Volume 1

Capítulo 50: Alegria e tristeza, uma terrível coexistência

Suspiros frenéticos, palavras tecidas por lábios, braços levantados aos céus, assim prosseguia o clamor daquele povo que, mesmo em meio ao cansaço, à dor e ao desespero, continuava buscando por uma intervenção divina.

Neste momento, os braços de Maria eram apoiados por duas Mioriana enquanto ela continuava clamando com ousadia e convicção até o momento em que começou a tossir.

— Água, por favor, água…

Imediatamente, Maria foi atendida por um copo de água enquanto o vento arrebatador que os cercava soprava para bem longe deles, indo para o desconhecido.

— Por quanto mais tempo precisamos orar?

— As pessoas estão cansadas.

— A carne é fraca, mas o espírito está pronto. Vamos continuar orando até que eles voltem! Deus é o único que pode nos ajudar!

Com essas palavras, algumas das pessoas que haviam sido tomadas pelo cansaço, quando pretendiam retornar à oração, se deparam com uma visão bem ao longe.

— Estão vendo o que estou vendo?

— Nossos familiares!

Com olhos arregalados, sorrisos que se misturavam com lágrimas, gritos ressoaram enquanto seus parentes avançavam desesperadamente aquelas pessoas que se aproximavam dali.

— E não é que Deus ouviu nossas orações?

— Nunca duvide dEle.

Maria se levantou com um sorriso no rosto enquanto lágrimas tomavam conta de seu rosto ao ver multidão de pessoas que aumentava mais e mais, sinalizando que muitas pessoas de seu povo haviam sobrevivido à guerra.

— Mas e os nossos parentes? Não os vejo.

Maria e Jeziel correram para a multidão e começaram a procurar por seus parentes enquanto contemplavam familiares se abraçando em meio às lágrimas.

— Algum de vocês viu o Gabriel?

— Algum de vocês viu o meu pai?

As indagações de Maria e Jeziel sequer eram respondidas, cada pessoa só queria saber de receber seus familiares.

— Essa não, Maria. Será que aconteceu algo com eles? Justo nós que tomamos tanta iniciativa!

— Não perca a fé e a esperança, vamos encontrar eles!

Dito isso, elas continuaram a procurar incessantemente pela multidão até encontrarem Thomas e os demais que estavam no meio da multidão.

— Ei, vocês viram os nossos parentes?

— A verdade é que…

Jota e Thomas fizeram uma cara tão triste, que fez o coração daquelas mulheres começar a acelerar em perplexidade do que poderia ter acontecido.

— Eles voltaram! Hahahahah!

Thomas deu uma risada triunfante enquanto erguia seus braços, descansando o coração daquelas duas.

— Por um milagre, todo mundo sobreviveu! Ninguém do nosso vilarejo morreu!

Ambas soltaram suspiros de alívio e sorrisos genuínos.

— Mas, precisa de tanto suspense para isso tudo? Hã?

Jeziel fez uma cara carrancuda para aqueles dois enquanto batia um dos punhos na palma da mão.

— Bem, é que… — Enquanto Jota tentava reunir palavras, Thomas interviu com um sorriso meio torto.

— Do que estão à espera para vê-los? Eles estão à vossa espera lá na casa da Maria!

— A vossa sorte é que a saudade falou muito alto!

Jeziel avançou enquanto Maria a seguia por trás.

— Adeus, garotos! E muito obrigada pela informação!

Com sorriso, aqueles dois observaram aquelas duas curvarem a esquina de uma casa enquanto mais pessoas ofuscavam sua visão.

— Será que eles tomaram a decisão certa fazendo aquilo?

— Não sei, Jota. Não sei e nem quero pensar nisso.

Thomas assumiu um semblante frio e seguiu andando pela multidão enquanto seu amigo o seguia por trás, em meio aos gritos de euforia liberados por aquela gente em uma explosão de emoção.

                             (…)

Depois de tanta correria, muitos suspiros, Maria e Jeziel finalmente chegaram à casa, onde encontraram a porta aberta e inúmeras pegadas frescas envoltas ao quintal que evidenciava que gente havia adentrado ali.

Não perderam tempo e entraram às pressas, com os corações nas mãos.

A primeira vista, contemplaram Rymura tomando uma água enquanto sentava em um banco na mesa.

Seus olhos se encontraram.

— Meninas! Bons olhos a vejam!

— Tio Rymura, o meu pai!

— Aqui!

Mirio apareceu na porta. Logo em seguida, Gabriel, que roubou um sorriso do canto dos lábios da Maria, que não aguentava mais de tanta emoção.

As duas correram como uma criança correndo atrás de um doce, seu abraço também foi assim… Doce e caloroso, uma sensação inexplicável de alegria que havia brotado em seu coração em meio aos braços entrelaçados, em meio aos sorrisos cintilantes.

Lágrimas verteram de seus olhos.

Rymura também sorriu, observando aquela cena, ansiando dar um abraço igual aos seus queridos filhos.

— Bom…

Enquanto envoltos naquele abraço, direcionaram seus olhos para Rymura que carregava um copo na mão.

— Também preciso voltar para casa para abraçar meus filhos. Mal posso esperar por vê-los!

— Então vamos juntos, quero matar de uma vez por todas as preocupações da minha esposa e meus pequeninos e dar um abraço bem-dado neles!

— Olha, uma coisa que pensei agora. Eu não vi o Miomura durante a guerra.

— E a Yara? Eu também não vi ela. Fui à casa e a encontrei vazia.

As palavras proferidas por pai e filha provocaram um leve desconforto naquele pai. Seus traços se contorceram em uma expressão de preocupação.

— Devem estar juntos e se escondendo em algum lugar!

Maria animou o ambiente.

— Afinal, se o Miomura não está na guerra, é porque procurou um lugar seguro para se esconder.

— É mesmo — Rymura sorriu, confortado. — Obrigado, Maria! Suas palavras deram fim à minha preocupação!

— Seus filhos são espertos, não são, Rymura?

— É mesmo!

— Uma coisa que me intriga… Quem foi que abriu o portão para a gente e derrubou aqueles soldados? Eu vi por um leve instante um mascarado. Será que foi ele?

— Quem quer que seja a alma bondosa, temos de estar gratos.

— Desculpa, como era o mascarado?

Gabriel perguntou.

Hum, não me lembro bem. Mas o cara parecia ser baixinho, não sei se foi pela distância.

Hum, entendi.

— Gabriel, por que ficou pálido de repente? — perguntou Maria, olhando fixamente para a pele do seu irmão que havia abruptamente sofrido algumas alterações.

— É emoção, Maria. Quando estamos emocionados, tendemos a ficar pálidos.

— Mesmo?

— Bom, já vamos!

— Fiquem bem!

Com essas palavras, Rymura, Mirio e sua filha foram embora daquela casa, deixando aqueles dois irmãos a sós.

— Maria, venha comigo.

Gabriel entrou pela porta de um dos quartos enquanto sua irmã a seguia.

— O que foi?

Quando entrou dentro do quarto, Maria se deparou com uma visão que fez seus olhos ficarem arregalados enquanto pressionava sua mão contra o peito, toda trêmula.

Um homem com vestes de soldados que tinha um lençol cobrindo seu corpo estava deitado naquela cama feita de palha.

— Mas esse não é o capitão? O que ele está fazendo aqui?

— Sente-se, porque a história é longa.

Gabriel emitiu enquanto observava aquele homem.

                                 (…)

                     10 dias depois

                   Reino de Acácias

Em um jardim florido, rainha Sophia, em seu vestido verde, sentava em um banco de madeira, tecendo uma melodia baixinha enquanto retirava as pétalas de uma rosa carmesim e as jogava no chão com olhos que mesclavam preocupação e ansiedade.

Depois que arremessou uma última pétala vermelha no chão, passos apressados que ressoavam pelo gramado acabaram por atrair os olhos de Sophia, que encontraram um dos seus soldados que guarnecia o portão da sala do trono.

Ele parou, suspirando ofegante enquanto agarrava ambos os joelhos.

— Rainha Sophia!

— O que foi, soldado?

Sophia já se preparava para a possível notícia sobre seu exército. Levantou-se e o olhou severamente enquanto se recompunha.

— Os soldados acabaram de retornar, minha rainha!

Seu coração acelerou e um sorriso se formou em seus lábios.

  — Perfeito. Isso quer dizer que logramos sucesso, correto?

Quando ouviu rainha falar desse jeito, com essa expectativa tão confiante, o soldado arregalou os olhos e não evitou fazer uma expressão que mesclava tristeza e medo.

— Onde estão os soldados? Me leve até eles.

Sophia seguiu caminhando pelo relvado enquanto seu soldado a seguia por trás. A cara dela já dizia tudo, mas ainda assim, por alguma razão, ela queria ter esperança.  Esperança de que tudo havia dado certo.

    
                          (…)

Quando as portas da sala do trono foram abertas, Sophia pôde contemplar cinco soldados ao redor de um tapete carmesim que parecia estar enrolando um corpo. O rosto de seus soldados estava imerso em uma profunda tristeza enquanto a contemplavam chegar.

Os traços da rainha contorceram-se em uma expressão de pavor enquanto arregalava os olhos diante daquela cena que ia contra suas expectativas.

— Desenrolem o tapete — Sophia disse com uma expressão fria, mas ainda contendo traços de medo.

Mais do que qualquer coisa, temia que aquele corpo fosse de sua irmã.

Em um profundo silêncio, os soldados começaram desembaraçar o tapete carmesim rapidamente, dando fim à ansiedade que Sophia sentia enquanto segurava seu peito fortemente.

Um corpo masculino havia sido apresentado aos seus olhos, seu rosto estava pálido e perfeitamente conservado.

Apesar de não ser sua irmã ali, seu coração não se deteve, quebrou-se em mil.

Ela agachou-se levemente e começou a tocar no rosto frio daquele homem, tão frio que um arrepio percorreu seu corpo.

— O que aconteceu com Helena?

— Ela foi levada como refém pelo exército inimigo.

— Entendi. Como perderam a guerra?

— Bem…

Com uma expressão triste, fragmentos de algumas lembranças apareceram na sua mente, trazendo-lhe angústia à medida que contava.

                             (…)

                     Dez dias atrás

O sol em seu ápice era refletido na espada deste soldado Acaciano que rasgava rapidamente as entranhas de seu inimigo, avançando para outro e mais outro enquanto suas vestes e rostos ganhavam o sangue daqueles que tera roubado a vida.

Maior parte dos soldados Aclasianos havia caído por terra. Todos os escravos já haviam desaparecido do campo de batalha graças aos Acacianos que acabaram por lutar por eles, havendo sentindo pena daquela gente que não carregava culpa nenhuma.

Com poucos soldados Aclasianos, o caminho estava livre para iniciarem uma invasão aos portões abertos de Aclasia, quando duas mulheres apareceram do nada.

Pelas vestes, só podiam ser guerreiras.

A que possuía cabelos brancos e olhos azuis carregava um homem que todos os soldados Acacianos reconheceram assim que o viram.

— O vice capitãooooo!

Os soldados não perderam tempo e foram atacar aquelas duas mulheres, no entanto, dois homens, um com uma catana e outro com duas facas, saíram detrás daquelas duas e começaram a acabar com os soldados Acacianos rapidamente. Um atrás do outro, tendo uma morte grotesca, o que gerou pavor nos que haviam sobrado.

Eles podiam dizer que só aqueles dois possuíam uma força que valesse por uma frota inteira.

Quando se lembraram dos experimentos, relutantemente recuaram enquanto enfrentavam com raiva aqueles dois homens, cujas armas estavam manchas de sangue.

— Ainda pretendem lutar?

A voz veio da mulher de cabelo branco, que começou a avançar entre escombros de corpo enquanto carregava o corpo do vice capitão.

— Sua capitã foi capturada. Seu vice capitão está morto. Seus companheiros estão mortos. Ainda assim, pretendem lutar?

Os soldados pegaram na sua espada e franziram as sobrancelhas.

— Eu matei todos os soldados que entraram em Aclasia e derrubei vossa capitã.

Os soldados, descrentes, se recusaram a acreditar naquilo, lançando palavras de insultos e incredulidade contra aquela mulher, que jogou o corpo do seu capitão na frente deles.

— Estou lhes dando chance de retornarem por conta de uma promessa que fiz ao vosso vice capitão, caso não, ninguém voltaria vivo para contar a história.

Rangendo os dentes de raiva, os soldados pegaram o corpo de seu vice capitão e baterem em retirada enquanto aquela mulher que segurava uma espada em mãos os observava com olhos frios. Logo em seguida, os elevando aos céus.

— Você e essa sua maldita promessa, francamente.

Maísa se aproximou dela.

Mas Valquires nada disse.

                           (…)

— … E aqui estamos, rainha. Inacreditavelmente, o corpo do capitão, dentre todos os que pretendíamos trazer, foi o que se manteve intacto durante dez dias.

— Entendi.

— Vossa majestade estava certa. Eles têm mesmo uma ligação com aqueles experimentos. Aquela força para mim não foi normal.

— Retirem-se e entreguem o corpo do vice capitão à sua família. Depois disso, fiquem em prontidão e aguardem as próximas instruções.

Os soldados bateram em continência e enrolaram o corpo no tapete, o colocando sobre seus ombros enquanto assumiam um semblante triste, alguns até não conseguiram evitar as lágrimas de cair.

— Rainha… — emitiu o soldado que estava carregando o corpo na retaguarda enquanto observava Sophia de joelhos com os cabelos soltos que escondiam toda e qualquer expressão de tristeza que fazera.

— Diga.

— Vossa majestade vai ficar bem?

Ao ouvir essa pergunta, Sophia arregalou os olhos, mas logo deu um sorriso forçado.

— Claro… Eu sou a rainha. Tenho que manter minha postura firme até em notícias tristes.

Dito isso, os soldados retiraram-se. As portas fecharam-se, fazendo ressoar uma melodia dolorosa pelos ouvidos daquela mulher que tremia os ombros enquanto gota por gota de lágrimas que restringiam até agora caíam por aquele chão prateado, seu reflexo relevando sua verdadeira face.

A de uma melhor completamente abalada.

Sophia colocou a mão no decote e, com rapidez, rasgou um bocado das suas vestes, começando a chorar desesperadamente enquanto olhava para o retrato de sua família pendurado na parede lateral rente ao seu trono.

— O que fui fazer?
Eu sabia, eu sempre fui uma péssima rainha…! — Mordeu os lábios amargamente enquanto puxava seus cabelos, atormentando-se com mais dor do que já podia suportar. — Eu… Eu sou um monstro… Aaaaaaah! — Sophia deu um grito que se misturou com suas lágrimas enquanto segurava seu peito fortemente.

As portas da sala do trono abriram, atraindo os olhos de Sophia, imersos em lágrimas, mas ainda podendo contemplar aquela pessoa que se aproximava.

— Por que você está aqui?



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