Volume 1
Capítulo 33: Preparativos
No limiar do Horizonte, os raios do sol cobriam o vilarejo de Mioria. Os passarinhos, que gostavam de ficar por cima dos telhados das casas dos Miorianos, entoavam em uníssono uma bela melodia.
As pálpebras de Miomura se remexiam. Ele abriu os olhos, contemplando aquele telhado coberto de palha. Logo levantou-se da cama e esticou os braços ao alto, bocejando ao som do vento.
Sua barriga grunhia, havia deixado um pouco da sua comida na sacola. Suspirou com pesar e caminhou em direção àquela porta de bambu, abrindo-a levemente.
Os olhos daqueles dois se cruzaram quando Miomura abriu a porta do quarto. Seu pai estava ali, sentado na mesa enquanto comia um pouco de pão. Seu queixo caiu, seus olhos arregalaram.
— Miomura?
— Pai?
— Miomura!!! — Rymura deixou cair o pão sobre o prato e levantou-se do banquinho, correndo em direção ao filho que lhe vinha de encontro.
— Você voltou! — Rymura apertou fortemente o filho, enquanto trocava sorrisos com ele.
— Sim, pai. Eu voltei!
Rymura removeu os braços do pescoço do filho e suspirou de alívio.
— Quando você voltou?
— Ontem à noite.
— E por que não me acordou?
— É que o senhor estava dormindo tão à vontade.
— Mesmo assim, você tinha que ter me acor... — Rymura mal pôde terminar a frase, pois a porta se abrira bruscamente. Era Yara que suspirava de leve enquanto segurava fortemente os joelhos, seu rosto estava encharcado de suor.
— Então quer dizer que você já voltou? — Yara ergueu o rosto com um leve sorriso. — Irmão tolo.
— Yara... — Rymura semicerrou os olhos.
— Pai?
— Que entrada é essa? Está pretendendo estragar a porta?
Um bambu acabou saindo da porta, rolando até aqueles dois.
— Eu sinto muito...
— Por hoje, eu perdoo, já que a nossa família está reunida novamente! — Rymura sorriu e abriu os braços. — Vem!
Yara correu e saltou em direção aos braços abertos do pai, abraçando-o. Miomura sorriu e também se juntou ao abraço, aquele abraço confortável e caloroso que há muito não desfrutavam.
— Meus precisos filhos... — Rymura afagou os cabelos de ambos. — Eu senti tantas saudades!
Depois daquele encontro emocionante, Miomura e seu pai se sentaram, colocando a conversa em dia, enquanto Yara preparava o pequeno almoço para eles.
— Então está me dizendo que você já sabe usar o arco e flecha?
— Sim, eu me dediquei muito desde que cheguei lá! — Miomura sorriu.
Na verdade, ele estava contando meias verdades. Os fatos mais interessantes da sua jornada eram totalmente omitidos.
— Que bom que não se meteu em nenhum problema.
— Sim, eu fiquei na minha. Bem-comportado, treinando e treinando.
Yara, que colocava os pratos na mesa, soltou uma leve risada ao ouvir aquilo.
— O que foi, Yara?
— Não é nada, pai.
— O seu irmão amadureceu, embora eu gostasse que ele tivesse feito isso antes — disse Rymura, sorrindo. — Mas o importante é que você chegou lá!
— Sim, eu nunca mais irei me colocar em perigo. Aprenda a lição! — Miomura sorriu. Sua irmã tentava suprimir as risadas daquele teatro todo que ele estava fazendo.
Seu pai acreditava em cada gota de suas palavras.
"É melhor assim", pensava Miomura, observando o pai de bom humor. Assim, ele não precisava se preocupar com um filho imaturo.
"Desculpa, pai, mas eu pretendo seguir em frente até alcançar a liberdade do meu povo..."
Com um sorriso que deixava escapar falsidade, Miomura comia aquele pão feito pela sua irmã enquanto observava Rymura trocando palavras com a filha.
"Porque eu, Miomura Mioria, carregarei essa responsabilidade e me tornarei um revolucionário. Por um mundo sem escravidão."
Miomura, em tão pouco tempo, havia chegado a um nível de compressão filosófica tão profundo. Sua maneira de ver o mundo havia mudado, tudo isso apenas por passar dias lendo o livro que Caiju havia lhe comprado.
Depois daqueles comes e bebes, Miomura e Rymura foram convocados pelo Mirio para uma reunião de emergência no vilarejo. Essa reunião, na verdade, era para que os dez escolhidos revelassem tudo quanto sabiam sobre a arte da espada, estratégias de guerra, entre outras coisas.
Na beira do rio Aclá, onde o povo de Mioria sempre se reunia, os dez escolhidos explicavam como funcionava a arte da espada. Ensinavam-nos tudo quanto tinham aprendido em Aclasia. Muitos dos Miorianos foram tomados pelo espanto quando tiveram o conhecimento de que dez jovens haviam ido à cidade de Aclasia. Uma montanha de questões fora levantada, mas logo aquietada pelo chefe de aldeão que explicou tudo detalhadamente.
Nem todos ficaram satisfeitos, mas com a guerra mais próxima do que nunca, não havia espaço para reclamações.
Os Miorianos foram colocando em prática aquele pequeno conhecimento que os dez haviam lhes transmitido, era melhor que nada. Pelos menos, tinham, agora, a chance de lutar por suas vidas, ainda mais com as espadas apresentadas pelo chefe aldeão.
Não eram tantas assim, o que provocou um tumulto. Muitos queriam empunhar aquelas espadas, mas nem todos poderiam. O chefe aldeão deixou a decisão de distribuição das espadas aos dez escolhidos que supervisionavam o treinamento dos Miorianos.
Aqueles que demonstrassem mais habilidades, seriam merecedores das espadas. Assim, o treinamento foi ficando mais intenso. Todos sabiam que, tendo uma espada, as chances de sobrevivência numa guerra aumentariam absurdamente.
— O que você acha? — analisava Thomas com a mão no queixo, enquanto observava aqueles adultos e jovens treinando um pouco mais a baixo. Eles estavam numa colina. —
Alguma melhoria?
— Não, desse jeito... — Jota mordeu os lábios.
— Parem com isso e levem as coisas a sério, vocês dois! — repreendeu Gabriel, se aproximando deles. — Faltam apenas cinco dias para a guerra!
— Mas o que tem? — Thomas direcionou seus olhos ao Gabriel que cruzava os braços. — Estamos só fazendo uma avaliação geral.
— Sei que estão achando isso divertido. Mas não é nem tão pouco. Deveriam aprender com o Miomura.
Ao fundo, estava Miomura ajudando alguns dos Miorianos quanto à posição que deveriam fazer quando manejassem uma espada.
— Apesar de ele ser um completo idiota impulsivo, ele está levando isso a sério.
— Aquele peixe... — Thomas cerrou o punho, descendo a colina em direção àquela multidão de Miorianos. — Eu vou mostrar que faço melhor!
— Espera, Thomas! — Jota foi logo atrás dele.
— Esses caras, vou te contar, parecem umas crianças... Não, são umas crianças.
Gabriel soltou um suspiro aborrecido enquanto olhava para o povo, seu coração batia desesperadamente apenas por pensar que faltavam apenas cinco dias para o início da guerra. Ele não estava preparado, estava com medo. Elevou sua mão trêmula contra os olhos, enquanto contorcia seus traços em uma expressão de tristeza.
— Eu queria que isso tudo fosse apenas um sonho...
As palavras de Gabriel foram levadas pelo vento que soprou sobre seu rosto, balançando os pequenos fios de seu cabelo de um lado para o outro.
Naquele dia, os Miorianos dormiram ali mesmo, depois de tanta exaustão. Pela amanhã, acordaram, retomando seu treinamento. Fome não era um problema tão grande, já que estavam acostumados a passar muitas horas com fome.
Mas, ainda que eles não se importassem com a fome, seus familiares se importavam. Enquanto cruzavam suas armas brancas, seus olhos puderam observar mulheres e crianças, chegando à beira do rio com cestas de frutas, pães e peixes. Um sorriso de satisfação havia preenchido seus rostos. Eles deixaram cair o que tinham na mão e correram de imediato ao encontro de seus familiares.
— Você deveria ter me avisado que não iria voltar para casa, Gabriel — disse Maria, pousando a cesta de pães e frutas sobre o chão. — Fiquei preocupada, sabia?
— Sinto muito. Nem eu sabia que iríamos dormir, foi uma decisão de última hora.
Em contrapartida...
— Seu idiota, você deveria ter me avisado antes que não voltaria para casa! — Yara enfiou o pão na boca de Miomura com força, ele se viu sufocado. Sua boca começava a espumar.
— Pare com isso, Yara — disse Rymura, pegando o pão da cesta. — Miomura foi o que mais trabalhou aqui.
— É mesmo?
Yara removeu sua mão do pão. Miomura elevou a mão ao pão, retirando-o da boca.
— Droga, como eu queria a Maria como irmã!
Miomura suspirou, observando ao longe, Maria tratando o Gabriel com todo carinho do mundo enquanto ele recebia patadas da sua irmã.
— Ninguém te prendeu aqui. Vai ser uma boca a menos.
— Olha que eu vou mesmo.
— Vocês dois!
Rymura riu.
Depois daquele ambiente em família, as famílias dos bravos guerreiros Miorianos retiram-se dali com suas cestas. Aquele foi um momento único e agradável, que nunca havia acontecido desde que o povo de Mioria fora escravizado.
— Yara, eu ainda não esqueci aquilo que você fez comigo. — Jeziel se aproximou mais da Yara com as sobrancelhas franzidas.
— Mas eu já pedi desculpas.
— Desculpas não bastam para o que fez comigo. — Jeziel choramingou. — Eu nunca imaginei que você faria aquilo comigo.
— Não exagere.
— Jeziel tem razão. — Maria que carregava dois cestos, entrometeu-se no meio das duas. — O que você fez não se faz. Se tivesse falado gentilmente com Jeziel...
— Ela teria negado — afirmou Yara.
— Hufm, teria mesmo — suspirou, cruzando os braços. — Nunca que eu iria colaborar com suas maluquices.
— Eu não disse...
— E mesmo assim você foi.
— Tal irmão, tal irmã. — Maria sorriu, lembrando da vez em que perseguiu Miomura para Aclasia. — Mas o mais importante é que tudo acabou bem. E, Yara, jamais volte a fazer algo tão imprudente assim.
— É. — Jeziel balançou sua cabeça positivamente. — Não é só você que morre de preocupação.
— Prometo. — Yara levantou uma das mãos, cruzando dois dedos.
E, assim aquelas meninas, juntas de mais outras famílias Miorianas, seguiam caminhando a casa com as cestas vazias, bem, nem tanto, já que algumas migalhas podiam ser observadas de perto. Não tardaria, as formigas logo tratariam de fazer a recolha do que havia sobrado.
Com as barrigas fartas, os Miorianos retomaram ao treino felizes. Estar com sua família por aquele curto momento havia reavivado as chamas nos seus corações.
Naquele dia, eles ficaram mais determinados a sobreviver àquela guerra para que não deixassem seus familiares de luto, para que pudessem desfrutar de mais momentos como aqueles.
— Depois de hoje, Rymura, eu decidi — disse Mirio, cruzando um bastão que Gabriel havia lhe dado contra o bastão do seu amigo. — Eu vou sobreviver a todo custo!
— Esse é o espírito!
Um sorriso tomou conta dos lábios do Rymura, enquanto ele trocava golpes com bastão.
— Gabriel...
— Fala, Miomura.
— Eu sinto a liberdade chegando. — Miomura ergueu sua mão ao vento, enquanto sorria, observando seu povo lá embaixo, treinando arduamente.
— E eu sinto a morte chegando. Essa guerra... Não tenho um bom pressentimento quanto a essa guerra. Somos apenas escravos, sem experiência alguma.
— Só se for para o rei — Miomura cerrou os punhos. — Porque eu acredito piamente de que nós somos a geração que provará da liberdade!
— Queria ter tanta esperança assim... Mas dada a situação, é difícil crer nisso.
— Aos meus descendentes, confio a vocês o destino da humanidade.
— Essa frase não é a do seu antigo livro?
— Sim, se eu trouxer essa frase para a nossa realidade, eu diria que os nossos antepassados confiaram a liberdade do nosso povo para essa geração — Miomura olhou para Gabriel com severidade. — Todos os acontecimentos, indicam que sim, nós somos a geração eleita!
— Assim espero...