Volume 1

Capítulo 31: Um prodígio da espada

O sol nasceu, anunciando um novo dia. Um dia repleto de treinamentos para os soldados de Aclasia, já que faltavam poucos dias para o início da guerra.

Pela manhã, algumas das cozinheiras do exército distribuíam alimentos por todos os soldados que se encontravam alojados naquele acampamento. Pão, água e sopa era o que mais se comia pela manhã naquele acampamento.

Miomura e seus conterrâneos provavam daquela comida que cheirava tão bem, não se comparava ao que comiam muitas vezes em seu vilarejo. Aquela tinha um toque especial, porque geralmente os alimentos de Aclasia passavam por um refinamento.

— Isso aqui está muito bom! — Thomas devorava os pães da cesta de uma só vez. — Caramba, isso parece um sonho!

— Ei, come como pessoa — alertou Miomura, pegando um pão na cesta. — Assim, nós também não vamos conseguir encher as nossas barrigas.

— Mas isso é estranho… Gabriel elevou o pão aos seus olhos, enquanto mastigava um pedaço que havia trincado. — É pão… mas não tem o mesmo sabor que o nosso.

— E quem se importa com isso, Gabriel? Apenas coma! — afirmou Jota enquanto trincava seu pão. Mascarada, apenas elevou um pouco da máscara até as narinas para que pudesse comer.

E assim, aqueles Miorianos se fartavam de comer. Comida era indispensável para que tivessem forças para treinar. O único que não havia aproveitado aquele momento em grupo era o Florento, ele havia voltado para casa assim que deixou os Miorianos de volta no acampamento.

Depois de haverem comido, prosseguiram para o campo de treinamento. Cada um para sua divisão, Gabriel e os demais para o campo dos espadachins e a dupla dos irmãos para o campo dos arqueiros.

— Aqui o seu livro.

Caiju havia cumprido sua promessa. Um sorriso de satisfação emergiu nos lábios do Miomura, enquanto tomava o livro das mãos do Caiju. Ele elevou o livro à luz do sol, observando-o com fascínio.

— Esse livro me custou o olho da cara! É melhor você cuidar dele!

— Não se preocupe. — Miomura baixou o livro, olhando para Caiju com um sorriso. — Prometo protegê-lo com a minha vida.

— Não precisa exagerar.

Miomura seguiu com o livro para o banco, deixando-o por cima dele para que pudesse praticar o arco e flecha. Dessa vez, Maísa não havia vindo, dessa vez era um dos tenentes responsável pelos soldados arqueiros.

— Fiquei sabendo que, enquanto estive doente, vocês tiveram a companhia da Srta. Maísa… — O Tenente começava a caminhar por cada um dos arqueiros. Ele era da antiga geração de arqueiros, estava na casa dos cinquenta, mas mesmo com o tempo, as suas habilidades ainda não haviam enfraquecido.

— Sim, mestre. — Assentiram os arqueiros. — Você sabia que ela consegue lançar três flechas ao mesmo tempo?

— T-T-TRÊS?

O velho arregalou os olhos, seu queixo caiu.

— Mas isso é impossível! Ainda não nasceu ser humano capaz de tal feito.

— O senhor tinha que ver!  Foi uma coisa tão linda!

Os arqueiros continuaram falando da façanha da Maísa ao Tenente descrente, mesmo ele sabendo que aquela mulher era uma conhecida dos capitães, não cria que a nova geração havia superado a velha em termos de habilidades.

A seção de treinos havia começado, o Tenente Arqueiro pegava pesado com seus soldados. Não tolerava falhanço, pois contara que no seu tempo as coisas eram bem difíceis, diferente dessa geração de soldados fraca.

Não cansava de esfregar isso na cara dos arqueiros, enquanto contava suas aventuras quando jovem. Ele era conhecido como o velho tagarela.

— Finalmente! — Miomura suspirou, sentando-se sobre o banco. Seu rosto transbordava de suor, resultado de um treinamento de tiros ao alvo sem parar.

Seu braço doía, mas não o suficiente para fazê-lo não tocar no livro. Ele limpou o suor nas vestes e abriu o livro de imediato, começando a ler a introdução do livro, notas do autor, entre outras coisas que não achava tão relevantes. Ele cansou de ler aquele monte de informações e foi direto para a página principal, começando a ler.

A medida que lia, ele se deparava com palavras estranhas. Descobriu que precisava de algo que o ajudasse a decifrar aquelas palavras. Algo que os Aclasianos chamam de dicionário.

Eh, então você quer um dicionário?

— Então o nome do decifrador de palavras é um dicionário?

— Em que mundo você vive? — logo depois, Caiju riu. — Ah, desculpa. Havia me esquecido de que você vivia no interior, que vida difícil a sua.

— É... sim… — Miomura suspirou de alívio, essa tinha sido por pouco. Percebeu que tinha que tomar cuidado com as palavras, se não, acabaria se entregando.

— 20 moedas de pratas. — Caiju esticou as suas mãos. — E mais 10 moedas de pratas de comissão. Totalizando 30 moedas de pratas!

— Eu não tenho.

Ah, é mesmo… — Caiju não perdeu essa chance de zombar do Miomura, que se irritava cada vez mais. — No campo não produzem dinheiro!

— Vamos a um duelo. Se eu vencer....

— Eu me recuso.

— Por quê?

— Não pergunte o óbvio.

Hum, eu pensei que você fosse bastante forte. — Miomura pousou o livro sobre o banco e se levantou, colocando as mãos ao redor da boca. — Pessoal, o Caiju é um fracote!!! E eu que pensei que ele fosse o mais habilidoso daqui, mas no fim, ele é um fracote por ter perdido para mim! Um novato!

"Se fosse eu não deixava!"

" Caiju, vai mesmo deixar em branco?"

"Caiju, cadê a sua dignidade?"

Miomura havia colocado caiju contra a parede, ele era cada vez mais pressionado pelos demais arqueiros. Seu rosto ficava tão vermelho quanto um tomate de tão constrangido, que foi obrigado a aceitar o desafio do Miomura.

— Se você perder, você me paga 50 moedas de prata e ainda me devolve o livro!

— Sem problemas!

O mediador da disputa era o próprio Tenente.

— Três… dois… um… Comecem!

Ambos arqueiros fizeram seus lançamentos e, no dia seguinte, caiju teve que trazer um dicionário para Miomura.

— Obrigado, Caiju!

— Os meus 20 prata… Enquanto Caiju lamentava, Miomura sorria para aquele seu novo achado. Um dicionário que continha variedades de palavras difíceis traduzidas para palavras fáceis, assim o livro sobre a arte da guerra que ele lia, ficou tão fácil de ler e interpretar.

Enquanto isso, no campo de treinamento para espadachins, a tensão apenas aumentava. Os bastões entravam em contato constantemente, enquanto o suor e o cansaço possuíam os soldados.

No entanto, Melquiore como treinador, se recusou a dar descanso aos soldados, era treino sem parar.

— E então… — Gabriel suspirou, olhando para Florento que tinha milhares de gotas de suor percorrendo seu corpo. — Eu estou melhorando?

— Pela primeira vez, você conseguiu achar uma brecha para me acertar. Se isso não é melhorar, então não sei o que é!

Gabriel sorriu, limpando o suor do seu rosto com a mão que pegava a espada.

— Parece que temos indivíduos bem promissores. — Melquiore gostava do que via. Os jovens estavam mostrando um pouco de avanço. Contudo, ainda estavam longe de dominar a espada, mas aquele minúsculo avanço já era algo significativo.

Saber se defender e contra-atacar era o fundamento da arte da espada e os jovens Miorianos estavam se especializando nisso.

— Você aí. — Melquiore apontou para a mascarada, ele estava de olho nela há bastante tempo, desde a luta contra Valdes. Ele sabia que se tratava de um Mioriano, mas diferente de todos… Ele podia dizer só de olhar, era um prodígio — Quero que lute comigo.

Todos os soldados paralisaram seus combates e olharam para o capitão. Alguns murmúrios haviam começado a ressoar, no entanto, Melquiore deu ordens para que continuassem a lutar sem olhar para a batalha que estava prestes a iniciar.

Yara, que havia abandonado o arco e flecha desde hoje cedo, avançava em direção ao Melquiore com sua espada reluzente à luz do sol. Um olhar ali e aqui sempre desviava para observar aquele combate.

— Nome?

Yara apenas gesticulou as mãos.

— Entendi. É mudo e, mesmo assim, possuí um talento incomparável para espada. — Melquiore elevou o bastão para frente, recuando um dos seus pés para trás enquanto afiava o olhar tal como o de uma águia. — Vamos, venha.

Yara apenas pisou fundo na terra e correu ao Melquiore com a espada centralizada. Um movimento fácil de prever, mas que não abria brechas.

Os bastões entraram em contato, friccionando-se. Os soldados haviam parado seus combates para observar aquele embate entre o prodígio e o capitão.

— Me espanta ter aprendido isso em tão pouco tempo. Você é um daqueles prodígios que nasce uma vez a cada geração, não é?

Mascarada balançou a cabeça positivamente.

— Entendo. — Melquiore recuou alguns centímetros, removendo o bastão. Depois colidiu novamente, uma série de colisões emergiu. Yara estava se aguentando bem, no entanto, o capitão tinha consigo uma experiência anos-luz dela.

O bastão quebrou, Yara tomou uma rasteira e caiu no chão.

— Se você tivesse treinado por seis meses, teria força suficiente para me derrotar. Mas orgulhe-se… — Esticou sua mão ao encontro da mascarada. — Porque eu te reconheço como um dos melhores espadachins que já tive prazer de lutar, mesmo sendo um novato.

Yara agarrou a mão de Melquiore.

— Que mãos delicadas.

Mascarada imediatamente recolheu suas mãos para trás de suas costas e encurvou a cabeça em respeito ao capitão, saindo nas correias.

— Estão olhando o quê? Voltem ao treino!

Todos desviaram os olhos imediatamente. Muitos dos soldados ficaram insatisfeitos, pois estavam lá há mais tempo, no entanto, aquela jovem havia ganho o respeito do capitão muito antes deles. Murmúrios foram tomando conta do campo do treinamento.

— Quem se sentir insatisfeito com o meu reconhecimento, poderá me desafiar quando quiser. Estou à disposição.

Os soldados engoliram em seco e deixaram quieto, nenhum deles tinha coragem para desafiar Melquiore.

— Aquele Mioriano sempre foi tão forte assim? — questionou Florento, com os olhos postos na mascarada que cruzava o bastão com o parceiro de combate que havia abandonado outrora.

— Acho que não faz mal contar a você… — Gabriel soltou um sorriso meio torto.

— O quê? Sabe de alguma coisa?

— É que aquele Mioriano é a irmã do Miomura — sussurrou.

— É O QUE?!

Florento gritou, abismado. Os soldados ao seu redor direcionaram os olhos para ele.

— Digo, é o que? — Florento diminui sua voz, enquanto cruzava o bastão com o Gabriel. Aquele friccionar era mais para que ele pudesse ouvir mais sobre isso.

— É, mas não conta para mais ninguém. Só te contei porque você merecia saber.

— Entendo. — Florento se distanciou e cerrou o punho naquele bastão. — Então aquele traidor não me contou nada… Pensei que fossemos amigos para tudo.

— Vejo que não sou o único que se sente assim.

Gabriel soltou um suspiro pesado.

Depois daquele dia, os treinamentos se intensificaram ainda mais. Com tempo, os Miorianos haviam apresentado uma melhora significativa, o que deixou Melquiore feliz, pois não havia feito um sacrifício em vão ao se arriscar trazendo aqueles dez.

Os murmúrios a respeito da falta de habilidade que aqueles jovens apresentavam também foram suavizando aos poucos.

— Bem, aqui me despeço.

Era noite do terceiro dia, e Yara dava um braço em seu irmão em meio a algumas tendas do acampamento. Havia alcançado seu objetivo, que era aprimorar suas habilidades como guerreira.

— Se cuida… E cuida bem do pai — disse Miomura com um sorriso no rosto.

— Isso eu digo a você. Não se meta mais em nenhuma besteira. — Yara deu as costas enquanto carregava uma sacola nas costas.

— Eu já amadureci! — Miomura passou a mão no nariz, presunçoso por ter aprendido inúmeras coisas lendo aquele livro.

— É mesmo? Que bom.

E assim, aqueles dois irmãos se despediram um do outro. Gabriel, que havia os seguido, observava tudo enquanto se escondia por detrás de uma tenda.

— Você nunca foi bom em brincar de esconde e esconde, não é mesmo, Gabriel?

Miomura revirou o olhar. Gabriel enfim se revelou, começando a caminhar em direção ao amigo que boceja, levantando seus punhos ao alto.

— Assim está bom, ela ter ido embora…

— É, você tem razão. Mas… — sorriu. — Se não fosse por ela, eu já estaria morto.

— Afinal, ela é a sua irmã mais velha.

— Mas eu nasci primeiro. — Miomura apontou o dedo indicador contra o peito. 

Gabriel soltou um leve suspiro.

— Na idade, sim, mas na mentalidade não.

— Também posso dizer o mesmo de você. Maria é mais calma, menos brava e muito compreensível.

— E quando eu neguei isso?

— Você é tão sem graça — Miomura sorriu, empurrando os ombros de seu amigo. — Nem para revidar!

— Eu já sou adulto. Aqueles tempos de criança se foram, agora eu tenho dezoito anos.

— Se eu pudesse… — Miomura soltou um suspiro. — Continuava uma criança para sempre.

Gabriel sorriu, observando ao lado do seu amigo aquela noite repleta de estrelas como nos velhos tempos, de quando eram crianças.



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