Volume 1

Capítulo 37: Valendo nossas vidas

Ei, acorda…

O que você está fazendo?

Falta tão pouco para liberdade

Acorda!!!

Diferentes vozes açoitavam a mente do jovem, a deixando numa confusão.

Ahhh! — Os olhos dele finalmente se abriram. Ele contemplava, a primeira vista, o céu preenchido por nuvens em seus formatos padrões. — Ufa! — suspirou, erguendo sua mão para cima. — Eu quase morri… Se não tivesse colocado uma máscara há mais, eu teria, eu teria morrido.

Miomura retirou as flechas que haviam atravessado suas duas máscaras e acertado o rosto. No entanto, devido ao endurecimento das duas máscaras, as flechas teriam sido desaceleradas, fazendo com que perdessem grande parte da sua velocidade e então apenas causassem pequenas feridas na pele do Mioriano.

Miomura retirou três flechas de sua aljava enquanto aqueles arqueiros estavam distraídos, assistindo às batalhas que aconteciam lá embaixo.

Foi naquele curto momento de distração em que Miomura ergueu-se do chão com o arco aposto e três flechas presas ao fio do arco.

— Pensarão que poderiam me parar, não é?

Aqueles jovens arqueiros imediatamente direcionaram seus olhos para aquele arqueiro que havia se levantado. Era como se ele tivesse ressuscitado dos mortos, pois feridas que deixavam fluir um líquido carmesim haviam se aberto na pele do seu rosto. Carapaças caiam da sua cara, revelando metade do seu rosto. Perceberam de imediato o que havia acontecido para que ele tivesse voltado à vida, mas foi tarde demais para alguns. Miomura lançou aquelas três flechas que rasgaram o vento, derrubando três dos arqueiros que estavam na linha de frente.

Os cinco logo atrás arregalaram os olhos em perplexidade do que estava acontecendo. Os corpos dos seus companheiros arqueiros desceram ao chão aos seus olhos, enquanto Miomura retirava mais três flechas de sua aljava.

— Três flechas? Então, você estava lá conosco, não é? Seu traidor! — Um dos arqueiros retirou duas flechas de uma só vez. — Eu sabia que reconhecia sua voz de algum lugar… 

Naquele mesmo instante, a única imagem que havia aparecido na mente daquele arqueiro era a daquele com quem havia disputado várias partidas de arco e flecha.

— William!

Os outros arqueiros retiraram apenas uma flecha, apontando para ele.

— Então esse é o William?

— Vejo que finalmente dominou o tiro a dois Caiju.

— Por que você nos traiu? Por que está matando os nossos companheiros? Você não é um Aclasiano, William?!

— Não, nunca fui um de vocês.

Hã?

— Meu verdadeiro nome é Miomura Mioria.

Confrontados com aquela realidade, Caiju e os seus companheiros perceberam que haviam sido enganados todo aquele tempo. Tudo começou a fazer sentido, as peças finalmente haviam se encaixado. Aquele diante deles, não saber manejar uma flecha correntemente, não era mero acaso do destino, ele nunca tinha passado por um treinamento de seis meses para se tornar um soldado.

— Então quer dizer que você é... — Por dentro da máscara, Caiju franzia o cenho, indignado. — Um escravo?! É isso? É um daqueles imundos, William?! Não, digo, escória!

— Todos vocês Aclasianos são mesmo farinha do mesmo saco.

— O que quer dizer com isso?

— Para vocês, a definição de "imundos", "vermes" e "escórias" é apenas aplicada aos Miorianos. Por quê? Porque na vossa cabeça nascemos apenas para sermos nada mais que escravos a serviço do reino. Esquecem que temos sonhos, direitos e deveres e continuam nos tratando como seres irracionais.

— Mas é o que são! — Caiju retrucou e os seus companheiros balançaram a cabeça positivamente. — Seres irracionais que nasceram para servir o reino. Vocês não possuem direitos e escolhas, sua função já vem determinada desde a nascença!

— Esse mesmo ser irracional te fez rir, chorar e sentir ódio. Esse mesmo ser irracional te ensinou grandes lições, no entanto, o que me parece é que vocês não entendem o verdadeiro conceito de humanidade.

— Escravo maldito! Está me chamando de burro?!

— Foi bom enquanto durou, Caiju. — Uma lágrima caiu do olho verde que Caiju pôde contemplar. — As partidas, tudo foi bom. Mas, você agora é mais uma pedra no caminho que preciso derrubar para chegar ao meu alvo!

— Então é assim que tudo acaba?

— Adeus! — Com as mãos trêmulas, Miomura desprendeu seus dedos das flechas presas ao fio. Caiju mordia os lábios, relutante, mas não teve escolhas se não lançar suas flechas em direção ao seu maior rival.

Ele tinha problema quanto a revelar os seus verdadeiros sentimentos, ligava mais para os que os outros iam pensar.

Naquele curto instante em que aquelas flechas voavam em pleno ar, pedaços de lembranças preciosas que havia feito com o Miomura em suas batalhas com o arco e flecha passaram na sua mente como um flash.

Duas das flechas que Miomura havia lançado foram anuladas, sobrando apenas uma que continuava a voar pelo vento. No entanto, um dos arqueiros, que ainda não havia lançado sua flecha, conseguiu interceptar a flecha.

O outro arqueiro mais adiante do Caiju lançou sua flecha contra Miomura, mas este levantou seu escudo. A flecha colidiu, faíscas voaram pelo vento. Não resistindo ao escudo prateado do Miomura, a flecha foi derrotada e caiu em pleno chão.

— Pague pelos seus crimes!

Caiju lançou mais flechas antes que Miomura tivesse tempo de contra-atacar. Agora ele estava na defensiva, pois os arqueiros não paravam de lançar flechas contra ele.

— Parece que essa vai ser uma batalha bastante difícil. Teria sido fácil, se eu soubesse lançar cinco flechas ao mesmo tempo.

— Miomura, não é? É estranho te chamar assim, mas saiba que eu, Caiju, jamais vou te perdoar por tudo que fez!

Caiju continuava a lançar flechas mais rápidas. Suas sobrancelhas estavam franzidas enquanto seus olhos estavam prestes a ceder às lágrimas que ele relutava em deixar sair.

Em contrapartida, Miomura começou a avançar com o escudo, não era tão grande assim. Era um que cercava seu braço, por isso que, para defender certas partes do seu corpo, ele precisava fazer certos movimentos. Algumas flechas raspavam os ombros do Miomura, mas mesmo assim ele continuava avançando.

— Esse é o nosso último duelo, Caiju… Valendo nossas vidas.

— Quem perder morre, quem ganhar vive.

— Só que você sempre perde para mim.

— Dessa vez, será diferente.

" Essa é, na verdade, uma batalha de resistência…", Miomura pensou, bloqueando mais das flechas que eram lançadas para si, enquanto trocava palavras com o Caiju e seus companheiros.


                            (…)

Em contrapartida, dois olhos se encaravam severamente. Duas espadas chocavam, levantando faíscas por tudo quanto é lado.

Helena usava de tudo que havia aprendido com seu mestre para aniquilar Melquiore que outrora havia ferido seu cavalo. Seus passos levantavam pequena poeira.

— Tenho que admitir — disse Melquiore, recuando alguns passos na mesma velocidade em que Helena o seguia com a espada afiada que reluzia a luz do sol. — Você é forte!

— Seu lacaio, até quando pretende fugir? Pague pela pata do meu cavalo! — Helena cravou a espada na terra, dando um salto horizontal em direção ao adversário enquanto puxava sua espada consigo. Quando pousou sobre a terra, estava ainda mais próxima do Melquiore com a velocidade dos seus pés.

Melquiore arregalou os olhos, não prévia aquela investida. Helena franzia as sobrancelhas enquanto estava prestes a desferir um golpe contra seu abdômen, mas com uma reação rápida, Melquiore posicionou a espada na vertical, impedindo a espada adversária de perfurá-lo. Faíscas novamente emergiam quanto mais aqueles metais friccionavam um com o outro.

— Tenho que admitir, por essa eu não esperava.

— Você fala demais. — Helena agachou, esticando sua perna direita às pernas do Melquiore enquanto friccionava com a espada dele.

Melquiore conseguiu recuar, saltando alguns metros, mas foi atingido na sua perna direita, especificamente na coxa.

— Então você conseguiu escapar… — Helena suspirou, pisando fundo na terra enquanto avançava com a espada em rápida velocidade. Melquiore mal teve tempo de respirar, sangue escorria da perna direita. Sua espada balançava para direita e para esquerda, defendendo suas faces laterais dos ataques de Helena, que estavam cada vez mais rápidos.

" Se eu fosse um soldado normal, já teria sido fatiado em mil pedaços", Melquiore pensou enquanto se defendia dos ataques massivos de Helena, que não lhe davam brecha para contra-atacar.

— Os boatos não mentem.

Helena agachou novamente, tão rápido que Melquiore arregalou os olhos, se vendo cair no chão. Helena havia acertado sua perna direita com extrema força. Melquiore caiu em pleno chão, rebolando para trás enquanto Helena tentava cravar a espada no seu corpo.

Em rápida velocidade, Melquiore saltou, se recompondo.

Helena lançou um suspiro novamente, centralizando sua espada. Seus olhos, tais como de uma águia, fitavam Melquiore que erguia os dedos aos lábios, assobiando.

Seu cavalo, que havia se afastado, veio a si.

— Não me diga que vai usar o cavalo como isca? Vou eliminá-lo sem dó!

— Conhece o caminho para casa, não é? Então vá, corre! — Melquiore bateu levemente no pescoço do animal.

O cavalo relinchou, saindo a correr em direção contrária ao seu dono. Melquiore estalou o pescoço com um simples movimento, veias extrapolaram o punho que segurava sua espada.

— Liberar Aurimagia.

" Ele disse Aurimagia?", pensou Helena, mantendo os olhos atentos naquele homem.

— Preparada para morrer, princesa Helena?

Melquiore apontou sua espada para Helena, que arregalou os olhos, recuando alguns metros. Foi instinto, Helena sabia que, após aquele homem pronunciar aquelas palavras, algo nele havia mudado. Apenas por apontar uma espada já representava uma ameaça.

— O que é isso? Aurimagia…

— Agora entendo.

Melquiore piscou os olhos ligeiramente, sorrindo. Helena mordeu os lábios, contorcendo suas sobrancelhas.

— Princesa Helena, estou lhe dando uma última chance de recuar enquanto é tempo.

— De novo com essa conversa?

— Caso não, não só você, mas seu exército será aniquilado em um piscar de olhos.

— Fala isso como se fosse… — Helena arregalou os olhos ao observar que Melquiore estava frente ao seu rosto.

Era olho no olho.

Melquiore deslizava seu dedo na espada de Helena, que se mantinha um pouco baixa.

Como aquele homem que estava a alguns metros conseguiu chegar ali em um piscar de olhos? Helena não sabia dizer, estava perplexa. No entanto, mesmo com espanto tomando conta de si, não hesitou em mover a espada em direção ao oponente tão perto.

Mas sua espada apenas rasgou o vento. Helena ficou boquiaberta.

— Viu só o que eu fiz?

Melquiore soltou um sorriso convencido. Helena olhou severamente para aquele homem.

— Você, por acaso, ainda pode se dizer humano?

— Digamos que eu seja uma espécie de sobre-humano.

— Então aqueles experimentos que o rei andou fazendo era tudo verdade…  Não imaginei que ele fosse tão longe assim.

— Isso não tem nada a ver com experimento. Isso é uma habilidade genética.

— Não brinque comigo! — Helena gritou, franzindo o cenho. — Isso não é nenhuma habilidade genética! Seres humanos comuns não podem nascer assim!

— É porque, na verdade, eu não sou um ser humano comum. Mas não vou entrar em detalhes, porque nem mesmo eu deveria estar usando isso, mas como último recurso para te fazer recuar, tive que apelar a isso.

— Até que ponto os Aclasianos chegaram? Sacrificar sua humanidade… 

Antes que Helena terminasse de falar, um trecho da carta que ela lia veio à sua mente:

"No entanto, esses humanos parecem zombies. Não vi nenhum sinal de inteligência neles."

"Ele parece manter todos os seus sentidos intactos, mas e se esse for o resultado do aprimoramento, não… Não, Helena… Não tem como isso ter acontecido em tão pouco tempo" Helena pensou nisso enquanto analisava Melquiore detalhadamente.

O que era aquilo? Ela continuava se perguntando.

— Vai recuar?

— Agora entendo o porquê de você ter dito que essa guerra será vencida pela qualidade de soldados.

— Vai recuar?

— Quantos de vocês têm essa habilidade?!

— Só posso dizer que toda aquela frota que você enviou para invadir o reino será completamente aniquilada. Tudo isso porque você não quis recuar.

— Não pode ser… — Helena arregalou os olhos, pensando nos seus companheiros que haviam invadido a cidade. Se eles por acaso se deparassem com mais pessoas como Melquiore que eram capazes de em um piscar de olhos chegar em frente de alguém, com certeza seriam aniquilados.

— Mas você ainda pode salvar sua pele e a dos demais soldados. É só dizer: "Eu me rendo", que eu dou a ordem para que os meus soldados parem de atacar.

— Ainda que você tenha habilidades sobrenaturais… — Helena agarrou a alça da espada fortemente. — Eu jamais irei me render! Vou até as últimas consequências!



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