Volume 1
Capítulo 13: Uma visita inesperada
Após treinarem com a espada no campo de treinamento, Miomura e Florento caminharam em direção à casa da família do Florento. O entardecer havia chegado, o sol alaranjado sucumbia nas nuvens, na promessa de um novo amanhã trazer.
Miomura e Florento estavam totalmente exaustos depois de tanto treinamento. O surpreendeu tanto que, depois de tantas lutas, Miomura ainda não havia progredido nem um pingo.
No entanto, Miomura nem estava focado em seu treinamento ter dado errado, ele estava pensando em sua família. No quão preocupados eles deviam estar, pois fazia horas desde a sua saída. Provavelmente, pensariam que o pior lhe tinha acontecido, mas Miomura não tinha como voltar para Aclasia. Se voltasse, todo sacrifício feito até agora seria em vão.
— Yara... Gabriel, por favor, continuem acreditando em mim — sussurrou Miomura aos céus, rezando para que os seus conterrâneos mantivessem o coração calmo e acreditassem na promessa que ele havia feito, de que voltaria vivo.
(...)
Por outro lado, no vilarejo de Mioria, Yara e Gabriel cansaram-se de aguardar pela chegada de Miomura. Como era tarde e não tinham coragem de enterrar o corpo daquele homem, colocaram-no de volta na cadeira em que se assentava e então caminharam de volta às suas casas.
— Eu acho que deveríamos ter enterrado o soldado vivo — disse Gabriel. — Se ele acordar, desejará vingança.
— Não se preocupe. Ele provavelmente não vai acordar tão cedo, ele perdeu muito sangue. E com o ferimento naquele estado, vai demorar alguns dias para ele se recuperar — disse Yara. Ela algumas vezes, ao lado de Maria, cuidava de alguns escravos que voltavam feridos do trabalho. Então, ela tinha consigo conhecimentos avançados sobre ferimentos.
— Espero que ele morra.
— Eu... também — Yara assentiu. — Agora eu estou preocupada com o Miomura.
— Quando o pegarem, acredite, todos saberemos em um piscar de olhos.
— Ele não vai ser pego — disse Yara enquanto sorria para as nuvens do céu. — Ele prometeu. E Promessa é para cumprir.
Yara ainda mantinha a esperança em seu irmão. Gabriel já nem sabia o que dizer, tão pouco o que pensar. Ele permaneceu quieto durante toda a caminhada.
(...)
Por outro lado, Miomura estava às portas da casa em que Florento morava com sua família. Uma casa bem linda. Miomura jamais havia contemplado tanta riqueza de tão perto, tão pouco havia entrado em uma casa luxuosa quanto aquela.
Ao passar pelo portão, suas sandálias pousaram sobre o jardim. Miomura contemplava a casa pintada, a varanda afora com um candeeiro de luz aceso sobre o teto, as janelas feitas de vidro e madeira, e as cortinas de tecidos com bordados. Tudo era tão diferente das casas do vilarejo.
Era como se Aclasia e o vilarejo de Mioria vivessem em épocas diferentes.
Ambos entraram na casa e foram muito bem recebidos por uma serva de cabelos castanhos e olhos negros.
— Então essa é a sua mãe? — indagou Miomura, olhando de baixo para cima aquela mulher com vestes de empregada.
— Ela é muito jovem, idiota — disse Florento. De fato, a serva era bem jovem, se comparada à mãe do Florento. Ela possuía dezoito anos, ainda na flor da idade.
— Muito prazer, meu nome é Elza. — A serva encurvou a cabeça.
— Prazer! — Miomura deu a mão. — Meu nome é William!
— Sinto muito, mas eu não posso tocar a sua mão, Sr. William! — A serva balançou a cabeça negativamente. Florento riu.
— Por que?
— Porque... — A serva ficou pensativa quanto àquele questionamento. E então, com um sorriso, decidiu apertar a mão do Miomura. — Agradeco-lhe por tamanha gentileza. Eu sinceramente me sinto honrada.
— A honra é toda minha! — Miomura desfez o aperto de mão. Florento deu ordens à serva para que ela fosse à cozinha preparar um chá e trazer um bolo para eles.
Em seguida, ele guiou Miomura à sala de estar. Um lugar arejado por duas janelas posicionadas nas laterais, que ilustravam uma linda paisagem urbana. No fundo da parede, havia uma lareira com pequenas lenhas.
Eles se sentaram nos dois sofás, que eram separados por uma mesa retangular com um vaso de flores sobre.
— Gostou da casa? — Florento obsevava Miomura maravilhar-se com aquela casa linda. Seus olhos vagueavam por todos os cantos. Ele apalpava o rosto constantemente, confirmando que de fato aquilo não se tratava de um sonho.
— Gostei. Ela é realmente linda.
Miomura sorriu. Havia percebido a razão pela qual Florento queria defender o reino de Aclasia a todo custo. Aquela toda riqueza seria preservada e ele poderia viver uma vida de luxo à custa dos escravos.
— E os seus pais?
— O meu pai saiu em viagem ao norte de Aclasia. Acho que ele chega hoje. A minha mãe não sei, deve ter saído com a minha mãe biológica para algum lugar qualquer.
— Entendo. Ah! — Miomura levantou um dos dedos. Havia se lembrado de algo. — Quero te perguntar algo!
— Se estiver ao meu alcance.
— Por que os oficiais não apareceram para trabalhar hoje? Nenhum deles, estranho.
— Ah, é que com o prenúncio de guerra, os trabalhos estão suspensos. Os oficiais, alguns deles, estão ajudando a evacuar as pessoas nas proximidades do portão principal para um lugar mais seguro.
— Céus! Sem trabalho!
— É, por enquanto. A propósito, a guerra começa depois de duas semanas.
— Duas semanas?
— Sim, foi o prazo que a rainha Sophia estabeleceu.
— Entendo.
Em seguida, a serva chegou a sala com uma bandeja com duas chávenas e duas fatias de bolo com cobertura de chocolate.
— Aqui está, meus senhores.
Ela pousou a bandeja sobre á mesa e encurvou a cabeça, retirando-se a passos lentos.
— Que copos lindos! Os nossos no vilarejo são feitos de barro, não têm nem cor — disse Miomura, observando aquela chávena com bordados florais. O que também lhe chamava atenção era aquele bolo sobre a mesa, nunca tinha provado algo com tal aspecto antes. No vilarejo Mioria, era pão, água, vegetais e às vezes carnes de gado, o que era raro.
Eles viviam primitivamente num reino totalmente desenvolvido.
— Posso... — Sua boca começou a salivar de tanta ansiedade. — Posso provar?
— Claro. Elza trouxe para nós. — Florento segurou a chávena pela alça e soprou a fumaça que fluía até o teto. — Aproveite o quanto quiser.
— Obrigado! — Miomura pegou o bolo e começou a trincá-lo suavemente. A testura, a leveza e o sabor, o pão do vilarejo era bastante inferior ao bolo que comia ali. Era tão doce que pareceria mel numa versão menos doce e mais fofa. — Que maravilhoso! — Miomura esboçou um sorriso. Florento ficou feliz por ele.
Depois de algum tempo ali na sala de estar, Florento levou Miomura a conhecer os demais cômodos da casa. Miomura achava tudo tão deslumbrante e maravilhoso, nunca havia sonhado em contemplar aquilo tudo alguma vez em sua vida.
Ele pôde experimentar a cama confortável do Florento e os tipos de jogo que ele possuía. A cozinha era enorme e tinha milhares de utensílios que ele nunca havia visto. Ademais, seus pés puderam pisar no piso de mármore e as suas mãos puderam deslizar por paredes coloridas. Ele chegou a confessar a si mesmo que se estivesse na mesma situação que o Florento, também lhe seria difícil abrir mão de tal riqueza.
No entanto, o destino o fez nascer escravo. Não havia o que fazer, se não lutar por liberdade. Naquele dia, Miomura estava mais certo de que queria a liberdade para que o seu povo, que tanto sofria, pudesse desfrutar das riquezas que os seus olhos contemplavam e provar das comidas que a sua boca degustava.
— Bom, é tudo o que eu tenho a mostrar! Gostou?!
— Quem não gostaria!?
— Achei que fosse dizer algo do tipo. Seus olhos estavam maravilhados a cada local que eu lhe mostrava.
— É! — Miomura sorriu. Agora eles estavam no quarto do Florento, acomodados em pequenas almofadas feitas de algodão. — Mas e você, tem algum amigo?
— Os que eu tenho são apenas aproveitadores. Por eu ser de uma família rica, eles se têm aproximado de mim.
— Triste isso, não?
— É. Eu queria ter amigos como os seus. Que arriscam o seu pescoço, mesmo tendo muito a perder.
— Eu não os mereço. — Miomura sorriu com o rosto desfalecido. — Sempre os deixo triste com as minhas atitudes. Agora mesmo o meu amigo Gabriel deve estar triste e preocupado.
— De fato, suas atitudes não o dignificam. No entanto, a amizade verdadeira é algo inexplicável. Ela ultrapassa tudo quanto conhecemos — disse Florento. — Palavras da minha mãe.
— Ela é muito sabiá, parece a minha mãe. Ela dizia coisas do tipo.
— Dizia?
— Felizmente, ela fugiu.
— Felizmente?
— É. Por incrível que pareça, não a culpo por isso. A culpo por não ter incluído a família em seus planos de fuga.
— Que filho mais compreensível. Eu no seu lugar estaria mordendo as unhas de ódio.
— Isso porque eu sei que ela é capaz de voltar. Minha mãe é tudo menos covarde. Se fugiu, deve ter um plano em mente!
— Quanta esperança — Florento sorriu.
No meio daquela conversa, um som de batidas invadiu o quarto em que eles estavam.
— Entre.
A porta abriu-se, e os olhos dos jovens foram direcionados a porta, podendo contemplar a serva.
— Com licença, Sr. Florento. Vim avisá-lo que a Sra. Nádia chegou e ela o aguarda na sala de estar.
A serva encurvou a cabeça novamente e fechou a porta, deixando aqueles dois jovens a sós.
— Opa! A minha mãe chegou! — Florento esticou os braços ao alto enquanto bocejava. — A de criação no caso!
— Eu devo ir?
— Claro! — Florento assentiu com a cabeça.— Minha mãe de criação é muito boa pessoa!
— Então vamos lá! — Miomura levantou-se da almofada ao qual estava assentado. E junto do Florento, saiu do quarto para sala de estar.
Ambos atravessaram o estreito corredor, a luz dos candeeiros reluzentes que pousavam sobre os seus passos. E enfim abriram a porta que dava acesso à sala de estar. No entanto, Miomura mal sabia o que o esperava quando cruzasse aquela porta.
Quando os dois entraram na sala, puderam vislumbrar as costas de uma mulher e um homem sentados no sofá. A mulher virou-se ao notar os passos ressoando sobre a sala.
— Florento! Vejo que trouxe um amigo — A mulher de cabelos negros sorriu. — Venha. Adivinha quem veio nos visitar?
Ambos caminharam aos sofás. Miomura seguia Florento às costas. E quando ambos chegaram à lateral da extremidade do sofá, o homem direcionou seu olhar a eles, ao mesmo tempo que os mesmos.
— Capitão Melquiore?