Volume 1

Capítulo 15: Parte 2

 

— Calma, bobinho!

Uma voz gentil e feminina ressoou aos ouvidos de Miomura, que se encontrava estático.

— Só eu a Maria!

— Ah! — suspirou, tocando no peito. Aliviado, virou-se a menina e a contemplou com uma expressão séria.  — Maria! Que susto você me deu! Não faz mais isso, entendeu? Meu coração quase saiu pela boca!

— Ninguém mandou você vir se aventurar na cidade Aclasia! — Maria pegou na mão dele. — Pronto, agora vamos voltar. Você já viu como é.

— Maria... — Miomura sorriu enquanto segurava as delicadas mãos dela. — Por acaso você não está curiosa para saber como é mais em frente? Tipo, nem um pouco?

— Eu... Hãm... Eh... — Maria mordeu seus lábios, estava indecisa. Não podia elevar suas mãos a boca, pois estas eram seguradas pelo Miomura. Depois de tanto tempo de indecisão, ela acabou cedendo ao desejo de passear por aquela cidade a qual sempre lhe proibiram de entrar.

— Acho que não faz mal nós passearmos um pouco, já que estamos aqui, né?

— Isso mesmo! — Miomura sorriu, largando as mãos da Maria. Ela enfim pôde mordiscar suas unhas, em desespero. — Vamos explorar mais dessa cidade!

— Mas não podemos psssear com essas roupas, logo perceberão que somos plebeus — afirmou Maria.

— Isso não é problema, nós podemos usar aquelas roupas. — Miomura apontou para um estendal repleto de roupas coloridas e lindas. Pelo acaso do destino, algumas delas eram de crianças e pareceriam estar secas.

— Isso não seria roubo? É errado! Não podemos fazer isso.

— Não é roubo, se depois nós devolvemos — Miomura deu um sorriso travesso. — Vamos pegar logo, antes que alguém apareça.

— Aí! Aí! — Maria balançou a cabeça enquanto colocava a mão sobre testa, decepcionada. — Você só me mete em problema, Miomura.

— Eu não mandei você vir comigo.

— E eu não podia deixar você se suicidar.

Depois de entreolharem-se por um momento, sorriram. E com um pouco de esforço de pulos atrás pulos conseguiram alcançar o varal, pegando as roupas de crianças.

Apercebendo-se de que não tinha pessoa alguma naquela casa, eles vestiram-se sem preocupação por detrás da casa. Miomura trajava uma camiseta na coloração branca e por cima dela estava um macacão azul, que se estendia as suas sandálias castanhas.

Maria trajou um vestido verde em contraste a cor azul dos seus olhos. Também teve a sorte de achar uma bela fita verde no varal. Ela amarrou em seus cabelos negros no formato de uma borboleta.

— Maria, você ficou muito linda!

— Você também, Miomura! Essa roupa ficou muito bem em você!

Ambos admiravam as lindas roupas que trajavam em seus corpos. Era sua primeira vez vestindo uma roupa decente que não fosse esfarrapada ou tivesse algum rasgão, ou que fosse totalmente marrom.

Com um sorriso, deram as mãos e começaram a caminhar pela cidade de Aclasia. Seus olhos brilhavam ao contemplar cada detalhe, estrutura e ornamentação da cidade. Viam aglomerado de pessoas espalhadas em vários pontos,  bancas em fileiras contendo variedades de elementos e diversos itens desconhecidos aos até olhos.

                         (...)

Por outro lado, Miomura já começava a dar falta. Pela vila de Mioria, sua irmã e sua mãe vagueavam quarteirão por quarteirão em sua busca.

— Mãe, onde será que o irmãozinho foi?

— Eu não sei, minha filha.  — Os olhos preocupados da mulher encaravam os da filha. — Mas quando o encontrar, vou bater nele.

Alura e Yara seguiram caminhando pelo vilarejo. Na sua caminhada, encontraram sentados, em um pedregulho, ao pé de uma casa de palha, Thomas e seus dois amigos, Gemines e Jota.

— É-É a mãe do Miomura! — Thomas arregalou os olhos ao contemplar o rosto frio que aquela mulher fazia. — Vamos correr, Jota e Germine!

Seus amigos o acompanharam no mesmo semblante, pasmados.

— Calma, Thomas — A mulher sorriu, calma. E, mesmo assim, seu sorriso ainda lhes dava medo. — Você por acaso fez algo ao Miomura novamente?

— Não, senhora! — bradaram.

— Então não têm o porquê de se assustarem — A mulher sorriu. Em silêncio, sua filha apenas obsevava aqueles garotos amedrontados. — Bom, vocês viram o meu filho?

— Sim, mas faz algum tempo — Thomas suspirou. — Ele estava com o Gabriel, Jeziel e a Maria, em um campo de areia perto daqui.

— Entendo. Vamos, Yara. — A mulher caminhou a passos largos. No entanto, no meio do caminho, virou-se, causando medo naqueles garotos. — Ah, antes que eu me esqueça...

— O-O que, mãe do Miomura?

— Apareçam em casa hoje.

— E-Eu juro que não fiz nada, mãe do Miomura! — gritou Thomas, nervoso.

— Sim, não fizemos nada! — assentiram Jota e Germine.

— Se não aparecerem, já sabem, né?

— V-Vamos aparecer, senhora Alura! — assentiram, temerosos.

A mãe do Miomura não poupava esforço em punir severamente quem quer que se aproximasse dos seus filhos com hostilidade. Ela aterrorizava-os para que nunca mais voltassem a repetir suas maldades, por isso a temiam.

— Que bom! — Alura soltou um sorriso.

Yara e a mãe continuaram sua caminhada ao campo de areia, onde supostamente deveria estar Miomura. Não o encontrando,  decidiram ir procurar a casa do Gabriel, seu amigo.

Percorreram um longo caminho, pois a casa do Gabriel estava localizada quase no fim do vilarejo Mioria. Depois de uma longa caminhada, finalmente chegaram, podendo avistar os amigos de Miomura sentados em um pedregulho. Jeziel e Gabriel estavam com os rostos preocupados, enquanto conversavam sobre algo.

— Estou interrompendo algo?

Eles assustaram-se com a voz repentina da mãe do Miomura.

— É a mãe do Miomura!

— Sim, eu mesma! — sorriu. — Eu vim buscar o Miomura. Sabem onde ele está?

Eh... — Jeziel parecia relutante em falar.

Ela estava escondendo algo, presumia a mulher com um olhar direcionado a mesma.

— Miomura e Maria... Eu acho que eles entraram na cidade de Aclasia. — Gabriel chorou, provocando espanto naquela mulher, pois ele sempre reprimia seus choros, mesmo diante de uma situação triste e desesperadora.

Jeziel também o acompanhou no choro ao ver lágrimas descerem de seus olhos castanhos.

— Entraram?! — As veias da mulher espreitaram a pele do rosto.

Mesmo depois de tantas advertências feitas por ela, a curiosidade dele em se colocar em perigo parecia ter vencido. Depois de um suspiro profundo, Alura acalmou os nervoso e tocou nos ombros das crianças gentilmente enquanto sorria.

— Calmem. Calmem. Eu vou buscá-los!

Alura ganhou a atenção daqueles olhos esperançosos.

— Sério?!

— Muito sério!

Com um sorriso no rosto, eles começaram a limpar as lágrimas dos olhos com suas vestes.

Então Alura deixou sua filha pequena com as duas crianças e prosseguiu a cidade de Aclasia.

As pressas, com o coração palpitante, ela corria as muralhas com seus cabelos balaçando ao som do vento. Ao chegar na muralha que fazia limite com o vilareijo de Mioria, ao longe, ela pôde observar um guarda sentado em frente a porta, dentro da sombra que um pequeno teto de placa criava.

Alura se perguntou como aquelas duas crianças fizeram para atravessar aquelas muralhas com o guarda ali. Mas não tinha tempo para achar respostas, precisava de arranjar uma maneira de entrar em Aclasia antes que fosse tarde demais.

Não havia outro jeito, se não escalar as muralhas. Já prevendo que aquilo poderia acontecer, ela havia trazido uma corda consigo.

Por cima das muralhas continham alguns varões que eram usados antigamente para montar sistemas de roldanas, que erguiam baldes pesados, afim de transportar materiais ou quaisquer coisas para reabilitação da muralha e outros fins. Isso facilitaria sua escalação com a corda. Alura avançou para lateral mais afastada do portão e observou aquela muralha enorme, já concluindo que uma jornada perigosa estava a sua espera.

Sem demora, atirou a corda ao varão na expectativa de que a corda se pendurasse no varão fixamente. Todavia, não aconteceu, ela não conseguia formar um nó seguro, sempre descia ao chão. Alura tentou vezes sem conta, quase desistindo. No entanto, persistiu por mais um tempo, conseguindo amarrar fixamente a corda a um dos varões da muralha.

Um sorriso de satisfação e um suspiro de alívio escapava da sua boca. 

Segurando a corda, ela começou a escalar. Nas primeiras tentativas, escorregava e voltava ao chão, mas com persistência e determinação, ela conseguiu avançar alguns metros daquela muralha de dezesseis metros.

Com medo, sequer ousava observar o chão, seus olhos estavam focados no alto da muralha.

Quando estava prestes a alcançar o cume da muralha, a corda começou a desfazer-se. Havia suportado peso de mais, agora não aguentava mais. Alura entrou em desespero e decidiu escalar o mais rápido possível, antes que a corda se descaçasse por inteira.

A corda se desfez, todavia, ela havia conseguido segurar a mão direita no varão. Suspirou, seu coração disparava assim como um estrondo sacudia a terra. Sua mão estava doendo. Com ardor, ela estava prestes a soltar o ferro. No entanto, deu um grito interior e com os músculos a flor da pele, conseguiu subir a muralha. Seu braço dominante doía muito; era como se ela estivesse sendo desmembrada.

Agora lhe restava descer. Após respirar freneticamente, observou com seus olhos esverdeados, uma pequena parte da vasta cidade de Aclasia, podendo identificar: casas, pessoas e muito mais. Agora, direcionando seus olhos para baixo, avistava um chão seco. Não tinha outra opção se não saltar. Se ela saltasse dali em perfeita postura, ela certamente pousaria sem danos graves.

— É agora ou nunca! — ela suspirou novamente e então saltou. Para amortecer a queda, ela manteve as pernas dobradas. Segurou seu grito, mordendo sua boca para que o soldados não a percebesse. Seus olhos estavam levemente fechados.

Ela pousou agachada, sentindo um arrepio percorrer sua espinha.

Apesar da dor que havia tomado conta dos seus pés, ela havia conseguido. Com os pés dolorido, Alura levantou-se e seguiu caminhando a lentos passos com um sorriso de alívio.

— Eu consegui. Eu consegui.

Com o coração contra o peito, ela andava por ruas estreitas e pouco movimentadas, assim evitava cruzar com um soldado ou qualquer pessoa que descobrisse sua identidade. No entanto...

— Ei mulher! Você por acaso é uma escrava?

Ao ouvir tal voz ressoar por seus ouvidos, a mulher, que apenas buscava encontrar seu filho, entrou em choque. Suas vestes a denunciaram, isso porque apenas os que tinham vestes nobres ou bem apresentadas podiam caminhar pela cidade de Aclasia sem companhia.

— Vamos, responda mulher! — O homem aproximava-se com uma espada em mãos.

Alura tremia, sem saber que dizer.

— E-E-Eu!

—  Jerusa! Ente você está aí! — Uma voz ressoou atrás do soldado. Ele virou-se, contemplando uma mulher bem fardada, com colares e jóias entorno do seu corpo. Seu vestido parecia ser bem caro, daquelas que só a alta nobreza usava. — Oh! Eu disse para não se desgrudar de mim! — ela sorriu.

— Ela é sua serva? — questionou o soldado.

— Sim. Sim.

— Mil perdões. — O soldado encurvou a cabeça a mulher e guardou a espada em sua bainha. — Como ela estava vestida desse jeito, pensei que fosse uma escrava fugitiva.

— Não, não, homem — ela sorriu. — É que eu mandei ela comprar algo para mim. E como ela estava demorando, pensei em procurá-la.

— Entendo — emitiu o soldado. — Procure arranjar vestes menos deploráveis para ela. Caso não, será confundida e morta caso ande sozinha.

— Assim fá-lo-ei — assentiu a mulher de cabelos castanhos. O soldado, logo retirou-se daquela rua estreita, deixando as mulheres a sós. — Ele já foi. Pode se virar, mulher.

A mulher venceu o medo e virou-se, contemplando uma mulher radiante. Ela possuía longos cabelos castanhos e olhos castanhos muito claros.

— Por que me salvou?

— Porque eu quis apenas. Nem todos os Aclasianos são más pessoas.

— Muito obrigada — ela curvou a cabeça em respeito.

— Não, mulher. Não precisa disso — sorriu, aproximando-se cada vez mais. — Bem, e o que faz aqui? Você sabe que é proibido aos Miorianos passearem pela cidade de Aclasia.

Alura mordeu os lábios, segurando seu vestido.

— Eu estou procurando por meu filho e a amiga dele. Eles entraram nessa cidade.

— Isso é um problema... e bem grande. Se eles acham o seu filho e a menina, certamente não os verá mais.

— Estou ciente disso. Por isso vim recuperá-los.

— Você é uma ótima, mãe. Eu vou te ajudar a achar o seu filho e a menina. —  A mulher de cabelos castanhos sorriu gentilmente.

Alura arregalou os olhos, estupefata. Aquela gentileza era demais para ela, não podia abusar da bondade daquela Aclasiana.

— N-N-Não precisa — recusou, constrangida.  — Você já fez muito por mim.

— É melhor você se apressar, ou se não, outro soldado vai te importunar.

— Tem razão, muito obrigada mesmo. Eu realmente estou em dívida com você!

— Vamos, mulher! Não é hora de pensar em dívida. Temos que nos apressar, porque ninguém está em casa agora.

— O que faremos em sua casa?

— Essas roupas... — Ela apontou para o vestido da mulher — Precisamos trocar.

A Mioriana revisou-se. Suas vestes não estavam em boas condições, se comparadas àquelas vestes deslumbrantes, que a Aclasiana usava.

E, então, seguiram até a casa da Aclasiana para primeiro revistirem o corpo da Mioriana com roupas dignas de uma nobre.

                         (...)

Ao chegarem a casa, entraram. Casa deslumbrante, colorida e grande. Foram recebidas por uma de suas serva, a qual a Aclasiana mandou-lhe separar uma das suas melhores roupas para sua convidada vestir.

E assim se fez.

— Agora, sim, você parece uma nobre de verdade! — sorriu a Aclasiana, observando a Mioriana em um dos seus vestidos radiantes. Um azul de linho. Seus colares e pulseiras a adornaram.

— Suas roupas são tão lindas! — Alura sorriu olhando para si mesma em um espelho. — Muito obrigada por deixar uma escrava usar elas.

— Eu não vejo você como uma escrava, eu te vejo como um ser humano normal igual a mim. Tanto faz se você é uma Mioriana ou Aclasiana.

— Tem certeza de que você é uma Aclasiana? Você é muito bondosa e gentil!

A mulher deu uma risadinha ao ouvir tais palavras da Mioriana.

— Eu disse, já não disse? Nem todos Aclasianos são pessoas más.

— Qual é o seu nome? Eu quero me lembrar de você!

— Ah! Eu me chamo Nádia Larthe — sorriu. — E o seu, Mioriana?

— O meu nome é Alura Mioria.

— Que nome lindo!

— O seu é mais! Prometo me lembrar dele para o resto da minha vida.

— Digo o mesmo, Mioriana! — Nádia sorriu, apertando as mãos de Alura. — Vamos, Alura!

— Sim, Nádia! — assentiu.

 

                            (...)

 

Enquanto isso, Miomura e Maria continuavam passeando pela cidade de Aclasia. Seus olhos continuavam deslumbrando-se a medida que andavam pela cidade.

— Miomura, eu já estou com fome! — Altos roncos ecoavam, vindos da barriga de Maria. — É tão cruel poder ver comidas tão deliciosas e não poder comer nenhuma.

— Verdade, parece que eles vendem comida aqui por uma coisa redonda dourada que chamam de dinheiro.

— Nós não temos aquela coisa redonda, então não podemos comer. Vamos voltar para casa, Miomura.

— Tem razão. O melhor é voltar para casa mesmo.

Miomura e Maria caminhavam em direção ao portão que dava acesso ao vilarejo de Mioria, quando rapidamente passou um  homem de capuz azul escuro que carregou Maria e a meteu em uma caravana.

— Não! Não pode ser! Maria!!! — Miomura gritou em meio a rua. Algumas pessoas que por ali estavam, ignoravam seu desespero e seguiam caminhando. — Alguém! Aguém me ajuda!!

Tentou correr ao alcance da caravana, mas caiu pelo caminho e começou a chorar enquanto observava a poeira levantada pelas rodas da caravana.

— O que se passa garoto? — indagou um dos soldados, se aproximando. Ao seu lado, vinham seus companheiros soldados.

— M-Minha amiga foi levada por um homem de capuz! — disse o garoto em desespero. — Por favor, salva ela!

— Preciso que me leve aos seus pais primeiro — disse o soldado. — Isso se trata de um sequestro.

— Por que não resolve isso agora?

— Porque você não tem dinheiro para nos pagar.

— O-O que? — Arregalou os olhos, estupefato. — Vocês vão mesmo ignorar uma pessoa em apuros por causa de dinheiro?

— Exatamente. Por que iríamos ajudar alguém de graça? Para nós tanto faz. Não é companheiros?

— Hahaha! Exatamente! — Os soldados começaram a rir. — Vai chamar ou não?

Miomura apenas curvou a cabeça, permanecendo em silêncio. Eles tomaram isso como resposta.

— Já que não vai nos mostrar seus pais, boa sorte para encontrar sua amiga. Adeus, garoto. — Dito isso, os soldados retiraram-se dali, lançando altas risadas ao vento.

Aquela era personalidade da maioria dos soldados. Faziam tudo por dinheiro, deixando seu dever para com o povo de lado.

— Um dia vocês pagaram por tudo! Eu juro! — declarou, colérico.
 

 

 



Comentários