Volume 1

Capítulo 16: parte 3

 

Maria, que havia sido raptada por desconhecidos encapuzados, estava deitada sobre a palha da caravana. Ela havia sido golpeada e um pano vermelho selava sua boca para que não pudesse gritar por ajuda.

— Essa menina vai nos valer um bom dinheiro — emitiu o de capuz vermelho, olhando a menina desacordada naquela palha. Seus longos cabelos cobriam seus rostos, chegando a invadir seus lábios.

— Pois é — riu o homem, que tomava as rédeas do cavalo. — O rei não é o único que pode se beneficiar de ter escravos.

A caravana, então, seguia pelas periferias da cidade de Aclasia, perambulando por ruas pouco movimentadas. Ao passo que, o homem que tomava as rédeas do cavalo, contemplou duas mulheres bem trajadas em sua frente. O cavalo andava a galope, não era possível freiá-lo a tempo.

— Ei, afastem-se! — vociferou o homem, manejando as rédeas. — Estamos com pressa!

De súbito, as duas mulheres afastaram-se bruscamente, antes que fossem atingidas pelo cavalo. E assim, uma poeira foi levantada naquele pavimento empoeirado.

— Cof, cof! — As mulheres tossiam com os punhos contra a boca. Estavam contra a parede, desnorteadas.

— Aí! Aí! Esses cocheiros de hoje em dia não têm mais respeito pelos cidadãos!

— É sempre assim em Aclasia? — indagou Alura, polindo seu lindo vestido, que havia ganhado da sua nova amiga.

— É sim — confirmou Nádia, olhando para sua amiga. — A cidade de Aclasia é uma cidade bastante movimentada.

— É mesmo.

Depois daquele pequeno incidente, ambas continuaram caminhando pela cidade de Aclasia em busca de Maria e Miomura. No entanto, mal sabiam que a caravana que havia passado por elas, era a que carregava Maria.

— Onde será que o meu filho e a Maria estão? — disse Alura, temerosa de que algo pudesse ter acontecido com o seu filho e a amiga. — Estamos andando a tanto tempo e nenhum sinal deles.

— Calma, Alura.

— Impossível manter a calma — suspirou Alura profundamente. — Eles podem ter sido capturados por algum oficial ou soldado.

— É uma hipótese, mas vamos pensar positivo — Nadia sorriu. — Se seu filho realmente puxou você, com certeza deve estar bem.

— Como assim? Eu posso até ser curiosa, mas não sou tão curiosa ao ponto de entrar em um lugar que certamente me meteria em sérios problemas.

— Ora, mulher, você já o fez!

— É diferente. Estou aqui pelo meu filho e a Maria. Eles são preciosos para mim, faria tudo por eles.

— Se eu algum dia tiver a oportunidade de me tornar mãe, eu quero ser como você — Ela sorriu. — Admiro tanto sua coragem!

— Eu? — Alura sorriu, constrangida. — Não! Não! Eu sou uma péssima mãe. Já você será uma ótima mãe!

— Eu não. Na verdade, eu nem sei se vou ser mãe um dia.

— Como assim? — indagou Alura. — Você não disse que tinha um marido? O que falta então?

— Sabe...  — Ela mordeu seus lábios e parou de caminhar. Alura também parou, observando o semblante melancólico que Nádia fazia. — O meu ventre é seco. Eu não vou conseguir trazer nenhum bebê. E pior, eu tentei roubar um bebê que nem era meu.

— Hã? Como assim?

— Esquece — Nádia desfez o semblante triste e forçou seu sorriso. — Vamos procurar o seu filho, isso sim, é o mais importante!

— Não. — Alura segurou o pulso da Nádia levemente. — Eu posso te ouvir. Não podemos prosseguir assim.

— Tem certeza?

— Tenho. Depois prosseguiremos com as buscas.

— Muito obrigada!

Enquanto Nádia desabafa sobre seu passado com a Alura, nesse exato momento, a caravana chegava a um galpão, que estava caindo aos pedaços. Estacionaram a caravana ao lado de um pequeno muro e retiraram a menina desacordada da palha, levando-a para dentro do galpão.

No interior, algumas luzes penetravam das madeiras quebradas no telhado. Haviam grandes jaulas e caixas distribuída pelas quatro paredes. Em uma das jaulas, estavam crianças amarradas por cordas nas mãos e panos na boca.

— Vejo que trouxeram mais uma mercadoria — disse um homem de capuz azul sentado sobre a caixa. Ao lado dele estavam mais dois homens, totalizando cinco homens encapuzados no galpão.

— Claro. Claro. Iremos faturar bastante dessa vez — disse o homem que carregava Maria em seus ombros. Ela recobrou a consciência e gritou com o pano preso na boca. Seus olhos estavam arregalados, sobretudo quando contemplavam crianças presas em uma jaula com as lágrimas a escorrerem pelos seus olhos.

— Calma, menininha — sorriu o homem que a segurava. — Hoje mesmo você será vendida como escrava. Conhecerá o seu dono!

— Que ironia do destino — riu o outro homem. — Os nobres sendo vendidos como escravos!

— Fazer o que, né? Se o rei não nos empresta seus escravos para fazermos negócios — riu o homem que carregava a Maria. Lágrimas percorriam sua face. O homem caminhava a jaula, que continha outras crianças. Ao chegar nela, tirou a chave do bolso da calça e abriu a jaula, atirando Maria contra aquelas crianças que tremiam de medo.

— Hahahaha! — O homem deliciava-se com aquela visão. Seus risos ressoaram tão alto que aqueles crianças se apegaram umas às outras.

                              (...)

— E foi isso que aconteceu — disse Nádia com o rosto voltado para o chão. Lágrimas caíam dos seus olhos.

— E você perdoou ele?

— Eu amo ele. E não tive muito escolha, porque a minha família me pressionava para contar o real motivo de nossa separação. E se eu dissesse que ele me atraiçou, a minha família iria mover montanhas contra ele.

— Ah, entendo. — Alura afagava os longos cabelos da Nádia. Ambas estavam sentadas em um banco da cidade. — Mas se a criança acabou se apegando a você, isso te torna uma mãe. Ela até te chama de mãe.

— Isso tudo porque eu dei ordens expressas a empregada que ensinasse a criança que eu era sua mãe.

— Crianças sabem reconhecer suas mães — Alura sorriu. — Não importa se ele é ou não fruto do seu ventre, você é a mãe dele, e isso é o que importa.

Nádia limpou suas lágrimas e sorriu.

— Muito obrigada. E desculpa por tomar muito do seu tempo a falar sobre os meus problemas, quando devíamos estar a procurar seu filho e a amiga.

— Não, não foi nada. — Alura balançou a cabeça em negação. — Vamos continuar?

— Vamos!

Ainda numa busca incessante, elas percorriam a cidade de Aclasia a procura dos meninos, algumas vezes perguntando aos cidadãos Aclasianos e outras não.

Nádia tomou a decisão de contactar os soldados para ajudarem na busca, mas Alura a impediu de fazer isso. Ela temia que ela e as crianças fossem expostas demais e assim quando voltassem ao vilarejo alguém os pudesse reconhecer como pessoas que antes haviam estado na cidade de Aclasia.

— Não tem outro jeito a não ser chamarmos os soldados.

— Eu acho que não. Tudo bem. — Alura decidiu arriscar.

Quando caminhavam a primeira esquadra, onde ficavam alguns soldados de plantão caso houvesse alguma irregularidade naquele ponto de cidade, as duas mulheres puderam avistar uma criança choramingando em meio a rua, sem ninguém que lhe desse atenção.

— Olha, tem uma criança chorando ali e tem o cabelo castanho tal como o do seu filho — disse Nádia na expectativa de que aquela criança fosse o filho da Alura.

— Mas ela está bem vestida. Não tem como ser.

— Vamos confirmar — disse Nádia, colocando as duas mãos sobre a boca. — Ei, miúdo!

O menino virou-se, esfregando seus olhos. Um sorriso em meio ao semblante triste tomou conta do seu rosto. Depressa, correu a sua mãe que de olhos arregalados também lhe vinha de encontro. Um abraço foi formado, mãos entrelaçadas aos pescoços geravam um aperto caloroso.

— Mamãe!

— Miomura! — Lágrima caíram dos seus olhos.

— Viu só, seu filho é esperto e lindo!  — Nádia sorriu, observando aquele reencontro entre mãe e filho.  — Ele até deu um jeito de arrumar roupas dignas de um nobre.

Alura pousou seu filho no chão, enxugando as lágrimas que caiam dos seus olhos.

— E então... Onde está a Maria?

Aquela pergunta foi como uma faca cravada no coração do pobre rapaz. Afinal, como ele contaria que sua amiga foi raptada por homens encapuzados e levada a um lugar desconhecido.

— On-de es-ta a Maria?! — falou em sílabas com o semblante sério, suas sobrancelhas estavam franzidas diante do silêncio que o seu filho fazia. — Miomura!!! — ela gritou.

Miomura fechou os olhos e mordeu os lábios por um instante.

— Calma, Alura. —  Com uma voz dócil, Nádia tentava apaziguar a cólera de sua amiga. — Ele é só uma criança, não coloque tanta pressão nele.

— Não tem calma. — Alura virou-se, entristecida.  — Ela é filha de dono! Eu não posso voltar sem ela.

— E não vamos — Nádia sorriu. — Tenha calma e deixe-o falar.

Alura suspirou.

— Mãe, eu... a Maria foi sequestrada por uma pessoa encupazada! E Eu não sei onde eles estão! — Miomura respirou fundo. — Eu tentei falar com os soldados e eles disseram que queriam dinheiro para salvá-la!

— Sequestrada?!

— Dinheiro?!

Ambas ficaram estupefatas.

— E agora... — Alura caiu de joelhos, ainda de olhos arregalados — Como eu vou falar para o irmão dela?! O que eu vou dizer?!

Algumas pessoas pararam por um leve instante naquela rua, observando aquela cena. Nádia caiu de joelhos, tocando os ombros de Alura que deitava lágrimas sobre aquele chão de tijolos.

— Calma, calma. Nada está perdido.

— Como não? — Alura esfregou os olhos, direcionando-os a mulher que tentava lhe consolar. — Ela foi sequestrada!

— Vamos recuperá-la então. — Nádia levantou-se com um sorriso e esticou sua mão a Alura que ainda tinha os olhos contra o chão. — Tenho a certeza de que a conseguiremos encontrar!

— Não adianta, eles já devem estar bem longe — Alura falou, cabisbaixa. — É impossível alcançá-los!

— É sério que eu estou ouvindo isso dá mulher que foi capaz de escalar as altas muralhas de Aclasia para resgatar duas crianças em apuros?

— Mãe, eu não quero voltar para vila sem a Maria. — A voz do seu filho ressoou pelos seus ouvidos. Alura segurou a mão da Nádia e levantou-se.

— Vamos alcançá-los! — disse Alura, motivada. Um sorriso se formou no seu rosto. — Eu vou fazer o impossível para levar a Maria de volta a vila!

Está era a determinação de uma mulher, que com coragem e força escalou as muralhas de Aclasia para resgatar duas crianças. Uma chama incendiou o coração de Alura, ela estava mais convicta de que não voltaria para casa sem Maria. As palavras de Nádia a deram um empurrão, livrando-a daquele desespero.

— Mas e então, como vamos fazer isso?

— Estou aqui a pensar... — Nádia coçou seu queixo. — Os homens que estavam guiando a caravana há pouco tinham capuzes e — direcionou seus olhos ao chão, pegando um pouco de palha que havia caído — tinha palha naquela caravana.

— Isso quer que nós deixamos os homens que sequestraram a Maria escapar?

— Pior que sim — assentiu Nádia. Alura voltou ao seu semblante triste. — Mas não tínhamos como saber.

— A essa altura eles devem estar bem longe.

— Temos uma chance de os encontrar — disse Nádia com um sorriso convecido. — Conhecendo a trajetória que aquela caravana estava indo, não era para fora da cidade, a não ser que eles quisessem passar por algum lugar. Aquela trajetória leva a alguns locais de obras e depois deles alguns galpões abandonados.

— E se eles tiverem ido para um outro local?

— Não custa tentar — disse Nádia. — Além do mais, agora é meio-dia, hora em que a maioria dos Aclasianos está realizando sua refeição.

— Certo — Alura assentiu. — Nos leve ao galpão então. Eu preciso resgatar a Maria o mais rápido possível.

— Calma — Nádia riu. — É perigoso. Podemos chamar um soldado que venha connosco para lutar contra esses malfeitores.

— Não, não há tempo — emitiu Alura. — E eu não quero me expor mais do que é necessário. Já basta os soldados que me viram. Eu trabalho nas obras. Se eu me deparo com um dos oficiais lá, nem sei o que me fazem.

— Certo. Mas precisamos de algo para combater os malfeitores — disse Nádia. — Uma vassoura, um bastão, ou talvez, uma espada?

— Qualquer coisa serve. Eu sei lutar.

Uau! Dessa eu não sabia — disse Nádia, estupefata.

— Minha mãe é a mulher mais forte do vilarejo Mioria — Miomura sorriu. — Ela aprendeu a arte da espada com o vovô.

— Verdade? — questionou Nádia.

— Ah, é uma longa história — Alura sorriu, constrangida.

— Tudo bem. Acho que o meu marido tem algumas espadas guardadas em casa.

— Cada segundo é crucial — disse Alura. — Vamos assim mesmo. Como lá é uma zona de obras, com certeza deve ter algo que possamos aproveitar para lutar.

— Você é muito impaciente — Nádia sorriu.

Alura colocou Miomura em suas costas. Tendo Nádia como guia, caminhavam até a rua onde haviam obras e galpões abandonados. Voltaram a passar pelo mesmo caminho pouco frequentado que haviam avistado a caravana e seguiram por mais algumas ruas estreitas até chegarem a um galpão abandonado.

Com seus olhos, puderam contemplar a caravana estacionada ao lado da porta do galpão.



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