Volume 1
Capítulo 39: Por Acácias!
Palácio de Aclasia
No palácio de Aclasia, propriamente em um dos aposentos reais, princesa Meldyn fitava seu rosto em um espelho cristalino enquanto sua serva lhe penteava as madeixas delicadamente. Ela estava sorrindo enquanto admirava seus olhos tão azuis quanto a cor do mar. O vento que entrava pela janela aberta do seu quarto balançava as cortinas florais e apalpava seu rosto macio.
— Aquelas explosões de há pouco… O que seriam, Sasha?
— Não vai me dizer que a senhorita não sabe? — disse Sasha, continuando a pentear as madeixas negras.
— Hum…
— A guerra já começou.
— Nossa, já se completou duas semanas? O tempo passa tão rápido! — Meldyn elevou as mãos ao espelho, contemplando suas unhas rosadas. — Mas, também, como fico maior parte das vezes trancafiada no quarto, é difícil ter noção do tempo.
— É... Senhorita?
— Fale, Sasha.
— A senhorita não parece nem um pouco preocupada com a guerra. Isso é mesmo normal?
Meldyn riu. Seus dentes refletidos no espelho redondo com bordas douradas.
Sasha fez um semblante de indagação.
— Queria que eu fizesse o que, Sasha? Gritasse pelos cantos: socorro, a guerra chegou! Algo do tipo?
— Não, senhorita. — Sasha soltou uma leve risada. — Mas que demonstrasse um pouco de preocupação.
— Por quê?
Meldyn revirou seu olhar azul cristalino.
— Como assim "por que", senhorita? Todo mundo sabe o que acontece em guerras. Mortes e mais mortes. Além disso, os inimigos podem invadir o reino e...
— Nos matar?
— Isso! — Sasha balançou a cabeça. — E entre muitas coisas.
— Acontece que ninguém nunca venceu Aclasia na guerra.
— Hã? Digo, o quê?!
— Acácias, não é? — Meldyn começou a balançar suas pernas enquanto sorria de leve. — Sinto pena desse reino. Só aqueles sete são capazes de aniquilar milhares.
— Isso é uma figura de estilo, não é?
— Não é hipérbole. É no sentido literal da palavra aniquilar milhares.
— Mas senhorita, sete aniquilar milhares… Isso é, é uma loucura. Não consigo imaginar tal feito.
— Nunca te contei, não é? Do segredo de Aclasia.
— Segredo?
— É, um segredo bem sobrenatural, eu diria. Mas fica tranquila, Sasha, eu não vou te contar.
— Não deveria ser o contrário, senhorita?
— Meu pai te mataria.
— É tão perigoso assim?
— Você acreditaria se eu te contasse que nesse mundo existem pessoas capazes de usar poderes sobrenaturais?
— É claro que não, senhorita. Isso é um absurdo! Um completo absurdo!
— Não é?
Sasha permaneceu em silêncio.
— Sasha?
Meldyn revirou seus olhos, contemplando Sasha, que havia parado de pentear seu cabelo, com a mão no queixo. Seu rosto, de pouco em pouco, ia ficando pálido.
— Sasha, o seu rosto está pálido! — Meldyn levantou da cadeira, colocando a mão na testa dela. — O que foi, não comeu direito? Eu não posso perder a minha serva mais prestativa!
— Ah, não, não é isso. — Sasha sorriu, mas não foi um sorriso daqueles que Meldyn estava habituada a ver. Era um sorriso forçado. — Repentinamente, me veio um pensamento tolo, apenas isso.
A mente da Sasha estava em um turbilhão de pensamentos que a torturaram. Seu coração estava demasiado acelerado.
— Não me diga que está preocupada com aquilo que eu disse a outrora.
— Não, é que… — Depois de um pouco de pausa, Sasha estalou os dedos. — É que estou preocupada com os meus familiares… Sabe, essa guerra está começando a me assustar.
— Não se preocupe… — Meldyn colocou uma das mãos em seu ombro direito. — Além de estarmos distantes, a cidade está bem guardada e os habitantes nas proximidades da muralha foram evacuados para lugares mais seguros.
— É verdade, senhorita.
— Hum… — Meldyn sorriu de leve, se encostando na cadeira com estampas florais e bordas douradas. — Pensei que você fosse dramatizar ainda mais.
— A senhorita gosta de me ver atuando?
— Atuando?
Meldyn levantou uma de suas sobrancelhas.
— Digo, no sentido de dramatizar. A dramatização muitas das vezes é uma atuação.
— Dessa eu não sabia. Já pensou em fazer teatro?
— Ganho mais servindo à senhorita. Se eu fosse virar uma atriz, não receberia metade do que recebo aqui.
— Nossa, Sasha! O quão longe você pensou?!
— Senhorita, deixemos de perder tempo… — Sasha tocou nos seus ombros, a dirigindo à cadeira. — Vamos terminar isso logo!
— Tá bom. Tá bom.
Meldyn sentou-se na cadeia, contemplando novamente seu rosto com um sorriso.
— Espelho meu, espelho meu… A alguém mais bonita que eu?
Meldyn riu. Mas Sasha não estava mais aí para compartilhar da mesma alegria que ela. Sua mente vagava por milhares de pensamentos, um pouco de preocupação ainda era notável em seus traços.
(…)
Em contrapartida, no campo de batalha, a névoa que havia se formado com milhares de passos cessava pouco aos poucos, facilitando a visão de ambos os oponentes.
Helena podia ver nitidamente aquele homem… Ele havia se tornado uma ameaça tão poderosa que nem mesmo ela sabia se era capaz de o parar. Sua mente viajava por milhares de estilos de combate que aprendera desde sua tenra idade, mas nada lhe vinha na mente. Pelo menos nada que pudesse superar aquela velocidade que Melquiore havia demonstrado.
Havia ainda a hipótese dela se render, mas seu orgulho de guerreira não permitiria que isso acontecesse. Com o punho cerrado na alça da espada, olhos de águia, pés assentos na terra, Helena finalmente decidiu.
— Se quiser que eu me renda, vai ter que me fazer parar de balançar a espada!
— Que espírito de guerreira impecável. — Melquiore sorriu, colocando a espada um pouco acima dos ombros enquanto recuava sua perna direita para trás. — É mesmo uma pena ter que matá-la.
"Aquela postura… Posso prever onde ele vai atacar exatamente… "
Aquela era uma das mil posturas que Helena havia aprendido. Sabia muito bem que quem a usasse mirava para um lugar específico do pescoço. No caso do Melquiore, ele mirava no seu pescoço.
"Ou seja, ele planeja me decapitar…?"
— Adeus, princesa Helena!
Com um zás, Melquiore chegou perto de Helena, a espada estava a poucos centímetros de atravessar o pescoço dela. No entanto, ela inclinou-se para trás instintivamente. A espada passava acima das suas narinas, cortando o vento.
Naquele meio tempo em que ela observava a espada rasgar o vento, Helena direcionou seu joelho contra o abdômen do Melquiore.
Mas falhou o chute. Melquiore afastou-se dela subitamente, criando alguns metros de distância entre eles.
— Estou impressionado… Como sabia que eu pretendia decapitá-la?
Helena retomou sua postura ereta, olhando severamente para Melquiore.
— Você pode ser rápido… Mas, se eu conhecer a técnica que vai usar, posso antecipar seus movimentos e me desviar no momento em que você desaparece da minha visão. É uma questão de tempo e técnica.
— Helena Acácias… Pelo que ouvi sobre você, passou a maior parte da sua vida se dedicando à espada. — Melquiore ergueu sua espada verticalmente. — Mas isso chega a ser assustador. O quão obcecada você ficou pela espada?
— Desde que vi a minha família sendo aniquilada, decidi que jamais deixaria isso acontecer de novo, por isso continuei treinando noites e dias sem parar.
— Uma história um tanto quanto interessante, mas você conseguir antecipar os meus golpes passa longe disso. — Melquiore semicerrou os olhos — Você é com certeza um gênio, tal como aquele rapaz. — Melquiore se lembrou da batalha que teve com a mascarada no campo de treinamento.
— É meio engraçado receber elogios de alguém que quer te matar, não acha?
— Você é que está me obrigando a isso. Eu normalmente não gosto de sujar minhas mãos de sangue, sabe?
— A culpa é minha, se você não sabe distinguir o certo do errado?
— Onde é que eu não sei distinguir o certo do errado?
— Então, deixe-me fazer uma pergunta.
Ambos trocaram olhares severos enquanto o som das espadas se chocando ao redor ressoava sobre seus ouvidos.
— Acha certo escravizar os outros?
— É claro que não.
— Então, por que não acabamos logo com isso? — Helena sugeriu. Ela sabia que lutar contra Melquiore, ainda que conseguisse antecipar seus ataques, era fatalidade na certa.
— Impossível.
— Por quê?
— A verdade é que os próprios escravos Miorianos representam um perigo para o mundo.
— Hã? — Helena fez um semblante de indagação.
— Você não vai entender… — Melquiore preparou sua espada. — Até porque o sangue que corre por suas veias também é Mioriano.
— Achar que aquela pobre gente… — Helena lançou um olhar arregalado para aquela gente ao fundo, que estava desesperada e com medo. — … Representa perigo para o mundo, é o ápice da loucura. Se queria arranjar uma boa desculpa para continuar a manter esse povo escravo, mesmo sabendo que isso é moralmente errado, você falhou.
— Você acreditando ou não, não me interessa! Não vai mudar o que desde há muito tem perdurado, a escravidão.
— Modificando uma das minhas frases ao seu favor novamente.
— Dói provar do próprio veneno, não é?
— Vamos logo acabar com isso!
Com a espada pronta, Helena avançou em direção ao Melquiore que erguia a espada ao alto. Como ela havia se oferecido para atacar, ele decidiu acabar com ela no instante em que estivesse próxima.
Ela nem veria mesmo.
(…)
Miomura, por outro lado, resistia com bravura à chuva de flechas que Caiju e seus companheiros lançavam sobre seu corpo. Sangue jorrava por seus braços, que haviam sido transpassados de raspão. Arranhões percorriam seu escudo.
— Esperem um pouco. — Caiju, que estava prestes a levar mais uma das flechas na sua aljava, olhou para Miomura severamente. Seus colegas, que estavam prestes a colocar a flecha no fio do arco, pararam. — Já entendi o plano dele…
Miomura sorriu de leve, observando o quão Caiju e seus companheiros eram lentos para processar o que ele há muito havia tramado.
— Não vai me dizer que vocês ficaram sem flechas. — Miomura disse antes que Caiju revelasse seu plano. Aquilo fez com que Caiju e seus companheiros começassem a conferir as flechas que tinham e foi naquele curto momento que Miomura agiu.
Quando os arqueiros suspiraram por ainda terem volta de cinco a sete flechas sobrando, suspiraram… Mas foi tarde demais, pois nesse curto tempo, Miomura havia retirado o escudo do seu braço, lançando para aqueles arqueiros.
Os arqueiros imediatamente tentaram revidar. O escudo colidiu no rosto de um, fazendo com que se desequilibrasse. Enquanto isso, Miomura já tinha três flechas prontas para Caiju e seus companheiros.
— Espera um pouco, William!
Caiju suplicou enquanto contemplava as flechas de Miomura vindo na direção dos seus companheiros. Eles até tentaram revidar, mas não conseguiram. Seus três companheiros foram derrubados. Miomura havia mirado em seu abdômen, o impacto os arremessando.
Caiju e o seu último companheiro arregalaram os olhos, vendo os seus colegas lançarem gritos enquanto caíam para o chão. E foi nesse momento de fragilidade que Miomura agiu.
— Adeus, Caiju.
Com exatas duas flechas, lágrimas escorrendo, Miomura as lançou. Rasgaram o vento em direção ao Caiju que estava em frente, sendo ele acertado no abdômen e jogado brutalmente contra seu companheiro, fazendo com que ambos perdessem o equilíbrio. Ele até tentou se manter em pé, mas Miomura finalizou com uma flecha no tórax.
Eles caíram, lançando gritos contra o vento enquanto Miomura mordia seus lábios pelo que havia feito.
— Não há tempo para lamentar… — Miomura segurou suas lágrimas, olhando para aquela luta que se desenrolava ao longe. O nevoeiro de poeira havia baixado e ele poderia contemplar nitidamente uma mulher com o cabelo dourado, correndo com espada em mãos contra um homem que levantava sua espada ao alto.
— Já sei… Se eu a ajudar na luta, posso criar um caminho para uma aliança futura! — Miomura não tardou em colocar sua ideia brilhante em ação. Com uma flecha presa ao fio do arco, mirou em direção ao punho do capitão Melquiore.
Apesar de ele ter sido de grande ajuda para os Miorianos, ainda constituía um empecilho para sua liberdade.
Em outras palavras, uma pedra no caminho.
— Desculpa, capitão Melquiore… — Miomura desprendeu o fio que prendia aquela flecha afiada.
Ela voou, rasgando o vento em direção àquela batalha. Um som semelhante a um assobio no vento podia ser ouvido. Com punhos franzidos, lábios cerrados, Miomura torcia para que sua flecha não falhasse.
(…)
— Adeus, Helena Acácias!
Quando Melquiore estava prestes a desferir seu golpe a Helena, que estava tão próxima, uma flecha atravessou abruptamente o punho que segurava a espada. Sua espada caiu no chão e Melquiore arregalou os olhos.
Aquela oportunidade… Helena certamente não iria jogar fora aquela oportunidade de ouro. As palavras do seu mestre ressoaram mais uma vez sobre os seus ouvidos:
"Se encontrar uma brecha para acabar com o seu inimigo, um pouco que seja, não hesite nem um milésimo sequer em eliminá-lo. "
— Por Acácias!!!
A espada de Helena, que vinha frontalmente, perfurou sua barriga. Helena girou a espada já cravada na pele, roubando um gemido da boca de Melquiore.
E para finalizar, Helena arrastou um pouco a espada para direita, fazendo Melquiore gritar de tanta dor. Enfim, aquele homem caiu, inundando o chão de sangue. Suas vestes, seu corpo, tudo transbordava a líquido carmesim. A visão turva de Melquiore se fechava, enquanto ele colocava a mão trêmula sobre a espada cravada na barriga.
— Você é... muito sortuda…
Essas foram as últimas palavras que saíram da boca de Melquiore antes que perdesse sua consciência. Seus olhos finalmente se fecharam, enquanto Helena o observava friamente.
Ela reconheceu que havia dado sorte. Mas não uma sorte qualquer. Seus olhos ergueram-se, sendo direcionados para o alto das muralhas, de onde teria vindo a flecha que lhe havia salvado.
Contemplava um braço erguido, que balançava de um lado para o outro.
— Entendi. Então, foi você quem me salvou, mascarado. — Helena sorriu, levantando o braço para cima. Só que, ao invés de balançar, ela dobrou os restantes dedos, levantando apenas o polegar. Um gesto que anunciava um "muito obrigado" havia sido formado.
(…)
— Eu consegui… — Um sorriso emergiu dos lábios de Miomura. — Eu finalmente consegui estabelecer uma comunicação com a Princesa Helena! — Retirou a máscara, respirando melhor o ar que batia no seu rosto. — Com isso, poderei propor uma aliança em prol da libertação do povo de Mioria!