Volume 1

Capítulo 28: Revolução

— Quem iria imaginar… Que você não passava de falácias. — Maísa riu, olhando para Miomura que tentava acertar o alvo, mas sempre falhava.

— Eu nunca disse que era bom no arco e flecha.

— Então… Por que usa a máscara da equipe de arco e flecha? Tem certeza de que pertence ao grupo do arco e flecha?
Porque isso é só o básico dos básicos!

Miomura se viu sem resposta para tais indagações. Quanto mais o seu silêncio perdurasse, mais Maísa desconfiava. Com o olhar semicerrado preso a máscara do Miomura, ela elevou sua mão para retirar a máscara dele, ansiando fazer uma leitura facial.

— Acontece que…

Maísa parou sua mão.

— Eu fui obrigado a me tornar um soldado pela minha família. 

— E o que isso tem a ver?

— Eu não queria estar aqui. Eu tenho medo da guerra, da morte!

Nessas últimas palavras, Miomura não havia mentido. Ele estava, pela primeira em tempos, sendo sincero.

— Então por que não volta para sua terra? Fracos não tem lugar aqui, deveria saber muito bem disso.

— Ah, eu sei.

— E então…?

— Estou aqui por justamente não querer mais ser fraco. Eu quero me tornar forte e ser reconhecido pelas pessoas!

— Então trabalhe para isso, se não será mais só um cadáver de guerra. — Maísa se virou, começando a caminhar. As palavras anteriormente ditas por Miomura trouxeram vagas lembranças da sua pré-adolescência. Era como se Miomura fosse um espelho que refletia seu passado.

Miomura suspirou, treinando continuamente. Mais e mais, enquanto gotas de suor preenchiam seu corpo. Mesmo quando os arqueiros foram descansar, ele continuou a treinar sem parar. Ainda que a dor percorresse seu braço, ele treinava e todo mundo observava aquela cena.

Alguns chamavam-no de perdedor, enquanto outros o elogiavam por sua persistência.

— Eu preciso… — Miomura mal conseguia colocar uma flecha sequer no fio do arco, seus joelhos caíram sobre a face da terra. Gotas de suor haviam encharcado todas suas vestes. Seu corpo, imediatamente, repousou sobre aqueles grãos de areia, que se amontoaram no rosto, nas suas vestes molhadas.

— Parece que o perdedor enfim caiu e olha que ele ainda não conseguiu acertar o alvo!

— Que piada!

Os arqueiros riam do jovem estatelado no chão. Maísa apenas observava com um leve sorriso aquela toda cena. Yara segurava seus punhos para não agredir nenhum daqueles arqueiros presunçosos que desvalorizavam o esforço que seu irmão fazia para melhorar.


                           (…)


Enquanto isso, em outra parte do campo de treinamento para espadachins, os Miorianos exercitavam a arte da espada com o capitão Melquiore. Ele passava entre os soldados, conferindo suas posturas enquanto cruzavam bastões. Notou que os Miorianos ainda tinham muito caminho a percorrer para virar um soldado.

Repensou a ideia de ter se arriscado tanto ao trazer dez Miorianos para treinarem em Aclasia, sendo que eles só tinham apenas poucos dias para que a guerra começasse e o treinamento para um soldado levava em média seis meses. 

— Parece que eu me deixei levar pelo coração, não há salvação para essa gente… Hoje mesmo direi para que retornem às suas casas. — Melquiore olhava com pesar para aqueles jovens que se esforçavam para aprender o máximo possível da arte da espada, mas nenhum progresso significativo ocorria. De longe, eram os piores. Terem aguentando um pouco contra Valdes foi apenas um golpe de sorte. Um calor do momento. E na guerra, não havia espaço para o calor do momento, apenas as habilidades com a espada é que mais contavam.

— Florento, acha mesmo que somos capazes de aprender a lutar com a espada a tempo da guerra?

— Sendo sincero, não. 

Aquelas palavras fizeram o coração de Gabriel desabar.

— Pelo menos não no nível de um soldado que treinou por seis meses. A não ser que um milagre aconteça.

— Entendi. — O brilho nos olhos do Gabriel foi aos poucos desaparecendo, em perplexidade do que Florento havia dito. Em outras palavras, era impossível que atingissem esse nível. 

— Mas não preocupe… Se é de milagre que precisamos, vamos fazer acontecer!

— Milagre? Faz tanto tempo que deixei de acreditar nisso. 

— A deusa da sopa ficaria decepcionada por ouvir essas palavras da sua boca. — Florento lançou um golpe de bastão contra Gabriel que mal conseguiu se defender direito. Sua mão tremelicava. 

— Maria? Ah, ela vai ficar bem. — Gabriel retrocedeu, direcionando o bastão contra Florento com mais intensidade. Um bac se ouviu quando ambos entraram em contacto. — Ei, escuta, se eu morrer, quero que por favor faça o possível para não deixar faltar comida para Maria.

— Aconteça o que acontecer, não faça a deusa da sopa chorar.

Ao ouvir essas palavras, seus olhos arregalaram. Um pedaço de uma lembrança não tão distante passou pela mente do Gabriel, trazendo palavras com um grande peso emocional." Sua vida pode não significar nada para você, mas para nós ela é muito valiosa."

As mesmas palavras que ele havia dito ao seu amigo, agora se viravam contra ele.

— Uma vez o meu pai disse: A esperança é a última a morrer. E eu sempre achei isso uma idiotice, mas vejo que estou precisando ter fé nessas palavras.

— E ele não estava errado. Seu pai era um sábio!

— É... Acho que está na hora de eu voltar as minhas crenças. 

Florento sorriu, havia levantado a moral do seu amigo. Agora Gabriel tinha esperança, tinha uma convicção que o fazia querer voltar vivo. Sua irmã. Seus golpes foram ficando fortes com o decorrer do tempo, havia finalmente ganho a vontade dos guerreiros. 

                       
                             (…)


Em contrapartida, uma multidão de homens com um bom porte musculoso caminhava em direção a um espaço aberto, perto da margem do rio Aclá. Portavam em suas mãos alguns bambus, paus, tudo quanto servisse para lutar. 

Numa reunião convocada pelo chefe aldeão, foi decidido que eles em hipótese alguma deveriam ficar de braços cruzados como ovelhas entregues ao matadouro. Tinham de lutar a todo custo para que pudessem sobreviver à guerra.

Punhos foram levantados, todos haviam concordado com o treinamento em horários regulares para que pudessem aprimorar suas habilidades com o uso de armas brancas, como machados, facas e muito mais. 

— Fico feliz que tenham comparecido, meus compatriotas! — O chefe aldeão direcionava seus olhos acastanhados por toda aquela multidão de Miorianos. Em sua mão, portava um machado. 

— Como já sabem, não há possibilidades de negociações com o rei de Aclasia. — Engoliu em seco. — Uma aniquilação é o que o rei quer. No entanto, não vamos aceitar a morte de bom grado! — O chefe conseguiu reunir todos os olhos severos dos Miorianos enquanto discursava. Eram olhos de pessoas que, mesmo diante da morte, não queriam desistir, determinação estava escrito em suas testas.

— Podemos ser escravos, mas... — O chefe aldeão mordeu os lábios. Sabia que estava prestes a falar palavras que evidentemente colocariam sua vida em perigo caso o rei ou os capitães viessem a saber. Mas era isso, ou o seu discurso se tornaria em algo tão superficial. 

Balançou a cabeça negativamente, buscando se livrar daqueles pensamentos de morte que o atormentavam e, com todo seu coração, gritou, levantando seu machado ao alto:

— Essa terra é nossa!!! Vamos lutar! Vamos lutar, não pelo reino de Aclasia, mas pelo nosso reino! — Desceu o machado que pesava em sua mão dominante e suspirou, levantando o punho esquerdo. — O reino de Mioria que há tempo foi devastado. Vamos, rumemos em direção às portas da liberdade!

Em poucas palavras, uma revolução. Punhos foram levantados ao alto, o chefe aldeão depois se arrependeria de dizer aquelas palavras, pois aquelas mesmas palavras levaram muito dos seus conterrâneos à tumba. No entanto, quem se importava com arrependimentos? Quando a morte foi decretada no momento em que o rei anunciou que os escravos que não detinham habilidade alguma com a espada teriam de participar da guerra.

Um grito de guerra, milhares de vozes ressoavam pelos quatro cantos. Vozes que carregavam o clamor dos seus antepassados, dos revolucionários que morreram tentando libertar o seu povo das garras dos lobos.

— É hora de retomarmos o que é nosso! — Mais vozes foram ganhando destaque. — E expulsar os Aclasianos para todo sempre!

— Que ironia do destino… — Rymura riu, apalpando seus cabelos enquanto observava aquela multidão. Ao seu lado estava seu amigo de longa data, Mirio, que segurava um bambu em suas mãos. — Parece que acabei concordando com as palavras que uma vez saíram da boca do meu filho.

As lembranças da discussão com o seu filho passaram como um flash, trazendo à sua mente aquelas palavras duras que ele tanto reprovava. 

— Devemos nos rebelar de uma vez por todas, se vamos morrer pela guerra. Foi o que ele disse.

— É duro ter que aceitar, não é? Quando os filhos têm razão.

— Nem me fale. Se ele estivesse aqui, estaria esfregando isso na minha cara. Aquele idiota...— Rymura estalou a língua, lembrando do sorriso do seu filho. — Que saudades.

Mirio riu, batendo nos ombros do amigo enquanto se lembrava dos meses em que havia ficado fora de casa por ter sido transferido para trabalhar em outras partes de Aclasia.

— Eu te entendo, amigo. Eu te entendo.
             

                          (…)

No campo de treinamento para arqueiros, Miomura continuava lançando flechas em direção ao alvo, tentando vezes sem conta aceitar o pontinho avermelhado, mas sem sucesso.

— Acerta, droga! — Miomura logo suspirou, seu rosto ainda estava transbordando de suor enquanto pequenos grãos de areia estavam grudados na sua pele.

— Vejo que precisa de ajuda. — Yara caminhou até ele enquanto empunhava seu arco.

— Então você está cega, porque não preciso de ajuda. — Miomura colocou novamente uma flecha no fio do arco, mirando o pontinho vermelho. — Vai!!

A flecha falhou novamente o alvo, havia colidido alguns centímetros abaixo do ponto vermelho. Yara franziu os olhos, uma brisa passou entre eles, enquanto Miomura ficava cada vez mais constrangido.

Os demais arqueiros nem ligavam mais para ele, haviam se fartado de tanto rir, agora tinham foco em seu treinamento individual. Maísa observava tudo de longe, enquanto saboreava vinho. Balançava sua taça de um lado para o outro, fazendo o vinho saltitar, enquanto observava a mascarada tentando ajudar Miomura.

— Deixe de ser teimoso e observe — Yara retirou uma de suas flechas da aljava. Miomura nem queria olhar devido à sua teimosia, mas sua curiosidade venceu. Seus olhos ficaram tão afiados que se assemelhavam ao de uma águia, enquanto ele observava com precisão cada movimento que Yara fazia.

— Faça uma postura que nem essa que estou fazendo. — Yara alinhou o corpo perpendicularmente ao alvo, enquanto mantinha os pés afastados na largura dos ombros. — Depois, aponte o arco para baixo e coloque a flecha no fio. — Movimentou o arco alguns centímetros para baixo e colocou a flecha no meio do fio. Em seguida, puxou os três dedos que seguravam de leve fio até o rosto enquanto fechava um dos seus olhos. — E depois é só lançar em direção ao alvo.

Yara desprendeu os dedos de fio. A flecha partiu com grande velocidade em direção ao alvo, acertando-o. Miomura arregalou os olhos, ficando de boca aberta.

— O-Onde… — Direcionou os olhos a Yara, enquanto movia o maxilar ligeiramente.  — Aprendeu isso tudo? Como você sabe disso tudo e eu não?!

— Aprendi observando os outros. Eu vi eles fazendo e apenas fiz.

— Que mundo injusto. Somos irmãos e mesmo assim…

— E mesmo assim, você vai se esforçar para aprender — cortou Yara, voltando para seu lugar. — Não há nada que você não possa aprender se tiver força de vontade. 

— Eu preferia ter nascido um gênio mesmo. — Miomura retirou a flecha da aljava, baixando um pouco o arco e mantendo a postura perpendicular ao alvo como sua irmã havia feito. — Assim, me poupava trabalho.

Com a flecha colocada no fio do arco, ele desaprendeu seus dedos e, pela primeira vez, havia chegado perto de acertar o alvo. Sua pontaria havia melhorado graças às dicas da sua irmã, agora era só questão de treinar mais.

Yara sorriu por dentro da máscara enquanto observava o enorme passo que o irmão havia dado.

— Finalmente… falta pouco! — Miomura cerrou o punho direito. Um sorriso emergiu dos seus lábios, um sorriso de conquista.



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