Volume 1

Capítulo 49: Reclusos

— Eu não posso morrer aqui…

Miomura se via congelado no ar enquanto apalpava suas mãos de um lado para outro, tentando de alguma forma chegar à terra firme.

Estrondos tomaram conta dos céus tingidos de nuvens cinzentas, que anunciavam um eminente prenúncio de chuva.

— Alguém me ajude…

Miomura direcionava seus olhos por tudo quanto era lado, mas só encontrava o sorriso implacável daquela mulher enquanto erguia uma das fechas para o vento.

Lágrimas se misturam com o sangue que fluía por seu corpo.

— Pai, Yara, Gabriel… Onde estão vocês? Por favor, me ajudem!

Sua voz continuava lançando eco por aquela praça enquanto aguardava desesperadamente por uma resposta.

— Que fofo, gritando por ajuda. Ninguém vai te ajudar!

Quando aquela mulher disse essas palavras, seus olhos contemplaram a rápida aproximação daquela flecha em direção ao seu peito.

— Esse é o seu fim!

— Nãooooo!

                           (…)

Todo assustado, Miomura despertou com os olhos arregalados, enfrentando uma realidade diferente daquela que tivera em mente. Pelo que podia ver, um candeeiro dourado que espalhava luz por aquelas paredes brancas estava preso ao teto.

Descartou de imediato a hipótese de estar em seu vilarejo. Levantando um de seus braços, contemplou ligaduras, na verdade, quase todo seu corpo estava coberto por aquele tecido branco.

— Já acordou?

Seus olhos foram imediatamente direcionados para seu lado direito, contemplando uma mulher de madeixas negras sentada em uma cadeira enquanto observava um livro aberto em mãos.

— Sua bruxa…

O pouco que Miomura emitiu fez sua boca doer.

— É assim que agradece alguém que te salvou?

Maísa levantou-se e repousou o livro na cadeira, aproximando-se da cama daquele jovem.

— O que era aquilo? Como você me fez voar? — Os traços de Miomura foram se contorcendo conforme lembrava das últimas imagens que passavam na sua mente. — Por acaso, você é humana?

— Eu entendo você perfeitamente. Afinal, é a primeira vez que vê o sobrenatural ao vivo.  Comigo também foi assim.

Repentinamente, lhe vieram pensamentos sobre sua irmã, que lhe colocaram em desespero. Tentou se levantar daquela cama, mas seu corpo dolorido ainda relutava.

— Minha irmã! Onde ela está?!

— Eu não te salvei para você me fazer perguntas. Você aqui é o interrogado.

Miomura reuniu seus traços e fez uma expressão de nojo enquanto rangia os dentes.

— Eu não tenho nada a declarar para um monstro como você!

— Entenda que não está em condições de falar isso. — Maísa sorriu enquanto afagava seus cabelos bagunçados.  — Deveria me agradecer, por ainda estar respirando, sabe? Não foi fácil convencer Valdes para que eu te deixasse vivo por mais um pouco.

— O que você quer de mim?

— Assim que eu gosto! — Ela largou seus cabelos e distanciou-se um pouco enquanto sorria. — Bom, quero que você me responda algumas perguntas.

— Respondo a tudo, desde que você também responda as minhas também.

— Eu já não disse que você não está em condições de impor nada?

Miomura deu um sorriso travesso, que deixou Maísa estranha.

— Eu já estou com um pé na cova mesmo, não vai fazer diferença se eu levar tudo que sei comigo. Informações preciosas que apenas eu sei.

— Eu posso te torturar, sabia?

— Meu corpo já sofreu tanto nessa vida, que não fará diferença se sofrer mais um pouco antes de eu dar o adeus a esse mundo.

Ouvir aquilo mexeu um pouco com os traços de Maísa.

— Certo, tudo bem. Vou jogar seu joguinho.

— Primeiro, eu faço as perguntas.

— Sem problemas.

Miomura deu um sorriso confiante por dentro por haver dominado aquela mulher, mudando a situação ao seu favor.

— O que aconteceu com minha irmã?

— Ela está presa.

— Onde?

— Na última cela. Uma prisão antiga que fica no subsolo do castelo.

— A princesa também está lá ou vocês a mataram?

— Também está lá, aguardando sua morte.

— Agora me responda, o que foi aquilo? Aquele poder que você usou.

— Acabaram as questões. Minha vez agora e se reclamar, te mato imediatamente e faço sua irmã sofrer antes de matá-la.

Quando ela disse isso, seu rosto ficou tão tenebroso que Miomura engoliu em seco. Sempre que aquela mulher fazia aquela cara, era sinal de que ela não estava brincando, aquela era sua verdadeira face.

— Dito isso, comporte-se e me diga tudo, sim?

Maísa deu sorriso angelical, colocando a mão contra o peito.

"Tse, maldita…"

— Pergunte o que quer perguntar.

— Quem te ajudou a se infiltrar em Aclasia como soldado?

Miomura contou que um soldado chamado William havia o ajudado a se infiltrar em Aclasia. Acrescentou que, um dia após ter afrontado os capitães, correu desesperadamente ao portão, assassinou um soldado e encontrou um soldado metade Mioriano chamado William, que o ajudou em tudo para que pudesse alcançar a liberdade do povo de Mioria.

Uma meia verdade.

Hum, não é que faz sentido?

— Foi isso mesmo. — Miomura deu um sorriso.

— Mas por que você o dedurou assim do nada? Não estaria o colocando em perigo desse jeito?

— É porque eu o matei.

Wow? — Maísa ficou boquiaberta, colocando a mão rente aos lábios. — Matou seu próprio companheiro que o ajudou?

— Eu temia que ele me apunhalasse, então não tive escolha. Ele disse que, apesar de estar me ajudando, não desejava a liberdade do povo de Mioria, apenas que se salvassem da guerra e continuassem servindo o reino.

— Caramba… Ainda tenho minhas dúvidas, mas o jeito que você fala parece tão real. Tudo bem, vou acreditar nisso.

Miomura deu um sorriso triunfante em seu interior.

— Bem, agora que você respondeu aos meus questionamentos, te desejo uma boa viagem ao Hades. Foi um prazer te conhecer… Ah, é mesmo? Nem perguntei seu nome. Mas eu podia jurar que Valdes tinha falado.

— Por que…

Ah, sim! — Maísa estalou os dedos. — Miomura Mioria!

— Por que roubam a liberdade do meu povo? — Ele cerrou seus lábios enquanto franzia os punhos enfaixados.  — Nós só queremos ser livres…

— Miomura, não é? Seu povo não pode ser livre.

— Por quê? Me diz, por quê?

— Se te conforta… — Maísa falou enquanto lhe dava as costas. — É porque ele carrega uma maldição.

— Maldição?

Miomura apenas recebeu passos como resposta. Maísa se adiantava para fora daquele quarto enquanto aquele jovem lhe fazia perguntas.

— Que maldição, responda! Que pecado cometemos para que fôssemos escravos, para que a nossa terra fosse roubada? Me diga, o que fizemos?!

Miomura teve como resposta um blam que a porta fez quando fechou. Seus olhos vertiam lágrimas enquanto ele batia o punho naquelas cobertas desesperadamente, aguardando a resposta que àquela mulher havia lhe negado.

                             (…)

Enquanto isso, em um profundo subsolo, onde ficava a pior cela de Aclasia, duas mulheres se viam imersas em um profundo breu, entregues ao desespero que aquele lugar trazia. Um lugar cuja melodia tocada era o som de roedores e outros animais imundos que ali passavam, junto a pequenas gotículas de águas que pingavam sobre as crateras geradas no chão.

Tremendo de frio, seus corpos eram o único calor que podiam conseguir para se manter vivas. Estavam abraçadas enquanto compartilhavam do mesmo lamento, seus rostos expressando profunda melancolia.

— Eu… Eu nunca mais quero tocar em uma espada.

Lágrimas fluíam dos seus olhos enquanto lembranças daquele momento em que sua vida esteve por um fio atravessavam sua mente como espinhos que atormentavam seu corpo.

Seu coração continuava acelerado.

Com uma expressão vazia, olhos secos, Helena afagava os cabelos daquela garotinha trêmula de medo.

— Já passou. Já passou.

Essas eram as únicas palavras que Helena conseguia dizer para a garota, as mesmas palavras que também lhe serviam de consolo.

— Eu quero morrer logo. 

— Não… Você ainda precisa voltar para os seus familiares.  Eles ainda precisam de você.

As palavras de Helena nunca soaram tão vazias como agora, já que possivelmente a família restante daquela garotinha estivesse a sete palmos da terra.

Apesar de saber disso, ainda assim, queria dizer aquilo como uma forma de confortar as duas.

"Estou contando com você, Sasha."

Helena continuou enfrentando aquele breu com olhos, que ainda continham um pouco de brilho.

                             (…)

               Algumas horas antes

Os portões abriram-se. Passos carregados de sangue ressoavam por aquelas quatro paredes, atraindo imediatamente a atenção do rei que se encontrava sentado em seu trono, trocando conversa com sua filha, acompanhada de sua serva, na presença de seu servo de jaleco.

Atrás daquelas mulheres amarradas por fortes correntes estavam Valdes e mais um homem encapuzado com uma expressão extremamente fria.

— Mas o que vem a ser isso?!

O rei arregalou os olhos quando a mulher de cabelos dourados levantou sua cabeça, lançando seus profundos olhos verdes sobre ele.

— Helena Acácias…

— A guerra acabou e esse foi o resultado, meu rei.

Valdes fez a reverência.

Um sorriso largo se formou no canto dos lábios do rei.

— Perfeito. Mas quem é essa mulher?

— Uma imunda do vilarejo de Mioria que se infiltrou em nosso campo de treinamento junto de outro imundo.

— E por que não a mataram? Por que trouxeram esse lixo à minha presença?

— Achei por bem o rei ver o rosto da intrusa. Não a matamos porque ela ainda está sob investigações. Suspeito fortemente que algum soldado Aclasiano de patente alta esteja envolvido nisso.

— Certo, ache esse imundo e livre-se dela.

— Se se importa, senhor. Gostaria que essa garota servisse de cobaia para os meus experimentos antes que a matem.

Quando ele disse isso, Yara arregalou os olhos.

O rei direcionou seus olhos ao Albert.

— Faça o que quiser.

— Então é isso, não é?

O rei voltou seus olhos à mulher que falava.

— … Esses poderes sobrenaturais… É tudo resultado do vosso experimento, não é?

— Valdes?

O rei olhou friamente para Valdes.

— Ao que parece, Maísa exagerou um pouquinho.

Araque suspirou.

— Só foram elas, não é?

— Sim, senhor.

— Entendi. — O rei voltou seus olhos para o Albert.

Ele assentiu, balançando a cabeça afirmativamente.

— Srta. Meldyn e serva, por favor me acompanhem.

— Sobre os poderes sobrenaturais? Não é segredo para mim.

— Meldyn, obedeça e não me faça perder a pouca calma que ainda me resta.

— Escuta, pai, se pretende eliminar a Sasha, eu não vou permitir, jamais! Pode fazer o que quiser com seus reféns, só não toque na Sasha!

Meldyn agarrou os braços da serva.

— Então, tem guardado o segredo até mesmo de seus servos?

Ah, tanto faz. Serva, se tudo que for falado aqui sair daqui por qualquer motivo que seja, não só você, mas seus parentes também pagaram com a vida!

Ela encurvou seu rosto e emitiu com uma voz repleta de pavor.

— S-Sim, senhor!

— Maldito! Não importa quantos poderes sobrenaturais tenha ao seu dispor, minha irmã com certeza virá e te eliminará! A irá da minha irmã é mais forte que um trovão!

— Quem liga para irá da sua irmã? Quando eu posso acabar com seu reino a qualquer momento!

— Nem que tenha que mover céu e terra, minha irmã vai dar um jeito de te destruir. Isso eu posso te garantir. Ainda próxima, depois que ela souber da minha morte.

— E quem disse que você vai morrer?

Hã?

— Albert, use-a como sua cobaia também e quando acabar, mate… Ou melhor, pensei em algo melhor. Farei um banquete especial celebrando minha vitória sobre Acácias e aproveitarei a ocasião para fazer uma execução pública. De tal modo que todos percebam que jamais devem mexer com a nação de Aclasia!

— Excelente ideia, meu rei.

Albert sorriu.

— Taí uma ideia que eu gostei, se me perdoa a expressão, majestade.

— Farei questão de convidar Sophia para esse evento. Assim, aproveito para dar um fim nas duas.

— Vamos, Sasha.

Meldyn arrastou sua serva pelo braço.

— Nossa presença já não faz mais sentido aqui.

Num breve instante, a serva e Helena trocaram olhares enquanto era arrastada para fora da sala do trono.

— Por que eu fui ter uma filha?

O rei se perguntou enquanto via os portões se fechando.

— Acha mesmo que minha irmã é tão tola ao ponto de aceitar esse convite, porco imundo?

— Veja como fala com o rei!

Valdes colocou um dos pés por cima dos cabelos de Helena, fazendo com que seu rosto fosse enterrado no chão.

— É nisso que da nascer filhos Miorianos, um bando de escravos sem educação, nem respeito. Se Henrique não tivesse se envolvido com uma escrava, teria evitado muita coisa.

— Lave sua boca imunda quando for se referir ao meu pai!

Helena ergueu seu rosto ensanguentado.

— Bem, penso que já não há mais nada a se tratar aqui. Valdes e Taris, levem as duas escravas para a última cela, depois voltem para me dar um relatório detalhado de tudo.

Quando ambos assentiram, colocando a mão sobre a testa, o rei olhou para Albert.

— Também pode se retirar. Está livre de fazer o que bem entender com os dois escravos.

— Certo, senhor.

Albert fez reverência e saiu andando ao mesmo tempo em que Valdes e Taris acompanhavam as prisioneiras até a última cela, nos confins do subsolo de Aclasia.

O rei olhou a porta se fechando enquanto sorria triunfante.

— Está tudo correndo como devia estar correndo. Se assim continuar, eu finalmente poderei destruí-los a todos!



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