Volume 1

Capítulo 52: Aurimagia

Os olhos arregalados e repletos de olheiras de Sophia subiam desde os pés daquele homem até sua face. Ele possuía olhos negros orientais e uma barba branca que combinara com seus cabelos. Sua camisa abotoada até o pescoço era azul da cor da noite, em contraste com suas calças negras.

— Mestre…

 — O que você fez, Sophia?

Os traços de seu mestre se reuniram para formar um semblante triste, enquanto se encaravam severamente.

Sophia apenas desviou os olhos, mantendo seus lábios cerrados.

— Por que fez isso, Sophia?

— O senhor sabe muito bem o porquê.

Ela contorcia seus traços, fugindo do contato visual.

— O conselho permitiu que você cometesse essa loucura? 

— Mestre, você, por acaso, saiu de onde estava para vir me dar uma repreensão? Porque parece que o senhor só aparece no momento errado.

O mestre se aproximou dela, seus passos ressoando pelo piso prateado.

— Então, se eu estivesse aqui, você está me dizendo que não teria agido com impulsividade?

— Agir com impulsividade? Acho que nem você sabe do que está falando.

O mestre se agachou, percebendo lágrimas fluindo de seus olhos.

— Desculpa, tá bom? Estou disposto a ouvir. O que te fez tomar essa decisão, minha menina?

— Acho que a gente não tem nada a dizer um ao outro, mestre. 

— Por que está me tratando com tanta frieza?

— O que o senhor quer que eu diga?

Sophia reuniu seus joelhos.

— Eu entendo o seu sofrimento, mais do ninguém. Por isso que quero que se abra para mim, quero entender suas motivações. Porque sei que isso não tem nada a ver com os Miorianos, caso não…

— Aí que você se engana, mestre. Mas o senhor tem razão…  Só isso não bastou para guerrear contra Araque Aclasia, na verdade, mestre, eu sempre quis guerrear contra Araque desde o dia que ele não só instigou meu tio a elaborar um golpe de estado, como o apoio. E por sorte, surgiu um gatilho perfeito para que eu pudesse enfim destruir Araque.

— Que gatilho?

— Foi assim que o meu exército foi exterminado. Araque conseguiu o que queria… — Sophia mordeu os lábios.

O mestre arregalou os olhos.

— Do que você está falando?

— Experimentos. Araque criou homens com habilidades sobrenaturais.

— Mas isso é impossível. 

— Por que fala com convicção? Por acaso, sabe de alguma coisa que não sei?

— Não, não sei. Mas nenhum experimento do mundo é capaz de criar homens sobrenaturais.

— Então, como você explica meu exército ter sido dizimado por um punhado de pessoas, quando os soldados relataram que possuíam grande vantagem sobre os Acacianos?

— Não pode ser… Helena?

— Ainda vive.

Quando ouviu isso, o coração do mestre se encheu de alívio.

— Certo, fique aqui agora. Vou iniciar os preparativos para o resgate dela.

— Sozinho?

— Vou com um grupo de soldados. 

— Por que eu sinto que o senhor está me escondendo algo?

— Por que sente isso?

— O senhor nem perguntou da Sasha.

— Ela foi capturada, não foi?

— Mestre, o que senhor está me escondendo? Por que apareceu justo agora?

O mestre se agachou e afagou os cabelos de Sophia.

— Desde quando eu te escondo coisas? 

— Fale.

Sophia o olhou friamente.

— O quê?

— O que senhor está escondido.

— Você precisa descansar. 

Quando seu mestre tentou tocá-la, Sophia deu uma palmada na mão e deitou lágrimas no chão, enquanto seu corpo entrava em constante tremor devido aos choros.

— Tudo bem, eu te conto.

— Não precisa. Isso só prova que o senhor não confia em mim.

— Você não mudou nada desde aquela época. 

— Sabe, mestre… — Ela levantou seu rosto com olheiras. — Me dói saber que o senhor esteja me escondendo coisas. Meu coração se parte em pedaços. O senhor é como se fosse um segundo pai para mim e saber que mesmo o senhor está agindo dessa forma comigo, me machuca.

— Você provavelmente não vai acreditar no que eu vou te contar.

— Isso fica ao meu julgamento. — Baixou seus olhos entristecido. — Eu só quero que não esconda nada de mim, só isso… 

— Sophia, você acreditaria se eu te dissesse que o mundo em que você vive é uma ilusão, que, na verdade, a realidade pode ser bem mais assustadora do que você imagina?

— Do que está falando?

— Acreditaria se eu te dissesse que existem pessoas capazes de usar poderes sobrenaturais?

Sophia deu uma leve risada espontânea, com o rosto imbuído em profunda tristeza e olheiras decorrentes de litros de lágrimas.

— Era essa brincadeira de mau gosto que você estava escondendo?

— Tem razão. Quem acredita nisso, não é verdade? Desculpa, eu estava brincando. Vamos pensar em uma maneira de salvar Helena.

— Não, você não estava brincando.

O mestre se agachou e olhou profundamente nos olhos de Sophia.

— É a mais pura verdade, Sophia, neste mundo existem seres capazes de usar poderes sobrenaturais. 

— E o que mais?

— É uma verdade que estive escondendo por esse todo tempo, mas agora não vejo sentido em te esconder isso. É melhor que saiba.

— Supondo que o senhor esteja dizendo a verdade. Tem como provar?  Tem como provar isso? Eu sou daquelas pessoas que só acredita vendo.

— Já imaginei que fosse dizer isso. 

— O senhor vai mesmo continuar insistindo nisso só para não me dizer o que realmente esconde?

Liberar Aurimagia do vento.

Repentinamente, um terremoto abalou aquela sala, fazendo com que algumas rachaduras surgissem nos pilares. Sophia arregalou os olhos enquanto sentia seu corpo vibrante. Nunca havia presenciado isso antes, em toda sua vida, um terremoto jamais havia acontecido em Acácias.

Era algo que ela só lia nos livros, mas agora ele estava ali…

— O que é isso, mestre? O senhor é que está fazendo isso?

Após alguns segundos, o terremoto cessou e alguns soldados entraram às pressas no palácio, gritando pelo nome da rainha, que segurava sua cabeça devido ao balançar que havia sofrido.

— Rainha!

— Não se preocupem, ela está bem. Podem voltar aos seus postos.

— Mas…

— Façam o que ele disse. Fechem os portões e não deixem ninguém entrar aqui.

— Certo!

Os soldados balançaram as cabeças e voltaram aos portões, fechando-os.

— Ainda dúvida?

— Que bruxaria é essa?

— Não é bruxaria. É Aurimagia. Um dom natural que algumas pessoas possuem. É provável que seus soldados tenham sido derrotados por Aurimagia.

— Gerando terremotos?

— Gerar terremotos é algo opcional na Aurimagia para quem possui alto controle. Quando um indivíduo ativa sua Aurimagia, ele absorve a energia do núcleo da terra, acabando por gerar um pequeno terremoto em uma pequena área.

— Desculpa, mas ainda não consigo acreditar no que me fala.

— Creio que isso será o suficiente.

O mestre esticou a mão para a janela. Um grande vento que por ali entrou se reuniu em sua mão e, ele então, o direcionou a Sophia, que começou a levitar sob um pequeno tornado produzido pelo vento.

Sophia arregalava os olhos sem palavras enquanto se surpreendia com aquela demonstração sobrenatural.

O mestre cerrou o punho. O vento cessou. Sophia caiu de traseiro.

— Mestre…

Sophia, que estava com cabeça baixada, levantou-a, mostrando uma expressão severa enquanto encarava seu mestre severamente.

— Por que me escondeu isso?

— Para te proteger.

— Proteger de quê? — Sophia levantou-se. — Você sabia que Araque possuía esse poder em mãos?

— Sim.

— Então, por que… Por que não me disse nada? 

Os traços de Sophia foram se contorcendo.

— Eu não pensei que você fosse guerrear contra Araque. Quando recebi a carta da Sasha…

— Recebeu carta da Sasha? Não me diga que a Sasha também sabia disso?

— Eu posso explicar, acalme-se.

— Não me peça calma, mestre! Não peça calma!

— Eu te entendo. Mas foi para te manter longe do perigo.

— Eu sou uma criança de dois anos, por acaso? 

— Me deixe explicar.

— O que o senhor fez não tem explicação! Se eu soubesse disso, eu não teria enviado os meus soldados para guerra! O quão abalados eles devem ter ficado quando souberam que estava lutando uma batalha impossível? 

— Sophia...

— Não, mestre. Dessa vez, o senhor foi longe demais. — Lágrimas transbordam por suas bochechas, pingando sobre o chão prateado em uma melodia melancólica. — Tudo que disser não vai justificar o senhor ter escondido algo tão grave quanto isso. Eu sou a rainha desse reino droga! Até Sasha sabia disso e eu não!  Por acaso, Sasha tem mais poder do que eu?  Por acaso, Sasha é mais importante que eu?!

— Sasha não tem culpa de nada.

— E vocês dois devem ter zombado da minha cara esse todo tempo. Principalmente Sasha, que não fez nada para impedir que eu enviasse os meus soldados para a morte. 

— Sophia, você já não está mais tendo controle das palavras. Calma e respire.

— Eu só queria saber… — Caiu de joelhos. — Por que fizeram isso comigo? Se eu soubesse, não teria enviado nenhum deles para guerra... Teria pensado em outra solução. Que droga! — Começou a bater no chão sem parar, inconsolável. — Que droga!

O mestre se agachou e, quando tentou tocá-la, recebeu uma palmada na mão e um olhar furioso.

— Não me toque, mestre. Não me toque. Não me toque, porque eu te odeio do fundo do meu coração!

O mestre arregalou os olhos, incrédulo da rejeição que havia sofrido.

— Sophia...

— Sai! 

— Sophia se acalma.

— Guardas!

Sophia deu um grito em choros. Os soldados entraram às pressas.

— Rainha!

— Tirem esse homem daqui!

— Sim, senhora! Senhor, nos acompanhe...

O mestre saiu andando dali enquanto fazia uma cara entristecida para Sophia, que não parava de chorar. Seus gritos, enquanto segurava seu peito, como se o quisesse rasgar, ressoavam muito alto, quebrando o coração daquele homem em mil, enquanto aqueles homens fechavam a sala do trono.


                              (...)


                Uma hora mais tarde

Depois de passar cerca de uma hora encolhida em seu sofrimento, Sophia decidiu chamar seu mestre. Ela estava sentada no trono enquanto observava as portas da sala do trono se abrirem para aquele homem, cujos traços se contorciam à medida que se aproximava.

O homem parou entre dois pilares. A esta altura, as luzes que vigoravam naquela sala eram as dos candeeiros no topo do teto. Das janelas, depois dos pilares, só se podia contemplar um céu noturno com poucas nuvens vagando por ali.

— Já está mais calma?

— Sim. Peço desculpas pelas palavras que disse anteriormente, admito que exagerei. — Quando ela disse isso, um leve sorriso brotou no rosto do homem, mas o que ouvira em seguida o deixou triste. — Mas isso não vai anular a decepção que sinto por você neste momento, mestre.

— Você tem sua razão. 

— Quero que me explique... — Sophia tremia um das mãos. — Por que escondeu isso? De quê queria me proteger?

— Da liga de Aura.

— Liga de Aura?

— Sim. Uma organização grande que rege Aurimagia em todo o mundo. 

— Ainda não entendi... Que mal teria eu saber da Aurimagia? O que eles fariam?

— Sabe a guerra que ocorreu 400 anos atrás?

Sophia concordou com a cabeça e o olhou severamente.

— A liga de Aura instigou três nações para provocarem a guerra e escravizarem os Miorianos. Não foi somente por recursos ou ganância, fez tudo parte da agenda da liga de Aura. Eles é que financiaram tudo.

— Mas por que motivo? Que agenda é essa?

— Para manter o segredo sobre Aurimagia escondido.

— Mas o que isso tem a ver? Não entendi o que a escravidão de um povo tem a ver com manter o segredo de Aurimagia escondido.

— Para te explicar isso, preciso recuar um pouco mais no tempo. No passado, há magia existiu de verdade. — Ouvir aquilo fez Sophia ficar surpresa, mas depois daquela demonstração de poder, incrédula ela não ficaria. — Só que ela foi selada na grande luta por um dos magos e, como consequência desse selamento, uma grande energia se espalhou por tudo quanto é lado e alterou a genética dos humanos daquele tempo.

— Alterou a genética?

Sophia já estava começando a entender onde seu mestre queria chegar.

— Sim. Como a luta ocorreu na antiga grande Mioria, logicamente os Miorianos foram afetados em massa, ganhando a energia que conhecemos como Aurimagia.
 
— Então quer dizer que eu possuo Aurimagia?

— Você, como todos Miorianos. O número de pessoas que possuem Aurimagia se comparado aos Miorianos é muito ínfimo, por isso, para manter não só seu domínio, mas também impedir uma catástrofe global, eles escravizaram os Miorianos, privando-os de qualquer fonte de conhecimento possível.

— Eles foram longe demais... Se tivessem falado com os Miorianos sobre isso, creio que teriam possivelmente chegado a um acordo.

— Não seja ingênua, Sophia. O que uma nação tão grande como Mioria faria assim que soubesse desse grande poder? Certamente, se tornaria uma superpotência e possivelmente até escravizaria as demais.

— Isso ninguém tem como saber.

— E é por isso que eles não quiseram correr esse risco. Agiram primeiro e dominaram antes que o povo de Mioria pudesse dominar o mundo. Sem falar que Aurimagia magia envolve manipulação elementar, então não se podia prever quais impactos isso poderia trazer para o ambiente caso a nação que mais teve contato com Aurimagia como energia despertasse.

— E o senhor também escondeu isso de mim por que me acha perigosa, já que sou Mioriana?

— Não, Sophia. Se a liga de Aura souber que a rainha de Acácias possui Aurimagia em mãos, não te deixará em paz e você terá que viver sob o controle deles.

— Então, e o Araque? 

— Ele certamente pagará pelo que fez, provavelmente com a morte. O mesmo se aplicaria ao reino de Tirasul, Elinor.

— Então, eu sou a única rainha que não sabia disso? Por quê?

— Primeiro, por ser Mioriana. Segundo que nem sua família Acácias sabia disso, porque a família Acácias não tem Aurimagia em seus genes, portanto, seria impossível despertá-la e isso era conveniente. A liga ameaçou os demais reis de morte caso esse segredo escapasse. Além de possuir seus agentes secretos, ela tem uma máquina de detenção de Aurimagia para controlar os usuários em todas as partes do mundo. 
Por isso, Araque em hipótese alguma a atacaria.

— Então e os experimentos? Ele disse que queria dominar Acácias e Tirasul.

— Provavelmente, farto do domínio da liga de Aura, ele queira tentar passar Aurimagia para os soldados de sua nação que não possuem Aurimagia. Mas isso é impossível, liga de aura já tentou e não deu certo.

— Entendi. Como o senhor sabe de tudo isso? A liga de aura? 

— Porque sou um usuário de Aurimagia fugitivo, mas prefiro não tocar nesse assunto por agora.

— Certo. Depois de ouvir isso tudo, eu até entendo um pouco seus motivos, embora decepcionada. 

O mestre esboçou um leve sorriso.

— Alguém mais sabe sobre isso neste castelo além de Sasha?

— Garlick e Marlon.

— Os gêmeos? 

Mestre concordou com a cabeça.

— Por que? Helena falou com eles sobre a guerra e eles se recusaram a ajudar. Se eles tivessem lá, teríamos saídos sem muitas perdas. — Sophia cobriu o rosto com uma expressão triste.

— Sophia, aqueles gêmeos são fugitivos assim como eu e perderam suas casas, seu lar, sua família e amigos por causa de Aurimagia. Compreenda-os. Mas o fato deles não terem ajudado é porque provavelmente confiavam na Sasha, já que ela possuí Aurimagia.

— Ela não só sabe, como possui?

— Daí que eu acho que ela fez tudo que estava ao seu alcance para impedir esse massacre, mas provavelmente não esteve ao seu alcance. Ela foi a única Mioriana a qual confiei esse poder.

— Fez de tudo uma droga! Ela até se alinhou nessa guerra comigo, ficou bem perceptível na carta. Mas ela vai ter que me responder bem isso, isso eu vou tratar pessoalmente com ela!

— Escuta, Sophia. Você não precisa mais...

— Se envolver nisso? Ah, não. Agora que sei que Araque jogou sujo e usou Aurimagia para aniquilar meus soldados, não será a liga de Aura a matá-lo primeiro, serei eu!

— É perigoso demais.

— Quero que me ensine Aurimagia. 

— Sophia...

— Estou pouco me lixando para a liga de Aura! Se eles cruzarem o meu caminho, vou tratá-los de os eliminar, para que saibam que não se deve mexer com a rainha de Acácias!

O mestre suspirou.

— Mas e quanto à Helena? Eu posso fazer isso sozinho.

— Quanto dura um treinamento de Aurimagia?

— Vai depender do usuário. Existem aqueles que conseguem em 30 dias, outros em 40 e os prodígios que aprendem em aproximadamente duas semanas.

— Então eu me tornarei uma super prodígio, que aprenderá em menos de duas semanas. Se Araque capturou Helena, significa que não vai matá-la, ele tem outros planos.

Quando Sophia disse, um soldado entrou na porta às pressas enquanto carregava duas cartas em suas mãos.

— O que foi, soldado?

— Trago duas cartas de Aclasia!

— Duas?

Sophia esticou sua mão, recebendo aquelas duas cartas.

Sophia dispensou o soldado e lançou seus olhos para uma das cartas, em específico com o selo real de Aclasia.

— Araque deve adorar mesmo me provocar.



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