sofresse nas mãos daquele tirano. Os experimentos haviam sido o gatilho perfeito para que Sophia tivesse coragem de escrever uma carta declarando guerra ao rei de Aclasia em um prazo de duas semanas. Por que um tanto de dias? Ela estava dando chance de o rei se explicar nesse curto prazo, ou talvez de evacuar o povo para longe?

Só Sophia sabia.



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