Volume 1

Capítulo 53: Pronunciamento

Quando Sophia desembaraçou a carta e leu o conteúdo, franziu as sobrancelhas e rangeu os dentes enquanto cerrava seu punho nela, transformando aquele papel em uma bola de lixo.

— Esse maldito, eu juro que vou matá-lo!

— O que ele disse?

Sophia bateu a bola de papel no peito de seu mestre com uma expressão irritada. Ele segurou aquele papel e o abriu enquanto Sophia lançava suspiros de indignação.

O mestre abriu a carta e leu em sua mente aquelas palavras audaciosas.

"Sophia, tudo bem? Não, não é? Afinal, você perdeu a guerra. Imagino o quão triste deve ter ficado ao saber que seus soldados foram mortos e que sua irmã está em minhas mãos. Bem, indo direto ao assunto, estou te convidando para a execução da sua irmã, que ocorrerá daqui a duas semanas.

Cordiais saudações, Araque Aclasia"

Ele deixou o papel cair no chão.

— Ele está pedindo para morrer e vai ter isso — Sophia emitiu enquanto cerrava um dos punhos com as sobrancelhas ligeiramente franzidas.

— É até bem conveniente ele estar tão confiante e com o ego acima das nuvens. Assim, facilitará o nosso resgate.

— Resgate? Eu estou indo para tomar Aclasia!

O mestre suspirou e abriu a outra carta em mãos.

— Essa parece ser da Sasha.

— Sasha, o que ela diz? Só espero que não esteja se lamentando.

— Bem, se ainda te resta dúvida sobre a confiança da Sasha, então leia pessoalmente.

O mestre entregou a carta a Sophia, que a recebeu com uma expressão um pouco irritadiça.

Seus olhos focaram naquelas letrinhas negras.

"Rainha, em primeiro lugar, pedir mil perdões, nada do que eu fizer será o suficiente para que possa ser digna do seu perdão. Deve estar se perguntando o que fiz de errado, não é? A verdade é que eu escondi um segredo de você. Um segredo que o mestre me obrigou a jurar que jamais te contaria, mas hoje estou quebrando essa promessa. Não importa o que aconteça, porque me sinto culpada por aquela tragédia…"

Os traços de Sophia iam se contorcendo enquanto ela ia à carta. Na metade da carta, Sasha estava contando sobre Aurimagia e sobre os soldados serem derrotados por essa energia, era tudo que Sophia já sabia.

— Viu só?

Sophia não disse nada, apenas continuou lendo a parte de trás da carta onde continham outras informações, as quais ela não tinha domínio.

"Eu fiz uma investigação minuciosa sobre os outros sete que não tinha conhecimento e descobri seus nomes, mas apenas descobri a Aurimagia de uma.  Segue a lista dos nomes.

Valdes, Melquiore, Maísa, Jaru, Taris, Garfiel e Valquires…

Quando Sophia citou esse nome, o mestre a olhou com os olhos arregalados.

— O que foi, mestre? Algum problema?

— Não, nada. Continue.

— Não me esconda nada. — Dito isso, Sophia continuou sua leitura.

"A Maísa é portadora da Aurimagia do Ar e foi a responsável por matar mais soldados. Termino essa carta, com uma informação trágica que acabei descobrindo esses dias… Quando acessei o laboratório, vi os corpos dos membros do conselho real petrificados.

— O quê?!

Sophia arregalou, tremelicando as mãos que seguravam a carta.

— Então quer que eles agiram por conta própria?

— Como isso foi acontecer? Não, mestre… — Sophia olhou para ele com os olhos arregalados. — Não me diga que…

Ah, eu não pretendia te contar porque fui ameaçado de morte.

— Como assim? 

— A verdade é que o conselho real que você acreditou ser seu conselho esse todo tempo, na verdade, são agentes da liga de aura.

— Não pode ser… Agentes da liga de Aura?

— Infelizmente.

— Aquele dia… Agora tudo faz sentido. 

— Mudança de planos, Sophia. Se até eles foram capturados, só nos resta reunir o máximo de força possível para enfrentar o exército de usuários de Aurimagia do rei Araque. 

— Depois daquele dia, nunca mais os voltei a ver. Pensei que tivessem se afastado devido às nossas divergências, mas eles tentaram acabar com isso em secreto… Por que eles não me contaram nada?

— Não é hora de pensar nisso, Sophia. Ainda podemos salvá-los. Amanhã mesmo vamos começar os treinamentos.

 Sophia dobrou a carta, a colocando de volta no envelope.

— Tá bom. — Sophia bocejou involuntariamente e colocou a mão na cabeça que começara a doer. — Depois dessa notícia, acho que vou descansar. E além do mais, preciso prestar minhas condolências à mãe do vice capitão.

— Não vai se pronunciar ao seu povo sobre a guerra?

— Não. Vou pedir a um dos governadores para fazer isso para mim e depois, com mais calma, farei um anúncio em público.

— Então nos vemos amanhã.

— Se o senhor puder me acompanhar… Por favor… — Sophia fez uma cara triste e começou a andar até os portões.

— Não se preocupe com isso.

Sophia recebeu essas palavras como conforto e saiu pelo portão acompanhada por seu mestre. Num dos caminhos que se dividia em dois, eles se separaram e Sophia tomou o corredor estreito e iluminado por candelabros, que levava ao seu aposento. Ela passava sua mão por aquela parede, lembrando-se com tristeza do conselho real.

— Rainha…

Sophia ergueu seus olhos à mulher que havia acabado de virar a esquina. Ela fez reverência enquanto sorria levemente, mas com rastros de tristeza em seu semblante.

— Clementina, ainda bem que a encontrou… Viu o Henrique?

— Está em seu aposento. Hoje, ele não teve ânimo para sair do castelo. Creio que estivesse a pensar na irmã.

— Perfeito. Quero que entre em contato com a escola dele e diga que organize uma excursão de um mês.

— Mas rainha, eles não acabaram de sair de uma?

— São ordens superiores. Só diga isso caso a questionem.

— Tem a ver com Helena? Eu soube há pouco…

— Eu vou salvá-la. Entretanto, quero que diga a todos os servos para que não falem sobre esse assunto aqui no castelo, entendeu?

— Entendi. 

— É tudo. Pode ir embora.

— Rainha…

— O que foi?

— Posso te dar um abraço?

Hã? 

Sophia de repente viu-se envolvida nos abraços de Clementina.

— Pode me punir por isso, mas quero que saiba que a senhora pode contar comigo. Eu também tenho culpa por isso, se eu não tivesse dito aquilo, a rainha…

Clementina começou a chorar.

— A rainha não teria feito essa guerra e a princesa Helena estaria aqui.

— Não, Clementina. Não foi culpa sua. Eu só usei aquilo para guerrear contra Araque… Desde sempre, eu quis destruí-lo e libertar aquele povo.

— Ainda assim, eu não teria ativado o gatilho! 

— Não se culpe. Aconteceu porque teve que acontecer. Agora só nos resta salvar Helena e vingar os soldados.

Clementina se desprendeu do abraço.

— Mas rainha, como pretende fazer isso? É perigoso demais e também não há tantos soldados assim em Acácias agora… Não faça isso.

— Agradeço a sua preocupação. Mas estou bem agora. O meu mestre está comigo.

— O Mestre?

 — Sim, e ele vai me ajudar a resgatar Helena. 

— Mas rainha, mesmo ele sendo habilidoso e um excelente estrategista, ainda assim, é perigoso demais… Mesmo agindo discretamente, é perigoso demais.

— Clementina, confie em mim. 

Sophia sorriu enquanto segurava seus ombros.

— Tudo bem, senhorita. Se cuide, por favor.

Ah, pode ter certeza. E, ah, tenho um último pedido. Quero que mande chamar os gêmeos e diga que aguardem no castelo.

— Certo.

Depois desse encontro, Sophia dirigiu-se ao seu aposento com passos firmes e confiantes. Seu coração, embora triste, havia ficado aliviado por finalmente ter seu mestre de volta, seu porto seguro.


                         (…)

Depois de uma noite de sono, os olhos de Sophia despertaram para mais um dia. Ela esticou seus braços para cima enquanto contemplava o teto. Quando desviou os olhos para a direita, deparou-se com um retrato de seus dois irmãos.

"Queria que fosse um sonho." Foi o que passou pela sua cabeça. "Mas eu vou te trazer de volta."

Quando declarou isso, Sophia levantou-se da sua cama e dirigiu-se, em seu pijama, ao guarda-roupa. No entanto, no meio do processo, escutou batidas na porta. 

Era voz de um soldado que ressoava.

Ela deixou o guarda-roupa e mandou que entrasse em seu aposento. O soldado curvou a cabeça com a mão no peito e, ao levantar, emitiu.

— Rainha, há uma comoção lá fora. O povo exige um pronunciamento da rainha quanto à guerra!

— Já temia isso… — Sophia disse e esticou o braço. — Tudo bem. Diga que aguardem, que estarei em instantes na torre.

— Certo!

Depois que o soldado saiu, Sophia apressou-se e vestiu-se enquanto suas servas vinham lhe trazer seu pequeno almoço. Assim que comeu, percorreu os corredores reais em uma roupa diferente do habitual. Trajava uma calça, um cinto de couro que rodeava a cintura e uma camisa branca acompanhada de uma capa real esverdeada, como se fosse uma fazendeira, mas, na verdade, aquilo era o que usaria no treinamento para garantir uma boa mobilidade.

Quando atravessou a sala do trono e dirigiu-se à torre que ficava logo em seguida, os ouvidos de Sophia se encheram de gritaria.  Quando deu as caras, contemplou uma montanha de pessoas que cercava os portões do castelo, exigindo um pronunciamento.

— Cá estou, meu povo!

"Rainha, como assim perdemos a guerra?"

" Cadê nossos parentes? Nem ao menos temos corpos para enterrar!"

" E nós, cujos familiares eram chefes de família, como ficamos? De quê viveremos?"

Essas palavras deslizavam pelos ouvidos de Sophia. Ela ergueu uma das mãos e ordenou que se mantivessem quietos para que ela pudesse falar.

O povo procedeu com um silêncio parcial, ainda com sussurros de pessoas, que manifestavam seu descontentamento no vento.

— Primeiramente, lamentar a morte dos meus companheiros, dizer que não esperava esse resultado. A vitória era certa. Mas algo fora do nosso alcance estratégico acabou mudando os ventos que estavam ao nosso favor e infelizmente sofremos uma derrota terrível. Minha irmã foi capturada… E isso me atormenta até agora, por isso posso dizer que compreendo a vossa dor, mas com pesar esse é o lado ruim da guerra…

Apesar de ter dito isso, levantaram-se vozes que confrontaram as palavras da Sophia, colocando em causa suas motivações e alegando que não havia motivo para guerra, que rainha havia sacrificado os soldados à toa apenas para livrar os Miorianos da garra da escravidão, que os experimentos passavam de uma invenção.

— É verdade que o meu sangue também falou alto, mas vocês lembram-se da guerra civil que aconteceu durante o reinado do meu pai? Pois, Araque Aclasia instigou isso e financiou, por isso guerreei contra ele. Sobre os experimentos, eles realmente são verdadeiros e foi assim que os meus soldados foram derrotados, esse foi o ponto cego da nossa estratégia.

Ainda assim, houveram pessoas que insistiram em descredibilizar Sophia e a tornar culpada de tudo, alegando que esses eram o resultado de suas decisões precipitadas. Sua vingança havia levado inúmeras vidas consigo, as quais ela não podia devolver. Todo sacrifício havia sido em vão. Todos os recursos haviam se esgotado.

A quem se atreveu a dizer que se Sophia continuasse a governar com impulsividade, agindo em prol de interesses próprios, seria questão de segundos até que Acácias caísse em ruínas.

— Não os culpo. Realmente, admito ter agido com base em emoções, mas podem ter certeza que eu não mandaria meus soldados para guerra se não soubesse que teríamos altas chances de vencer. O que aconteceu para que perdêssemos essa guerra seria loucura para vossas mentes.

— E que loucura é essa?

— É! Tenho a certeza de que vossa majestade só está dizendo isso porque não quer admitir que perdeu a guerra devido a sua ineficácia em produzir uma boa estratégia e soldados de qualidade!

Sophia sentiu-se irritada por esse comentário, que estava quase ao ponto de gritar o verdadeiro motivo da derrota de Acácias, mas conseguiu conter sua boca. Com um suspiro, olhos severos, declarou.

— Sessão encerrada. Qualquer coisa relativa a esse assunto, tratem com o governador, agora tenho questões mais importantes para resolver.

Soou frio da parte de Sophia, como se ela estivesse alheia à sua dor, no entanto, se aquilo se prolongasse, acabaria perdendo a postura e choraria com o povo. Ela abandonou aquela gente ali, que ficou a murmurar enquanto se dispersava aos poucos dali devido à forte presença dos soldados prontos a impedir qualquer tumulto nas imediações.



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