Volume 1

Capítulo 25: A força de um capitão

— Vermes... — Valdes lançou um olhar intimidador acompanhado de um sorriso malicioso. Aquele sorriso temido por muitos, por ser sinal de algo péssimo. — Ou melhor, formigas. Estão em um número tão alto. Hum, estão cientes de que entraremos em guerra, não é?

Todos assentiram em continência, com a mão esquerda sobre a testa. Valdes sorriu, ainda por cima de seu cavalo, cuja pele mesclava tons castanhos e brancos.

— É bom ver que estão animados. Só espero que não para morrer, porque seria um desperdício e tanto.

— Não, senhor!

Melquiore apenas observava seu irmão intimidar os soldados com suas falas e expressões. Apesar de ser um guerreiro cujas habilidades o dignificavam, ninguém respeitava Valdes, apenas o temiam. Os soldados mais pareciam estátuas com expressões de pavor diante da sua presença.

Se cada um tivesse chance, não hesitaria em apunhalar Valdes pelas costas. Mas ainda assim, mesmo com diversas brechas, ninguém era páreo para ele. Os capitães normalmente possuíam habilidades que valessem por cem soldados.

Por isso que para se tornar um capitão havia um caminho estreito e espinhoso para se trilhar. Logo ser capitão não era para qualquer um, pelo menos em Aclasia.

— Irmão, já chega. Os soldados já entenderam! — Melquiore tocou no ombro do irmão, que não parava de falar um monte de ditadura militar. Como se eles precisassem de alguém que lhes tornasse a autoestima baixa mais do que já estava. Bem, na cabeça de Valdes era assim que funcionava. Quanto mais você inferioriza a pessoa, mais ela cresce, mais tende a se revoltar e se fortalecer.

Mas essa sua metodologia de ensino não estava funcionando lá muito bem.

— Você é mesmo um estragar prazer...

— E você não serve para ser um capitão, convenhamos. Não estamos aqui para ferir o psicológico deles. Estamos aqui para treinar e encorajá-los.

— No meu tempo não existia tal coisa. Mas se pretende produzir cadáveres de guerra, fique a vontade.

— Não podemos perpetuar esse tipo de ensinamento. Não é porque ouvimos tais palavras que devemos passá-las adiante.

Hum, é por isso que você continuará um frouxo. Foram essas mesmas palavras que te tornaram no guerreiro forte que é hoje — Valdes sorriu.

— É, de fato. Mas a que custo?

— Já ouviu aquele ditado que diz: quanto mais o remédio for amargo, mais eficaz ele é.

— Estamos perdendo tempo e é o que não temos. Você já falou, agora é a minha vez.

— Fique a vontade. Acho que eles precisam descontrair depois de terem contemplado a minha sabedoria. 

Melquiore avançou um pouco mais com o seu cavalo de pele castanha. Agora, aquelas expressões de pavor haviam sido substituídas por sorrisos. Aquele, sim, era o capitão que eles admiravam e verdadeiramente respeitavam.

— Escutem, soldados! Não é todo dia que terão por perto os capitães, então espero que aproveitem ao máximo os aprendizados de hoje. Eu, Valdes e mais uma convidada nos oferecemos para treiná-los pessoalmente! — Com aquelas palavras proferidas por Melquiore, milhares de punhos foram erguidos para cima. No entanto, muitos não queriam Valdes como treinador. Temiam por suas vidas.

Melquiore percebeu isso.

— Não se preocupem, as batalhas serão feitas com bastões de madeiras.

Aquelas palavras aliviaram o coração daqueles pobres soldados.

— Então... Do que estão a espera para pegarem seus bastões, vermes! — Valdes saltou do seu cavalo para o chão.

Os soldados, numa debandada, correram até uma casa que ficava todos os armamentos dos soldados.

Uma poeira fora levantada entre aquelas quatro paredes. Valdes e Melquiore balançavam suas mãos ao relento do vento, buscando espantar aquela imensa poeira que pairava sobre o campo de treinamento por causa da correria desenfreada dos soldados.

— É! Parece que hoje treinaremos com os capitães mesmo! — Florento sorriu. — Uma honra, aproveitem pessoal!

— Espero não ter que batalhar contra o Valdes, se não, eu juro que arranco a cabeça dele.

Miomura não havia gostado nada daquele discurso do Valdes, o lembrava do discurso que ele havia feito na sua vila.

— Ei, maneira aí. Você viu como todos os soldados o respeitam, não viu? Ou melhor, o temem... Você viu a presença que aquele cara passa? — Thomas olhava com pavor para Miomura. — Aquele cara é forte. Rezemos para que não nos descubram!

O medo de ser descoberto tomou conta do Thomas, na verdade, de todos os Miorianos que estavam presentes naquele campo de treinamento.

— Estamos no covil dos lobos. Somos como pequenas ovelhas, idiota! — disse Gabriel.

— É, eles têm razão. Por isso, não tente fazer nada de imprudente contra o capitão Valdes, se não garanto que a sua morte não será nada perto do que poderá acontecer a todos nós. — Florento agora estava sério. Todos tiveram que repetir aquilo milhar de vezes para que Miomura compreendesse que deveria deixar sua maldita vingança e voltar os seus pensamentos à oportunidade de treinamento que tinham.

— Tudo bem. Não farei nada de imprudente. Foi mal, pessoal.

Assim, todos confiaram nas palavras Miomura, não que tivessem outra escolha.

— Oh, oh, cheguei chegandoooo! — Uma mulher em seu traje de soldado entrava pelo portão, com sorrisos e acenos. Os capitães vagaram seus olhos por ela, desde as pernas a cara. Era a convidada.

— Quanta demora, Maísa.

— Eu estava me arrumando, dá um desconto, meus capitães favoritos.

— Se no final do dia sair comigo, quem sabe...  — Valdes sorriu maliciosamente com os olhos postos na mulher diante dele. Uma mulher de beleza estonteante.

— Hum, sinto muito, mas... — Maísa sorriu e balançou seus longos cabelos pretos. — Não vai rolar. Só aceito compromissos sérios, sabe? — Deslocou seus olhos azuis cristalinos ao capitão, que permanecia quieto, apenas observando para onde ia a conversa daqueles dois. — Tipo, o melquiore.

— Tsc, como pode preferir homens frouxos como ele.

— Apesar de tudo, eu ainda sou uma mulher de respeito. Reservada e tudo mais. Prefiro não me meter com pessoas "infiéis". — Ela encurvou os dois dedos com um sorriso ao Valdes, sua ficha diante de Maísa havia caído há bastante tempo. A de um homem que tinha a fama de ficar com muitas mulheres.

— Mas quem disse que ele é fiel?

Valdes olhou para o seu irmão com um sorriso um tanto quanto malicioso.

— Ei, ei, estou aqui, entendem? Não usem o meu nome para os vossos dilemas sobre romance.

— Tá vendo, é por isso que eu gosto de homens como o Melquiore. Se fosse assim, como ele, quem sabe... Pena que não dá para nascer de novo, não é, capitão?

Maísa lançou um sorriso provocativo.

Tsc, no dia em que eu roubar esse seu coração de pedra, vou querer ouvir essas palavras novamente.

— Isso é tão... mais tão impossível de acontecer. Você viaja muito!

Maísa riu.

Depois de terem pegado cada um o seu bastão, cada um dos soldados voltou ao centro do campo de treinamento. O sol não poupava nem um pouco em lançar seu calor sobre os soldados, não bastassem suas vestes.

Em alguns, um pouco de suor começava a percorrer seus corpos, o que dificultaria um pouco o manuseio do bastão. Não que isso fosse uma completa desvantagem, pelo contrário, era até bom.

Uma batalha gera produção de adrenalina, consecutivamente, a geração de suor. Seria um tanto quanto perigoso um soldado que não sabe lidar em plena batalha com as condições geradas pelo seu próprio corpo.

— Soldados, está mulher que aqui veem será a vossa treinadora. — Melquiore apontou para aquela mulher em vestes de soldado, que acenou para os soldados.

— Me chamo Maísa Venila. E será um prazer trabalhar com todos vós, meus queridos soldados!

Os soldados levantaram os punhos ao alto na expectativa de serem treinados por uma mulher, algo que era a primeira vez a acontecer.

— Acabou a festa! — Valdes bateu palmas. — Agora vamos ao que realmente importa. Vamos, venham, quero esticar um pouco os meus ossos!

— Ei, não é assim que funciona... — Melquiore semicerrou os olhos em protesto e Maísa colocou a mão em seu ombro direito, dizendo:

— Deixe-o, Melquiore.

— Maísa?

— Eu quero ver como os soldados se comportam diante de uma luta contra o capitão

Melquiore atendeu ao pedido de Maísa. Valdes que tinha seu bastão em mãos, expressava seriedade em seu olhar e, ao mesmo tempo, deixava transparecer um sorriso malicioso. Observava os soldados como se fossem formigas prestes a serem esmagadas.

— Ei, é sério que vamos ter de lutar com o capitão Valdes? — O soldado engoliu em seco. Uma gota de suor percorria desde sua face até o pescoço.

— Ele está de bastão. Não precisamos nos preocupar com nada!

— E, além disso, é só ele sozinho contra todos nós, ele não vai aguentar!

Essas entre outras palavras podiam ser ouvidas das bocas dos soldados. Apenas um capitão e de bastão, isso claramente era música para os seus ouvidos. Ainda assim, enquanto alguns juravam dar o seu melhor, outros juravam apunhalá-lo.

— Essa é a minha oportunidade!

— Vê se controla a língua, Miomura. — Thomas alertou.

— Não é só a sua vida que está em perigo, meu caro — disse Florento.  — Pensa no bando.

— Não faça nada de imprudente. — Gabriel advertiu, colocando a mão sobre os ombros do seu amigo.

— Não precisam se preocupar. Eu já sei. Eu não farei nada que venha a nos colocar em perigo.

— Perfeito.

Por outro lado, Valdes estava um tanto quanto impaciente pela demora dos soldados a atacá-lo.

— Do que estão... Ah, não, não precisam. Afinal, eu sou um caçador! — Com um largo sorriso, Valdes correu aos soldados que também lhe vinham de encontro. Uma poeira havia sido formada novamente. A verdadeira batalha havia iniciado. Um único homem contra uma frota inteira de soldados.

Um soldado nocauteado. Dois, três, quatro, não, cinco soldados nocauteados. O massacre havia começado, Valdes já não podia mais contar nos dedos das mãos quantos soldados havia derrubado assim que fez o primeiro contato com a multidão de soldados. Continuava a derrubá-los um por um, dando um autêntico show de exibição de suas habilidades como capitão.

Era cada corte que fazia nos membros dos soldados que se fosse a espada, um riacho de sangue banharia todo campo de treinamento. Não havia ali quem o parasse.

— Ele está derrubando todos em segundos. Que forte! — Thomas ficou espantado, mas não foi só ele, seus colegas compartilhavam do mesmo espanto. Queixos caídos, olhos arregalados.

— É assim que tem que ser! — Miomura prosseguiu com o bastão em suas mãos.

— Idiota! Você é quem menos devia ficar animado! — Gabriel o seguiu, deixando um rastro de poeira. Alguns Miorianos seguiram-nos também.

— E você? Não vai? — questionou Thomas, fitando Florento que apesar de ser o mais experiente, ficava ali parado.

— São todos emocionados. De qualquer forma, seremos todos aniquilados.

— Vejo que você é um dos meus — sorriu e direcionou os olhos para mascarada muda. — Você também vai ficar? Com o golpe que me deu hoje, quem sabe... Não tenha chance! — Ele riu.

O mascarado lançou um suspiro pela máscara e seguiu correndo.

— Eu falei brincando, não imaginei que ele iria.

— As palavras têm poder, meu caro.

Florento sorriu, observando a mascarada correr em direção àquela névoa de poeira que havia se formado ao redor daquela batalha.

Apesar da fadiga, os soldados não paravam de erguer seu bastão contra aquele único homem que não parava de derrubar muito dos seus.

Em contrapartida, Valdes estava adorando realizar aquele massacre. Estava se sentindo vivo vendo os soldados caírem aos golpes de seu bastão. A intensidade dos seus golpes apenas aumentava, tão forte quanto rajadas de vento.

O soldado que fosse acertado, desmaiava ou ficava um bom tempo sem conseguir se levantar. E muitos eram o que comiam poeira e não conseguiam mais erguer os seus rostos cravados na face da terra.

— Quero mais. Vamos, divertam-me, pragas!

Ahhhhh! Acha que isso é divertido?! — Miomura sussurrou por dentro da sua máscara enquanto empunhava o seu bastão com toda sua força. — Então toma essaaaaaa!

Miomura partiu com toda força para o Valdes, no entanto, se o seu amigo Gabriel não tivesse puxado sua gola, ele teria comido terra assim como milhares de soldados que tentaram um ataque direto contra Valdes.

Com o coração acelerado, Miomura suspirou várias vezes consecutivas após estar a alguns centímetros de ser atingido o rosto.

— Por que você fez isso?

— Eu te salvo. E você ainda pergunta! — gritou Gabriel — Quer saber, vai lá, apanha um pouco para aprender!

— Só perguntei, apenas nisso.

— Lá vem ele... — Miomura olhou para Valdes que se aproximava deles com o bastão erguido para cima. Ele empunhou seu bastão. — É a minha chance!

Gabriel também preparou seu bastão.

— Então, isso é a sensação de se estar em uma batalha de verdade… 

Gabriel imaginava que a verdadeira sensação de estar numa batalha era aquela, mas não, ele estava enganado. O verdadeiro campo de batalha era muito mais assustador do que ele poderia imaginar.

Um lugar onde não havia espaço para sorrir, pensar no outro, muito menos chorar. Aquele simples treinamento não passava de nada perto de uma guerra. Era um parque de diversões para crianças brincarem.

Dizem que a realidade tende a ser decepcionante. Gabriel, mais tarde, entenderia esse conceito.

— Droga! Por algum motivo, eu estou tão empolgado! — Gabriel partiu junto do Miomura ao ataque do Valdes que vinha ao seu encontro. Um ataque de amigos. Há muito tempo que não faziam nada juntos.

Quando de frente um ao outro, Valdes preparou seu bastão para noucatear aqueles dois, mas um soldado interferiu. Travando uma disputa de bastão contra Valdes, algo que ainda não havia acontecido desde que Valdes começou o seu massacre.

Era a mascarada. Miomura e Gabriel perambularam seus olhos naquela disputa incessante. Os soldados arregalaram os soldados vendo aquilo.

O capitão estava sendo subjugado?

Oh, não imaginei que dentre esses vermes houvesse um tão promissor. Isso está ficando tão empolgante!



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