Volume 1

Capítulo 35: A batalha dos capitães

Uma troca de olhares ferozes, fricções entre espadas que dispersavam faíscas pelo ar…

— Vou repetir mais uma vez. — Melquiore franziu as sobrancelhas enquanto colidia sua espada contra a daquela mulher.  — Retornem ao seu reino agora, não há motivos para guerra.

— Nesse caso… — Helena apertou o punho na alça da espada, obrigando a espada de Melquiore a recuar. — Também voltarei a ressaltar. Acha que sou idiota por acaso?

Melquiore lançou um suspiro aborrecido, piscando os olhos ligeiramente.

— Há muitos anos, os nossos reinos assinavam o arco de paz. O reino de Aclasia e Acácias sempre se deram bem, mesmo após a morte do vosso rei, as relações e as cooperações continuaram as mesmas. E, mesmo assim… — Os traços de Melquiore se contorciam, enquanto ela avançava com a espada. — Eu não entendo… Por que quebrar um acordo de paz quando tudo estava correndo tão bem?

— Correndo bem? — Helena soltou um leve sorriso, ainda naquele friccionar. — Eu não sei se você se faz de idiota, ou o seu rei não lhe conta os seus podres.

— Hã?

Melquiore recuou sua espada, com uma expressão de indagação. Seu cavalo retardou alguns passos, relinchando.

— Desde o princípio, seu rei nunca quis continuar com esse acordo de paz.

— Motivos?

Hum… — Helena sorriu, baixando um pouco a espada. — Se deseja tanto saber por mim, terei o maior prazer em lhe contar antes de tomar sua vida.

— Estou a ouvidos.

— Na última reunião de renovação do acordo de paz, nossa serva coincidentemente ouviu uma conversa entre o rei e o seu acompanhante. Nessa conversa, o rei deixava claro que queria exterminar o reino de Acácias da face da terra com recurso a uns experimentos…

Antes que Helena terminasse, Melquiore a interrompeu friamente.

— Está me dizendo que então essa guerra é resultado de uma simples fofoca de uma serva?

— Eu ainda não terminei.

— Continue.

— É claro que não tomamos as palavras da serva como evidências para provocar essa guerra. E é por isso que mandamos uma espiã ao seu reino.

— Espiã? — questionou Melquiore, levantando uma de suas sobrancelhas angulosas.

— Bem, a nossa espiã descobriu que o vosso rei tem feito experimentos em seres humanos, principalmente no povo de Mioria, com a pretensão de destruir os reinos Acácias e Tirasul.

Diante daquelas palavras, Melquiore apenas se viu no direito de rir.

— Acha mesmo que vou acreditar nisso?

Em contrapartida, aquela leve risada irritou Helena. Suas sobrancelhas finas franziram, enquanto ela levantava sua espada para cima.

— Você, acreditando ou não, não me interessa! Não vai mudar o que desde há meses havíamos traçado, a tomada de Aclasia!

— Vou parafrasear o que você disse há pouco. Na verdade, desde o princípio, sua rainha nunca quis continuar com esse acordo de paz. Afinal, ela tem sangue Mioriana.

— Isso consta na lista de motivos para aniquilar Aclasia, a liberdade dos Miorianos.

— Esses escravos são propriedades do reino.

Ah, é mesmo? — Um sorriso emergiu do canto dos lábios de Helena. — Isso me lembra que há muito tempo uma guerra foi travada pela conquista dos escravos. Não seria esta guerra a repetição da guerra dos nossos antepassados?

— Com isso, vejo que pretende avançar até as últimas consequências. — Melquiore franziu o cenho, batendo o pé no dorso do cavalo, que avançou rapidamente ao encontro do cavalo de Helena.

— Esse sempre foi o objetivo.

Helena arrastou sua espada impiedosamente, enquanto prosseguia com o cavalo. As espadas daqueles dois entraram novamente em colisão, dispersando faíscas pelo vento.

                              (…)

Enquanto os capitães continuavam trocando golpes incessantes de espadas, uma densa poeira se formava no campo de batalha. Não fazia muito tempo desde que as batalhas haviam começado, no entanto, alguns corpos já repousavam no chão, gerando um lago de sangue.

Não havia tempo para chorar, muito menos lamentar, cada um tentava lutar incessantemente por sua vida. Olho no olho, trocas de espadas, era o que se podia contemplar.

— Seu Acaciano maldito!

O soldado franzia o cenho, enquanto observava um de seus companheiros estatelado, com as vestes já manchadas de sangue.

— O sentimento é recíproco!

O soldado Acaciano avançou com a espada.

Alguns Aclasianos, ao contemplarem a morte de alguns de seus companheiros, recuavam enquanto balançavam a espada de um lado para o outro, tentando espantar os Acacianos.

Um deles gritou aos escravos que tremiam de medo enquanto seguravam suas armas brancas.

— Ei, seus miseráveis, lutem! Se não, nós mesmos os mataremos!

Os Miorianos, ainda assim, tremiam, balançando suas pernas e mãos.

— Então isso que é a guerra… — Gabriel arregalou os olhos. Seus traços se contorciam de pavor enquanto observava aquela cena. Corpos mutilados, deixando rios de sangue escorrer pelo chão.

— Eu não tenho estômago para isso… — O chefe aldeão tampou a boca, enquanto tremia com a faca em mãos.

— Parece que nem mesmo os soldados de Aclasia estão conseguindo dar contar — Thomas comentou de olhos arregalados. — O que será de nós?

Era a pergunta que os Miorianos se faziam. Alguns até tentavam derrubar o portão que havia sido selada, mas falhavam miseravelmente.

— Por favor, nos deixem entrar!

Seus gritos foram ignorados pelos dois soldados que guarneciam o portão de dentro.

Os arqueiros já haviam começado seus lançamentos, acertando os soldados que trajavam as vestes Acacianas. Apesar de suas armaduras serem prateadas, haviam distinções entre um soldado Acaciano e Aclasiano.

Por exemplo, o brasão no peitoral. Enquanto um era de águia, o outro era de flor. A constituição da armadura e o designer, apesar de serem praticamente iguais, tinham algumas diferenças.

— Ei… — Um dos arqueiros olhou para seu companheiro arqueiro ao lado, que lançava flechas contra os Aclasianos. — Por acaso está cego?!

Ah, desculpa, é que eu sou um novato e, como sabem, eu não sei muito bem diferenciar, sabe? Quem é o verdadeiro inimigo.

— Como assim?!

Miomura apontou a flecha para o soldado como forma de resposta ao seu questionamento.

— Seu… Trai…

Antes que o soldado pudesse concluir sua fala, a flecha de Miomura havia atingido sua testa. Ele perdeu o equilíbrio e caiu no chão, com o vento uivando seus ouvidos.

— Temos um traidor!!!

Os que viram aquilo, apontaram a flecha contra Miomura, mas ele elevou um escudo que o protegeu das flechas iminentes que vinham da direita. Ademais, como ele era o último da fileira dos arqueiros, não precisava se preocupar com os da esquerda.

Miomura foi derrubando os restantes arqueiros, um por um. Ele era o único que tinha um escudo para se defender das flechas.

— Já não há mais remédio para mim… — Miomura elevou as mãos aos olhos. — Sujei minhas mãos de sangue…

Os gritos e o som dos ossos se quebrando dos arqueiros que havia derrubado outrora, ressoavam na sua mente.

— Mas isso tudo é pelo bem do meu povo, para que sejam livres.

Dito isso, Miomura assumiu um semblante frio e elevou a mão em direção à aljava nas suas costas, retirando mais uma flecha. Seus olhos foram imediatamente direcionados para aquela luta que ocorria ao longe, a batalha dos capitães.


                          (…)

— Eu não quero te machucar, então, por favor, recue — disse Rael, com a espada precisamente apontada para seu oponente.

— Está me subestimando? — questionou Florento, com a mão que segurava a espada tremelicando, enquanto observava seu oponente severamente.

— Dá para ver que você está com medo.

— Eu não estou. Eu sou um guerreiro!

Mesmo com a mão tremendo, Florento avançou até o adversário. Suas espadas entraram em choque, assim como seus olhos de águia.

          
                              (...)

Por outro lado, ao pé de grandes pedregulhos, o segundo esquadrão, comandado por William, preparava seus grandes canhões para bombardearem as enormes muralhas e assim possibilitar a entrada do terceiro esquadrão, liderado pelo vice capitão, Léo Raia.

— Tudo pronto, William? — questionou Marco. — A guerra já começou faz tempo, não podemos perder mais tempo.

— Os canhões já estão posicionados. — William olhou severamente para seu companheiro.

— Deixa de ser apressado. — Léo tocou no ombro de Marco.

Aqueles dois estavam em frente a uma frota de soldados com diferentes armamentos e semblantes que exalavam seriedade.

— Quero acabar com isso logo.

— Eu também quero. — Léo balançou a cabeça positivamente. — Para enfim me declarar para Helena.

— Pensei que já tivesse feito… Ah, cara, como você consegue ser tão atrasado assim?

Antes que Léo respondesse essa pergunta, William levantou o braço, baixando-o em seguida.

— Que comecem os bombardeios!

O segundo esquadrão acionou os canhões, um barulho semelhante ao de um trovão caindo sobre a terra ecoou.

Dezenas de bolas pretas voavam pelo céu à luz de milhares de olhos, que imediatamente haviam sido direcionados ao céu.

Os olhos verdes cristalinos de Miomura se arregalaram ao contemplar aquelas bolas pretas vindas do céu, percorrendo uma trajetória oblíqua.

— Droga, preciso sair daqui!

Não houve tempo de reação, as bolas atingiram as muralhas. Pelo tremor que o muro fez, Miomura foi imediatamente arrastado para o chão, mas, por sorte, havia segurado em um dos ferros fortemente para que não caísse contra aquele chão pavimentado.

— Essa foi por pouco… — Soltou um leve suspiro.

Quase ia tendo o mesmo destino que os arqueiros, cujos corpos estavam mutilados no chão, com o sangue vertendo de suas máscaras e cabeças já quebradas.

Por outro lado, alguns Miorianos seguravam suas cabeças fortemente enquanto estavam agachados com expressões apavoradas.

— O que foi isso?!

Logo todos direcionaram seus olhos à névoa que se formava mais para a lateral da muralha. Lá, o muro rompia-se em rachaduras, estilhaços de tijolo caiam por terra.

                            (…)

— O que pretende derrubando as muralhas?

Melquiore cerrou as sobrancelhas.

— Neste momento, uma frota de soldados está prestes a invadir Aclasia. — Helena sorriu, manejando sua espada contra Melquiore, que se defendia com maestria. Seus cavalos dançavam em pleno campo de batalha ao som de suas espadas.

— Então isso quer dizer que…

— Isso mesmo, essa batalha aqui não passa de uma mera distração — completou Helena, enquanto aumentava a pressão sobre ele. — Já não há mais o que fazer, Aclasia já é nossa!

Um sorriso de satisfação tomou conta dos lábios de Helena.

— Não acha que é cedo demais para declarar vitória?

— Cedo? Não… Pelo que pudemos constatar, nos últimos anos houve uma queda no número de soldados em Aclasia. Então, creio que essa frota concentrada aqui fora seja a maioria dos soldados que tem, não é?

— De fato, mas a vitória numa guerra não é garantida pelo número de soldados.

— Eu sei disso. A estratégia é uma arma ef—

— Eficaz? Lamento dizer, mas o que vai determinar a vitória nessa guerra será a qualidade de soldados. E, pelo que pude analisar, só você é a única que realmente daria trabalho.

— O que está dizendo? Se olhar ao redor verá que há mais corpos de Aclasianos do que de Acacianos.

Melquiore saltou do seu cavalo e pousou no chão, observando com um sorriso Helena em seu cavalo.

— O que pretende fazer?

O cavalo de Melquiore recuou.

— Eu vou pisoteá-lo agora mesmo! — Helena avançou com o cavalo até ele, que ficava ali parado com uma espada em seu aguardo.

Ah, é mesmo? — Melquiore levantou sua espada ao alto, enquanto observava ela a galope. — Então, deixe-me mostrar um pouco daquilo que é a arte da espada!

Com um agacho, Melquiore cortou uma das patas do cavalo. Foi tão rápido que Helena apenas percebeu seu cavalo caindo enquanto relinchava. Sangue jorrava da pata decepada.

Helena, como que por reflexo, saltou do seu cavalo antes dele embater no chão.

— Glee… —Os traços de Helena se contorceram em profunda tristeza, enquanto ela observava seu cavalo estatelado, vertendo sangue.

— Princesa Helena, como recusou todas as minhas ofertas de paz, devo eliminá-la aqui e agora.

Melquiore apontou sua espada reluzente à luz do sol contra ela, que cerrava seus punhos na alça da espada.

Com as sobrancelhas cerradas, olhos estreitos, Helena direcionou a lâmina da espada para ele.

— Considere-se um homem morto.



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