Volume 1
Capítulo 51: Por que...?
Tremendo de frio, ainda assim abraçadas, aquelas duas mulheres estavam inconsoláveis enquanto mergulhavam em suas lembranças com o rosto todo abatido, olheiras que realçavam o vazio nos seus olhos, lábios secos e pele cingida de feridas e arranhões.
— Mamãe, onde você está?
Helena arregalou os olhos, observando aquela menina que já havia pegado no sono sussurrar essas palavras. Apesar de sua força, ela não passava de uma garotinha...
Lágrimas deslizavam de seus olhos enquanto o corpo tremulava. Helena continuou afagando suas madeixas enquanto lançava palavras de calmaria aos seus ouvidos.
Ela franziu os olhos, mordendo seus lábios enquanto enfrentava aquela escuridão. Não tardou muito para que seus olhos soltassem lágrimas de sofrimento.
— Por que...
Cerrou um de seus punhos.
— Por que...
Ela havia perdido noites de sono para formular um plano perfeito, então por que... Por que tudo estava dando errado?
Por que seus soldados morreram?
Por que...
Helena ficou se enchendo de perguntas enquanto cobria seu rosto, até que ouviu passos ecoarem pelos corredores daquele calabouço subterrâneo. Passos que a faziam tremer de medo. Tudo era incerto naquele momento, seus inimigos a tinham em suas mãos e podiam fazer o que bem entendessem, que ela não tinha como revidar.
Saber disso causava uma grande frustração.
Badum! Badum! Badum!
Seu coração batia mais forte que o normal, à medida que sentia os passos mais próximos.
Logo ela pôde contemplar um rapaz acompanhado de duas pessoas à sua atrás. Um era um soldado, o outro Helena reconheceu de imediato, o senhor que vestia um jaleco e possuía cabelos bagunçados.
— Irmã!
O rapaz pegou na grade com as duas mãos, contemplando sua irmã repousando nas coxas daquela princesa.
O soldado abriu a porta da cela e empurrou aquele jovem, ainda com algumas ligaduras nos braços, para dentro da cela.
— Enquanto aguardam pela vossa vez, podem desfrutar de seu descanso, minhas cobaias — disse Albert enquanto o soldado fechava e trancava aquela cela.
— Por que está fazendo isso?
— Por poder e glória.
— Poder e glória?
Enquanto Helena processava essas palavras, Albert saiu andando enquanto o soldado o seguia por trás, seus passos desaparecendo em meio à escuridão, à medida que se distanciavam daquela cela.
— Nem adianta perguntar nada para esses lacaios malditos, são todos farinhas do mesmo saco!
Miomura encostou seu corpo na parede.
Helena voltou seus olhos para ele.
— Que bom que sobreviveu. Nada do que eu fizer será suficiente para pagar tudo o que fez por mim.
— Não, eu é quem tenho a agradecer.
Miomura desceu a parede vagarosamente, se sentando enquanto cruzava as pernas.
— Seus soldados defenderam o meu povo e isso não tem preço.
— É mesmo, o seu povo... Sinto muito.
Helena fechou seus olhos, lamentando.
— Eles sobreviveram.
— Como pode afirmar isso? Não viu o que aqueles monstros são capazes de fazer?
— Eu quero acreditar que todo mundo está vivo, o meu coração quer acreditar nisso, mesmo minha mente me dizendo outra coisa.
— Entendi. Queria ser assim também, mas hoje em dia não me resta nada, se não lamentar por ter arrastado meus companheiros para isso...
— Então já somos dois. Eu arrastei minha irmã para isso. — Miomura pegou sua cabeça e começou a contorcer seus traços. — Mas não tínhamos como saber que ia dar nisso. Se soubesse o inferno que me aguardava, não teria tomado nenhuma dessas decisões. Nunca pensei que o preço que eu teria que pagar pela liberdade seria tão alto.
— Essa é a pior parte da vida, as consequências das nossas decisões.
— Por que... Por que tem que ser assim? Eu só queria saber qual foi o pecado que o povo de Mioria cometeu.
Helena não teve resposta para aquilo, nem ela sabia o porquê aquilo tinha de acontecer com o povo de Mioria, a razão de sua escravidão.
No meio disso, os olhos lacrimejantes de Yara se abriram.
— Yara...
Quando ouviu essa voz, a menininha levantou-se bruscamente e arregalou os olhos quando enfrentou aquela pessoa. Um sorriso formou-se em seus lábios enquanto corria para os braços de seu irmão, um abraço caloroso como nunca havia lhe dado, em meio ao frio que agredia sua pele.
— Miomura, você está vivo! Você está vivo! Você está vivo!!!
Yara se desprendeu daquele abraço e pegou no seu rosto, o observando com olhos descrentes. Jurava que seu irmão havia deixado esse mundo, mas estava ali, inteiro, são e salvo.
Ela voltou a dar um abraço novamente enquanto despejava lágrimas.
— Nunca mais volte a se separar de mim! Eu senti tanto medo!
Miomura arregalou seus olhos. Pela primeira vez, sua irmã não estava sendo sua irmã de sempre, estava revelando uma parte frágil que possuía, a de uma menininha indefesa e com medo.
— Ah, o maninho está aqui. Então, não precisa mais ter medo. Dessa vez, eu prometo não me separar de você — Miomura emitiu isso enquanto afagava seus cabelos carinhosamente.
Vendo aquela cena, lágrimas saíram dos olhos de Helena, lembrando que havia deixado um irmão que também carecia de seus abraços.
— Henrique...
Um sussurro escapou de sua boca, atraindo a atenção daqueles dois irmãos.
— Princesa, venha...
Miomura esticou um de seus braços com olhos que emanavam tristeza em meio a um leve sorriso.
Relutante, princesa Helena se juntou àquele abraço caloroso, um abraço reconfortante que espantava para longe toda solidão presente ali. Mesmo em dor, a princesa sentiu-se amparada e acolhida por aqueles dois.
Mordeu seus lábios enquanto tentava suprimir suas lágrimas.
— Isso ainda não acabou... — Com sobrancelhas cerradas, olhos turvos, Miomura emitiu com uma voz irritada. — Eu ainda não desisti. Eu vou dar um jeito de nos tirar daqui e libertar o povo de Mioria de uma vez por todas!
— Conte comigo.
Helena anuiu com os olhos cerrados e uma voz fria.
Yara foi a única que não disse nada perante a determinação daqueles dois, havia perdido todas as forças e não queria nunca mais tocar em uma espada, apenas queria desfrutar de uma vida feliz com sua família novamente.
Esse era seu desejo.
Voltar aos dias de paz.
(...)
Vilarejo de Mioria
Pés cansados se arrastavam pela terra e só pararam quando chegaram à porta. Gotas de suor eram derramadas ali e aqui enquanto este Mioriano empurrava a porta. Suspirou ofegante. Seus olhos se encontraram com os de uma mulher, que caminhava, cantarolando pela sala de estar com uma vassoura que levantava poeira.
— Irmão, chegou em boa hora!
Com passos cansados, ele se sentou em um banco e pegou no jarro, entornando água no copo que estava ali na mesa.
— Que cansaço! A comida já está pronta?
Quando ele disse isso, sua barriga emitiu um som.
Rowr!
Maria se aproximou dele e sussurrou no ouvido.
— Ele acabou de acordar e, sabe, eu não tive coragem para falar com ele. Então, ainda bem que você chegou na hora.
— Ainda bem mesmo! Poxa, Maria. Ele não vai te morder.
Gabriel se levantou e caminhou até o quarto com passos lentos, mas com uma preocupação eminente em seu olhar.
Puxou a porta do quarto e adentrou nele. A sua atrás estava sua irmã, que não parava de morder as unhas enquanto observava aquele homem ali na cama, olhando para eles.
— Quanto tempo se passou?
— Viu só... — Maria deu um sussurro. — Ele tá de mau humor, nem deu bom dia.
— Mas já é entardecer, Maria.
Gabriel deu um sorriso torto e voltou seus olhos severos para aquele homem, enquanto andava em direção a ele, acompanhado de sua irmã.
— Dez dias, senhor.
— A guerra?
— Acabou, senhor.
— Entendi. Quem venceu?
— Ao que tudo indica, Aclasia, senhor.
— Entendo. Agora, me explica... — Seus olhos ficaram frios, o que causou um arrepio na Maria, que se escondia atrás do irmão enquanto segurava seus ombros. Gabriel engoliu em seco. — Por que eu estou no vilarejo dos escravos?
— Bem, acontece que, bem... Não tivemos escolhas, sabe?
— Como assim?
— Não havia ninguém para o socorrer naquele momento, então nós tomamos atitude de socorrê-lo e levá-lo ao vilarejo para fazer os primeiros socorros, para que o senhor não morresse.
— Compressível. Mas já se passaram dez dias, correto? Por que não chamaram algum soldado para vir me buscar?
Gabriel engoliu em seco novamente enquanto ouvia os sussurros de sua irmã.
— Eu disse, não disse, Gabriel?
— E, você, dá para parar de sussurrar?
— Eu? Sinto muito, vou me retirar agora mesmo!
— Não faça isso.
— Tá bom, não faço!
Maria assentiu com uma expressão de seriedade.
— Desculpem se estou soando frio, mas essa é a minha maneira de interagir. Sintam-se à vontade, que eu não mordo.
— Obrigada! — Maria soltou um sorriso gentil, ficando com o coração mais confortável. — Eu sabia que o senhor era boa pessoa!
— Boa pessoa, é?
— Bem, acontece que tivemos medo, sabe… De sofrermos algum castigo, então o mantemos aqui até que acordasse.
— Compreendo. Bem, muito obrigado por tudo, mas agora já podem informar para que um soldado venha me buscar, que eu garanto proteção a vocês.
Gabriel e Maria sorriram.
— Mas esperem um pouco, pensando bem agora, não façam isso.
— Por que mudou de ideia tão rápido?
Gabriel perguntou.
— Por que escravos salvariam um capitão tirano ao invés de deixá-lo para morrer? Vão logo saber que tenho uma relação com vocês e isso não só prejudicará a mim, como a vocês também.
Gabriel arregalou os olhos e sentiu um alívio no peito por não ter ouvido sua irmã.
— Viu só, Maria?
— É, não tinha pensado por esse lado.
— Acho que dentro de dois ou três dias estarei completamente melhor. Não sei o que fizeram, mas está produzindo um excelente efeito em meu corpo.
— São ervas, normalmente as usos para tratar gente ferida do meu povo! As ervas de Mioria são as melhores! E claro, uma dose de oração!
— Entendi. Vocês conhecem o Florento, não é?
— Não é o rapaz da sopa?
Gabriel deu um sorriso torto ouvindo isso de sua irmã.
— Sim. E até tentei entrar em contato com ele, mas não consegui. Pior com os oficiais que estão todos aborrecido, nem dá para perguntar nada.
— Voltaram aos trabalhos?
— Sim. Enquanto alguns ficam encarregados da limpeza da cidade, os outros ficam encarregados pela reconstrução de algumas casas e muralhas danificadas.
— Faz sentido. Certo. Muito obrigado por responder minha pergunta.
— Se importa se eu lhe pedir algo?
— Peça.
— O senhor tem como ver se os meus amigos estão bem quando chegar à cidade de Aclasia? É que eles estão há dez dias sumidos.
— Dez dias? Não estão mortos? Ah, entendi. Deve ser tanta gente que morreu do seu povo que vocês não conseguiram encontrar os corpos de seus amigos. Mas...
— Por incrível que pareça, ninguém morreu... Todas as pessoas do nosso povo sobreviveram.
Maria deu um sorriso.
— O quê?!
Melquiore arregalou os olhos.
— Até o fim, o povo de Acácias nos protegeu até o fim. No instante em que os soldados de Aclasia estavam prestes a nos aniquilar, os soldados de Acácias empunharam suas espadas em nossa defesa.
— E isso só foi possível graças ao Criador!
— Entendi. Então, foi isso que aconteceu.
— Só não entendo uma coisa... O povo de Acácias estava ganhando a guerra, eu vi como eles eram numerosos e acabavam com os soldados Aclasianos, então por que eles não ganharam? Se é que me entende.
— Você não viu como terminou a guerra?
— Infelizmente, não. Fomos um dos primeiros a chegar no vilarejo para prestar primeiros socorros ao senhor.
— Que bom.
— Que bom?
— Sim.
Melquiore concordou com a cabeça, o que causou estranheza em Gabriel, mas como não queria acabar criando algum desentendimento, ele ignorou isso e prosseguiu.
— Mas bem, voltando ao assunto dos meus amigos, sabemos que eles não estão mortos porque nenhum deles participou da guerra. Então, onde eles estão?
— Seus amigos, por acaso, são aqueles dois mascarados daquele dia?
— Isso mesmo. Ambos são irmãos.
— Tem mesmo a certeza de que não participaram da guerra? Nem que seja disfarçados?
— Miomura e Yara jamais fariam algo perigoso assim — disse Maria. — Por que eles iriam tão longe assim?
— Eu tenho fortes suspeitas de que tenham participado da guerra. Porque, em um dos momentos em que flechas estavam sendo lançadas para o campo de batalha, havia algumas que acertavam soldados Aclasianos. E um dos Miorianos afirmou ter visto uma baixinha de máscara em frente ao portão.
— Não, Gabriel. Não fale isso... — Maria arregalou os olhos, contorcendo seus traços em uma expressão de aflição. — Tudo menos isso.
— Então, temos três possíveis opções. Primeira, eles morreram e seus corpos foram recolhidos como se fossem Aclasianos. — Melquiore levantou o primeiro dedo, depois o segundo. — Segunda, eles estão vivos e acabaram ficando presos na cidade de Aclasia. E a terceira, não existe. Não consegue pensar numa.
— É a segunda opção! Eles estão vivos! — Maria dizia em lágrimas. — Eles irão voltar para nós, não é, Gabriel?!
— Claro, com certeza!
Gabriel deu um sorriso, mas, no fundo, estava temendo o pior.
"Terceira opção, eles encontraram a divisão de extermínio de Aclasia e morreram."
Melquiore olhou friamente para aqueles dois irmãos.