Volume 1

Capítulo 44: O Último suspiro de um Arqueiro

                  Minutos antes

— Isso é um milagre? — Miomura se auto questionava enquanto observava os soldados Acacianos defendendo seu povo. Ao passo que ele podia ouvir louvores de muitos dos seus enquanto tinham os joelhos assentes na terra e os braços dirigidos aos céus.

Miomura direcionou os olhos ao céu, contemplando uma nuvem que se assemelhava mais ou menos a um leão, mas não estava em sua forma completa.

— Parece que suas orações foram ouvidas, Maria. Você tanto orou para que esse momento chegasse e enfim chegou… A tão aguardada liberdade. — Miomura sorriu, logo observando ao longe a princesa Helena correndo em direção às muralhas que ficavam lá mais para o fundo. Na lateral esquerda. — Não posso perdê-la de vista… — Miomura começou a caminhar com cuidado em direção à alavanca que ficava a alguns metros de si. Com cuidado e cautela, pois o espaçamento daquela muralha não era tão grande.

— O meu livro diz claramente que devo formar uma aliança para que eu possa vencer um inimigo que é muito mais forte que eu.  — Miomura estava seguindo à risca tudo quanto aprendeu no seu livro sobre a arte da guerra. Era um livro com muita informação a respeito de estratégias de guerras, formação militar e muito mais. Um verdadeiro tesouro nacional, que teria caído nas mãos erradas.

Nas mãos de um escravo com um apetite insaciável pela leitura. Miomura havia devorado maior parte do conhecimento daquele livro. Como desde sempre havia treinado a leitura, sua mente havia ficado tão afiada que assimilar e guardar informações foi um trabalho bem minúsculo. O mais difícil era colocar em prática. Mas um sorriso de satisfação emergiu do seu rosto ao perceber que tudo quanto tivesse planejado estava dando certo até o momento. O primeiro contato com a princesa Helena, a salvação do seu povo, não correu como planejado, mas correu.

Miomura desceu da muralha por meio daquela alavanca de transporte. Suas sandálias de couro pisavam por aquele chão pavimentado. Ele contemplava os corpos dos arqueiros que havia derrubado. Um cheiro de sangue tomou conta de suas narinas, lhe causando náuseas. Seus olhos vislumbravam, com tristeza, Caiju, estatelado no chão. Um dedo remexeu, roubando de Miomura um sorriso de alívio.

Caiju havia sobrevivido. Sua cabeça estava por cima de um corpo, talvez tivesse sido isso que a amorteceu a sua queda.

Apesar de suas palavras duras, Miomura não odeiava Caiju. No fundo, ele sabia que tudo aquilo não passava de uma mentira de Caiju para impressionar seus arqueiros.

Esse era o seu jeito.

Miomura, então, olhou para sua lateral esquerda. Ele tomou a decisão de seguir andando retamente, assim não se perderia. Depois, quando chegasse perto dos destroços, ele iria pensar em qual caminho iria seguir.

Assim, Miomura seguiu caminhando em direção às grandes ruas de Aclasia. De cima, a vista era maravilhosa e os caminhos pareciam mais perto, mas de dentro, parecia um completo labirinto.

Por outro lado, no campo de batalha, as baixas por parte dos Aclasianos eram maiores em comparação aos Acacianos. Corpos ensanguentados estavam mutilados pelo chão. Não havia tempo para choros ou despedida, era cada um lutando por sua vida.

Seu capitão havia caído, o que desmoralizou muitos dos soldados que contemplavam seu corpo caído no chão, com um lago de sangue manchando suas vestes de carmesim.

— Aquele não é o capitão? — O chefe aldeão apontou para o corpo ao longe. Sua visão, mesmo depois de tempos não havia decaído. Estava melhor que a de muitos jovens.

— É, parece que sim — disse Gabriel, enquanto levantava do chão.

— Mas e o que tem? Que morra! — Mirio cerrou os punhos. — O jeito que invadiram o nosso vilarejo é imperdoável!

— De fato, mas não esqueçamos que foi por causa dele que os dez conseguiram treinar em Aclasia — acrescentou o chefe aldeão.

— Pensando nos dez, algum de vocês viu o meu filho? — Rymura acabava de se levantar do chão, observando seus conterrâneos.  — Desde que cheguei aqui, ainda não o vi.

— Isso é verdade — disse Gabriel. — Estou começando a ficar preocupado.

— Ei, deixem de pensar no garoto. Ele provavelmente deve estar por aí, ou talvez tenha conseguido escapar já que ainda nem tinha feito dezoito — disse o chefe aldeão. — Vamos antes resgatar o capitão. Se os Acacianos perderem essa guerra, teremos a proteção do capitão por termos salvo da morte.

— Sabe muito bem que isso não funcionou muito bem da última vez, não é?

Rymura olhou para o chefe aldeão.

— Como assim? Última vez?

— Você ainda era muito novo, não é?

— Creio que esse número seja o momento oportuno para falarmos desse assunto — interrompeu o chefe aldeão.

— Tem a ver com a morte dos meus pais, não é?

— Tem, mas não toquemos em ferida aberta. Vamos! Vamos salvar o capitão. — Rymura bateu no ombro do Gabriel. — Vamos!

Seus traços se contorciam em profunda tristeza, mas Rymura tentava de alguma forma animar aquele garoto que viajava para o passado, no último momento em que viu seus pais. Chefe aldeão, ao lado dos seus companheiros, correram em direção ao capitão de Aclasia. Aquele era o melhor momento, visto que todos os soldados estavam ocupados, travando suas batalhas.

                             (…)

Em contrapartida, uma mascarada caminhava pela cidade capital Aclaria. Seus passos largos haviam a levado até o portão principal onde estavam sentados dois soldados, que imediatamente se assustaram com o aparecimento repentino daquela pessoa baixinha.

— O que faz aqui?! — disse um dos seus soldados. — Seu lugar não é aqui, arqueiro.

— É isso, Gilber, tem razão. Vá para cima das muralhas!

Logo riram, lembrando do imenso trabalho que os arqueiros tinham enquanto eles apenas tinham o trabalho fácil de guarnecer o portão principal de Aclasia.

Mascarada, apenas sacou a espada da bainha, apontando para aqueles soldados risonhos.

— Isso é algum tipo de brincadeira? — Gilber levantou uma de suas sobrancelhas, seguido do seu companheiro que franziu o cenho.

— O que pensa que está fazendo?

— Não — disse Yara. Naquele momento, ela nem se preocupou em omitir sua voz. Estava pouco se lixando para aqueles soldados, na verdade, havia acumulado raiva daqueles que haviam invadido sua casa e levado consigo seu pai. Então, nada melhor que aqueles dois para ela descontar toda sua frustração.

— Uma mulher? Em meus anos de vida, nunca vi uma mulher soldado em Aclasia. Você já viu?

— Não. — Gilber balançou a cabeça negativamente. — É a primeira vez. No entanto, acho que podemos nos divertir um pouco.

— Vamos, tire a máscara! — Seu companheiro soltou uma leve risada maliciosa. — Quero ver se vale a pena!

Ah… — Yara começou a andar devagar enquanto empunhava sua espada. — Tudo bem, se é o querem.

Os soldados ficaram tão emocionados, que nem sacaram suas espadas.

— Vamos nos divertir. — Yara avançou com a espada. Os soldados arregalaram os olhos, retirando de imediato suas espadas.

A espada de um deles entrou em fricção com a da Yara, que estava prestes a cortá-lo.

— Sua louca! Ia mesmo nos matar?

Gilber franzia o cenho.

— Bem atrevida ela é, para vir comprar briga com soldados de alta patente como nós!

O outro preparava sua espada.

Yara soltou um suspiro aborrecido, afastando em rápida velocidade a espada do Gilber. Uma brecha se abriu, ela cravou a espada na lateral da barriga.

Seu companheiro mal teve tempo de intervir. Tentou em seguida atacar, enquanto seu companheiro se contorcia de dor, mas sem sucesso. A espada dele rasgou o vento. Yara pegou o braço e o dobrou. O soldado deixou cair a espada, gritando de dor. E antes que ele desse mais um suspiro, Yara colocou a espada contra sua garganta.

— P-P-Por favor, não nos mate! Estávamos só brincando, não é, Gilber?

Nessa altura, Gilber tremelicava sua mão enquanto tocava em seu sangue. A dor de ter sua barriga perfurada ainda o atormentava.

— Eu não quero morrer… Por favor, não…

— Não se preocupem. — Yara retirou a espada do pescoço do soldado e perfurou seu joelho com a espada. Sangue começou a jorrar. O soldado gritou. — Eu não sou uma assassina. Só quero que abram o portão para mim.

O soldado, ainda tomado pela dor do joelho perfurado, olhou para Yara com tremor.

— Você enlouqueceu por acaso?! Os Acacianos vão entrar e então será o nosso fim!

— É assim que deve acontecer — disse mascarada. — Todos os Aclasianos devem ser esmagados por causar tanto sofrimento aos Miorianos.

— Não pode ser… Você é...

— Não percamos tempo. Eu quero que abram esse portão agora, ou pretendem perder as mãos e as pernas?

O soldado viu-se sem opção.
Seu companheiro já havia desmaiado apenas por contemplar seu sangue.

— Eu vou! — Ele correu imediatamente para a alavanca que permitia a abertura do portão. Pegou naquela alavanca, começando a rolar para cima e para baixo.

Cada vez que rolasse, o portão se abria. Ao passo que o coração de Yara batia desesperadamente enquanto contemplava a luz tomar conta de seus olhos já em lágrimas. Ela temia que o pior tivesse acontecido ao seu pai e amigos.

Mas quando o soldado terminou de abrir o portão, seus olhos se encheram de brilho. Ela podia contemplar com seus olhos de Jade, seu pai e muitos outros Miorianos, carregando um homem consigo. Pelas vestes e roupas, era um soldado. Ele estava ferido. Pensou ser Florento, mas quanto mais se aproximavam, podia notar que aquele corpo era o de um homem mais velho. A quantidade de músculo que Florento não tinha. Suspirou de alívio, logo saindo dali, pois milhares de Miorianos com os olhos esperançosos corriam em direção aos portões.

— Que você sofra bastante. — Yara desejou ao soldado que suspirava ofegante. Normalmente, aquele trabalho de puxar o portão era feito por dois soldados. Mas ele teve que fazer o dobro do esforço para que, mascarada, lhe poupasse a vida.

Yara, então, começou a caminhar em direção ao vilarejo, quando voltou a reparar nos corpos ao fundo. Muito mais para frente das muralhas, um deles levantou sua mão ao céu.

Yara correu imediatamente para lá, não sabia o porquê, mas corria. Ademais, ela não havia visto seu irmão ser levado pelos soldados. Talvez fosse naquele curto momento em que havia perdido a consciência ou não, Yara não sabia dizer.

Depois de uma correria, Yara enfim alcançou os corpos dos soldados. Um deles fez seus traços se contorcerem em uma expressão triste. Era Caiju.

— Yazar... — Caiju levantou a mão com o rosto todo melancólico. — Você veio…

"Como ele sabe que só eu?"

Yara se perguntava enquanto segurava as mãos daquele arqueiro que se esforçava para falar.

— Eu sabia, essas mãozinhas eram delicadas demais para serem de homem.

Yara arregalou os olhos.

— Ah, Yazar, eu sempre te admirei tanto... Minha irmã é muda como você, e mesmo assim ela continua seguindo atrás dos seus sonhos.

Yara mordeu os lábios, curvando as sobrancelhas.

— Mas isso não importa agora. Me escute, antes que eu vá, tenho um último pedido para lhe fazer.

Ela balançou a cabeça afirmativamente.

— O William, não... — Ele balançou sua cabeça negativamente. — O Miomura, esse é o verdadeiro nome dele.

Yara engoliu em seco, observando aquele arqueiro que fechava ligeiramente seus olhos.

— Ele é um traidor. Por favor, vá atrás dele e faça ele pagar pelo crime de ter matado os nossos companheiros. — Caiju retirou sua mão das mãos de Yara, apontando para frente enquanto terminava de fechar os olhos.

— Caiju... — Yara voltou sua orelha contra o peito daquele arqueiro, percebendo que ele não estava mais entre os vivos. Não havia nenhum batimento cardíaco. Seus lábios, no final, formaram um sorriso genuíno.

Lágrimas desceram dos olhos de Yara, seus traços haviam formado um semblante de profunda tristeza. Ela colocou o braço do Caiju sobre seu peito, enquanto erguia seus olhos aos céus.

— Miomura, o que você acha que está fazendo?!

Mordeu os lábios com amargor e levantou-se do chão, começando a caminhar na direção de onde o dedo indicador do Caiju havia apontado.



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