Volume 1

Capítulo 24: Revelação

— Ei, o que faz aqui? — Os olhos arregalados de Miomura rodeavam com espanto o rosto do mascarado, que outrora tinha sua identidade desconhecida. De todas as pessoas que Miomura poderia imaginar estarem diante dele naquele momento, aquela pessoa não lhe passava pela cabeça.

— Ficou louca?! — Miomura segurou seus ombros bruscamente. — Yara!

— Calma... — Yara suspirou com olhos sobre a face irritada do irmão. — Calma, que eu te explico tudo.

— Não tem explicação! — Miomura deixou os ombros de sua irmã e apontou o dedo indicador para frente. — Para casa! O pai deve estar preocupado!

— Quanto a isso, não se preocupe.

— Como não?!

— Eu deixei uma carta dizendo que ficaria com Maria por uns tempos.

Miomura colocou a mão na testa, decepcionado. E suspirou.

— Volta para casa, Yara. Agora!

— Eu quero... treinar!

— Tem noção do que diz?

— Tenho, eu preciso proteger o vilarejo. As crianças, os idosos, eu preciso!

— Para começo de conversa, você é apenas uma mulher. Mulher não lutam, entendeu?

— E a Mamãe?

— Chega. Chega de comparação! Vamos, eu vou te levar à saída. — Miomura tentou pegar na mão dela, mas ela recusou e recuou alguns passos. Miomura franziu as sobrancelhas diante de tamanha rebeldia.

— Não, eu já estou aqui — afirmou Yara, levantando três dedos. — Três, três dias é o que preciso para aprender.

— Você só precisa ir para casa agora!

Yara mordeu os lábios, franzindo as sobrancelhas.

— Se não fosse por você, acredite, eu não estaria aqui!

— Eu?

— Sim, você. Se não tivesse aberto a boca para falar contra os capitães, estaríamos a salvos, juntos.

— É sério que vai jogar isso na minha cara?

— Estou apenas te lembrando de que suas ações tiveram seus resultados.

— Tá, e daí, isso não tem nada a ver com você aqui. Volte para casa, é uma ordem! Ou, se não...

— Ou, se não, o quê? Escuta, Miomura, a partir de agora eu é quem dito as regras. Caso não me deixe permanecer por três dias, direi ao pai que foi você quem causou isso tudo. — Yara franziu as sobrancelhas, o olhando severamente. — Só para que conste, isso é uma ameaça!

— Você não vale nada mesmo...

Miomura franziu os dentes em uma expressão de indignação.

— Vai me deixar ficar?

— Sua vida é mais valiosa. Por isso, não.

— Não se importa com o quanto o papai vai ficar zangado contigo? Decepcionado e até triste?

— Ele já está. Não vai fazer muita diferença.

— De qualquer forma, ficarei. — Yara recolocou sua máscara. Decidiu que, ainda que o seu irmão não aprovasse, ficaria à força. — Se não me deixar, farei um escândalo aqui e todos nós seremos pegos.

— Você não teria coragem.

— Quer pagar para ver?

— Não.

— Então está combinado, eu fico aqui por três dias.

Miomura cerrou os punhos enquanto franzia os lábios, era inaceitável aquilo. Como irmão mais velho, ele estava se sentindo o mais miserável de todos.

Naquele momento, se compararia a um peixe apanhado pela rede que sua irmã havia tecido desde o começo. Começou a lembrar da tranquilidade com a qual ela havia aceitado tudo aquilo. É claro, desde sempre ela planejava vir também.

— Se o papai te descobrir, você sabe muito be—

— A casa da Maria fica muito longe da nossa, mais muito longe.

— Por que você faz sempre o que quer?!

— O sujo falando do mal lavado, que te parece?

Yara prosseguiu, caminhando até o acampamento, confiante de que seu irmão guardaria segredo.

Miomura caiu de joelhos, contemplando o céu estrelado e começou a rir ao bel-prazer do vento que soprava seu rosto. Tudo o que sua irmã havia dito era verdade, desde que abriu a sua boca, tudo se estragara.

— Mamãe, o que eu faço?

Sua voz foi levada ao som do vento, na esperança de que pudesse alcançar sua mãe onde quer que estivesse.

                             (...)

Por outro lado, a mascarada chegava à tenda, onde se assentavam aqueles jovens ao redor daquela fogueira crepitante.

— Vejam só quem voltou? — O primeiro a olhar foi o Thomas, depois os demais. — Hum!

— Sentiu saudades? — indagou Florento com um leve sorriso. — Seja bem-vindo ao bando! Caramba, sempre quis dizer isso!

— E o Miomura? Não se encontrou com ele?

O mascarado apenas balançou a cabeça negativamente para tudo quanto aqueles jovens diziam e sentou-se no de uma árvore, um pouco longe dos outros.

— Onde aquele idiota se enfiou? Quando ele voltar, vai ver só!

Gabriel mais pareceria o irmão de Miomura de tão irritado que estava. O mascarado quase deixou passar um riso por ver aquele todo drama que o Gabriel fazia.

"É uma pena eu não poder rir... "

Yara esboçou um sorriso por dentro da máscara.

— O seu filho já voltou, pode parar de se preocupar. — Thomas apontou para frente. Os olhos do Gabriel seguiram o dedo indicador até encontrarem seu amigo.

— Ele não é o meu filho.

— Eu acho que é — concordou Florento.

— Eai, pessoal. — Miomura levantou uma das mãos ao alto.

— Olha, eu pensei que já haviam te pegado dessa vez! — Thomas provocou e os outros riram. — Mas ainda tenho fé que sua sorte irá acabar!

— O que vem de baixo não me atinge, sabia? — Miomura sorriu.

Thomas riu. Florento bateu palmas.

— Caramba, eu gosto bastante dessa vossa dinâmica. Anima mais o ambiente!

Tse, não somos seus palhaços — resmungou Thomas. — Tudo o que eu sinto em relação a esse otário é verdadeiro! — Ele cerrou os punhos.

— Pois eu também — disse Miomura, preparando seu punho. — Agora mesmo, tenho vontade de espancá-lo!

— Ei, ei, não comecem! — advertiu Gabriel, cutucando a fogueira com uma vara que havia desenterrado na areia.

— Poxa, Gabriel... — Florento fez beicinho. — Não estraga a diversão.

— Brigas não são divertidas. — Gabriel parou de cutucar aquela chama e rodeou seus olhos por todo mundo. — Escutem, agora é o momento de nos unirmos e pensarmos em uma maneira de adquirir maior conhecimento sobre a guerra.

— É, o Gabriel tem razão!

A maioria, não, na verdade, todos concordaram com as palavras do Gabriel. Ao invés de perderem seu precioso tempo discutindo ou brigando, eles poderiam muito bem falar de coisas construtivas, como estratégias de guerras, por exemplo.

Miomura tomou aquelas palavras proferidas por Gabriel como repressão. Percebeu de imediato que não devia perder mais tempo em banalidades.

— Florento, como você é o mais experiente aqui, nos conte tudo sobre exércitos! — Miomura cerrou o punho direito diante daquela fogueira, mas ainda incomodado com sua irmã ao lado. Ela deveria voltar para casa, espada não era para mulher. Estava claramente escrito no seu olhar de jade.

— Bem... Eu sou novato, então não tenho muito o que dizer. Mas bem...

Todos se concentraram para ouvir um pouco da sabedoria que Florento tinha como novato.

Ele os contou sobre algumas e outras coisas que envolviam a guerra, tudo quanto lembrasse durante o seu treinamento para soldado.

Miomura e os demais ficavam impressionados e pediam por mais, mas, na verdade, Florento não sabia o que mais dizer para saciar aquela fome que eles tinham por conhecimento. E, para não ficar como o mal da fita diante daqueles olhos severos, acrescentou o que lhe vinha na cabeça.

O luar e as estrelas presentes no céu foram desaparecendo enquanto Florento não parava de inventar. Bem, o entusiasmo havia tomado conta de si. Ele mesmo acreditava em tudo quanto dizia, atraindo para si, multidão de aplausos e elogios.

— Então foi... Pessoal?

Florento percebeu que todo mundo havia dormido enquanto ele se vangloriava de suas falsidades.

— Pessoal?

Apenas recebia roncos como resposta.

Um pouco mais e ele se entregou ao sono, encostando seu corpo ao do Gabriel. Era para terem dormido na tenda, mas o sono havia lhes pego de surpresa. Uma das lições que Florento havia lhes ensinado em seu conto, estava sendo quebrada.

Vigiar, porque não se sabe quando ou como, o inimigo agirá.

— Finalmente todos dormiram.

Florento havia se enganado, na verdade, havia apenas uma pessoa acordada. A mascarada, ela velava pelos seus companheiros desprotegidos à luz das estrelas.

— Caramba... Homens são mesmos barulhentos!

Yara riu, contemplando seus rostos. Alguns roncavam e outros falavam sozinhos. A noite no acampamento ainda estava agitada, apesar de muitos terem se entregue ao sono devido ao cansaço excessivo; alguns pelas bebedeiras e outros pela caminhada.

Com certeza uma forte ressaca acompanhada de um belo sermão os esperaria pela manhã.
    
E não tardou...

Como num abrir e piscar de olhos, os raios solares pousavam sobre a terra, trazendo luz. Os galos cacarejavam, anunciando um novo dia e os passarinhos piavam por cima das árvores e das tendas.

Ahhh!

Bocejos e mãos erguidas para cima enunciavam o despertar dos Miorianos ao relento do acampamento. As lenhas que durante a noite ardiam intensamente, agora não restavam mais que cinzas.

— Fazia tempo que eu não dormia tão confortável desse jeito!

— É mesmo, já me esquecia o que é dormir ao ar livre! Sem nenhuma preocupação!

— Pois é, hoje teríamos mais um dia de escravos, mas não! — Thomas sorria, esticando os braços ao alto. O vento que transpassava seu rosto, trazia-lhe o sabor que era uma liberdade temporária. — Eu daria tudo para que todos os dias fossem assim.

— Não se preocupem. Esse dia não tarda a chegar.

— Lá vem você de novo, Miomura... — Gabriel murmurou.

— Ei, ei... Olhem! — Florento apontou para a mascarada desacordada. — Acho que essa é a nossa chance!

— Melhor não.

— Dessa vez tenho de concordar com o Gabriel — disse Miomura. — Vamos ao menos respeitar ela. Digo, ele.

— Não me diga que também não está curioso para saber? — Thomas lançou um sorriso malicioso sobre Miomura, que, inusitadamente, acabou cedendo.

— Tudo bem, vá em frente!

— Miomura?

Gabriel olhou para seu amigo. Passava-lhe na cabeça o quão fácil ele se deixava persuadir.

"Se ela for descoberta por todo mundo, então ela não terá como não voltar para casa depois de tamanha vergonha... "

Esse passou a ser o plano de Miomura, fazer com que sua irmã se sinta envergonhada e vá para casa por conta própria. O plano teria dado certo se Yara não tivesse acordado justo no momento em que Thomas tentou tirar a sua máscara.

Thomas se viu arremessado ao chão após receber um soco na barriga. Yara levantou-se como se nada tivesse acontecido e acenou a mão para todos aqueles que a olhavam com espanto. Seu irmão ficou impressionado por tamanha demonstração de força. Algo que nunca havia acontecido antes, afinal sua irmã sempre foi reservada.

Ehh... Parece que o chefe dos escravos fez uma ótima escolha ao escolher você como um dos dez. Que força!

Florento aplaudiu.

— Então quer dizer que você sabe lutar?

A mascarada balançou a cabeça positivamente a pergunta feita por Gabriel.

— Então, depois, se importa se tivermos uma luta? — Miomura desafiou.

— Ei, ei. Ele é meu, nem tente — interferiu Thomas, coçando sua cabeça.

— Ninguém é de ninguém. Não se esqueçam do que viemos fazer.

— Mas... — Miomura e Thomas tentaram se justificar, no entanto, Gabriel os cortou.

— Além disso, foram vocês que provocaram, então arquem com as consequências. E outra, vocês vão chamar atenção demais tendo esse tipo de comportamento.

— Sinto muito.

— É, acho que mandei mal.

— Francamente... — Gabriel suspirou.

Depois disso, uma comitiva de soldados chegou ao acompanhamento, escoltando um homem com um terno e uma faixa, que partia da extremidade do seu ombro a sua cintura.

— Cambada de inúteis! — O homem ardia de furor ao contemplar o cenário vivido naquele acampamento. Garrafas de vinhos jogadas de um lado para outro. Um e outro soldado abandonado no chão. Outros, ainda, delirando sobre efeito da ressaca. — Tse, esses malditos... Como ousam?!

— Essa voz... — Florento reconheceu de imediato a voz que falava. — É a do Tenente Rivalle!

— Aquele senhor daquele dia, não é?

— Pois é, o senhor que você tentou enganar.

Miomura riu. Demorou cerca de mais de trinta minutos para todos os soldados estarem em forma.

Guiados pelo tenente Rivalle, marchavam em direção ao campo de treinamento. Uma marcha que chamava atenção do povo na cidade, devido à quantidade de soldados que mais pareciam formigas. Miomura e os demais estavam camuflados entre os soldados, reclamando do cheiro horrível que muitos deles exalavam.

Mas não tinham escolhas se não aguentar até a chegada ao campo de treinamento.

— Finalmente! — Miomura suspirou de alívio, como o campo de treinamento era bastante grande, por lá o ar fluía com bastante facilidade, já que os soldados não ocupavam bastante espaço. Não foi só Miomura que se sentiu aliviado, Florento e os demais Miorianos compartilharam da mesma sensação, que era respirar um ar que não fosse contaminado.

— Atenção! — O Tenente Rivalle falou. Como era baixinho, ele estava por cima de uma escadaria de caixas feitas de madeira. — Hoje é um dia importante! Sabem por quê?!

"Receberemos aumentos?"

" Cancelaram a guerra?"

— Hoje receberemos os capitães em nosso treinamento! — Algo que raramente acontecia. Embora fosse uma honra ter capitães no campo de treinamento, não era algo com que devessem se alegrar, por conta de suas personalidades.

— Então quer dizer que os capitães estarão aqui? Isso pode ser um problema, porque eles já gravaram o seu rosto, Miomura. — Gabriel direcionou os seus olhos ao mesmo.

— Acho que eles estão vindo te buscar para a execução! — riu Thomas.

— Eu só preciso usar uma máscara e tudo vai ficar bem. — Miomura recolocou a máscara que havia ganho do Florento quando esteve em sua casa. — Assim, ninguém me reconhece, não é?

— É, embora vocês dois estejam chamando muita atenção... — Gabriel viajava os olhos por aqueles dois mascarados, os únicos entre uma multidão inteira de soldados. Caso lhes perguntassem o porquê das máscaras. O que responderiam? Gabriel temia que algo assim acontecesse.

— Ah, sobre isso, não se preocupem. Temos a equipe de arco e flecha que usa máscara — assegurou Florento. — Então, creio que ninguém os interrogará sobre nada. Mas, para todos os efeitos, mantenham-se ao meu lado.

— Entendido.

Balançaram a cabeça positivamente.

— Com vocês, os capitães do maior e o mais poderoso exército de Aclasia!

Os portões abriram-se. Homens em armaduras prateadas entravam a cavalo no campo de treinamento.

Os soldados, antes barulhentos, agora recebiam seus capitães em profundo silêncio. O temor e o tremor haviam se instalado no campo de treinamento.

— Tantos vermes reunidos em um só local.

— E isso é jeito de chamar seus soldados, irmão?

— Se eles fossem fortes, ao menos. Mas são um bando de fracos. Acho que deveríamos rever o conceito de soldados para que menos pessoas se candidatem a soldados.

— Você gosta mesmo de subestimar as pessoas.

— Nessa guerra... Veremos quem de fato merece o título de soldado. Isso vai ser tão divertido, ver o desespero daqueles que acham que a vida da espada é fácil.



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