Volume 1

Capítulo 11: Campo de treinamento

A cidade de Aclaria, conhecida por ser o berço da riqueza do reino de Aclasia, possuía ruas perfeitamente pavimentadas e limpas, poucas sujeiras poderiam ser encontradas. Servos a variam todos os dias e era proibido deitar lixo algum na rua. Para tal, haviam sacos de lixo espalhados pelas periferias da cidade.

O rei gostava de tudo limpo. Isso porque sujidade significava a pobreza de um reino. Por isso, segundo ele, a imundície ficava além das muralhas, o vilarejo Mioria.

O que não era verdade. Apesar de viverem em condições precárias, os Miorianos faziam de tudo para deixar a vila limpa.

Após a entrada que dava acesso à cidade de Aclasia, a primeira vista não se podia avistar nenhuma casa. Toda área envolta era desértica, possuindo certas árvores que com esforço haviam sido plantadas.

Miomura perambulava pela cidade com as vestes emprestadas do soldado ao qual havia cravado uma espada. Andava de cabeça baixa para que o seu rosto, eventualmente, não o denunciasse.

Seus passos eram cautelosos, pois poderia se deparar com os oficiais que o supervisonavam na sua área de trabalho. Pior ainda era, se encontrasse os capitães. Ele mal queria pensar no destino que o aguardaria caso um destes casos acontecesse.

Depois de um bom tempo, ele pôde avistar casas e pessoas, todas trajadas por vestes diferentes das esfarrapadas e sujas que as pessoas do seu vilarejo usavam.

Elas conversavam umas com as outras. No centro daquela rua, havia uma fonte de água, onde estavam sentadas certas pessoas.

O assunto que ele podia pegar pelos ventos era:

"Aqueles escravos terão o fim que merecem. Já era a hora, sabe? A nossa porção de comida não aumenta por causa deles!"

Aquelas palavras ditas por aquele grupo de jovem, fez as veias extrapolarem a pele do seu rosto. Sua vontade era de esmurrar aqueles jovens que nada sabiam sobre o que falavam.

"É fácil julgar e condenar quando não se está na pele do outro. Se eles fossem escravos, não diriam isso", pensava Miomura, enquanto procurava ao máximo sair daquele ponto da cidade. Ele estava a procura do lugar onde os Aclasianos guardavam suas armas de guerra.

Com medo de ser descoberto, ainda não havia reunido coragem para perguntar.  Afinal, como um suposto soldado, ele tinha de saber coisas do tipo. Seria estranho se fosse o contrário.

— Ei, você! — Miomura pôde ouvir uma voz rouca e grossa ressoar sobre os ouvidos. Ele estremeceu e ficou estático.

— Eu? — Ele virou-se todo trêmulo. Com seus olhos, contemplava um homem de meia-idade com um terno castanho e uma facha azul envolta dele, desde a extremidade do ombro à cintura. Ao seu lado estava um jovem com vestes de soldados tal como as suas.

— Isso! Você mesmo! — gritou o homem. — Mas é muito atrevido! Por acaso não sabe prestar continências ao seu Tenente!?

"O que é isso?", Miomura pensou. No entanto, num ato instintivo, ele caiu de joelhos.

O Tenente ficou estupefato com aquela atitude de jovem, dobrar joelhos era reservado aos reis, diferente das continências.

— Mas o que está fazendo, soldado?!

— A continência, senhor...  — Miomura, com os olhos voltados no chão, contemplava aquelas formigas passarem por suas mãos.

— Desde quando isso é continência!

Miomura imediatamente levantou-se. Não sabia mais o que fazer. Ele só sabia que dobrar os joelhos era um feito de respeito.

— Novo?!

— Sim, senhor! — assentiu Miomura, balançando a cabeça freneticamente.

— Vê-se. Tão incompetente desse jeito. Qual é o nome do seu formador?!

Inicialmente, antes de se tornar um soldado, a pessoa passava por um treinamento de seis meses lutando com a espada e este treinamento era feito por um formador profissional na arte da espada.

— É... Eu não lembro.

Hã?! Como não lembra?! — o tenente bradou. — Não me faça de idiota!

— O senhor não vai acreditar no que aconteceu comigo quando cheguei à cidade... — Miomura colocou a mão na testa. — Eu bati a cabeça numa pedra gigante e acabei perdendo as memórias. — Lagrimas de crocodilo fluíram dos seus olhos. — Eu... Eu… 

Por incrível que pudesse ser, o Tenente revelou ter se comovido com o drama que o jovem fazia.

— Soldados não choram!

— Muito obrigado, senhor! — Miomura esfregou os olhos e sorriu triunfante por baixo do braço.

— Eu só espero que não tenha esquecido como usar uma espada.

— Longe de mim, senhor! — Balançou a cabeça negativamente.  — Os ensinamentos do meu mestre foram cravados no meu coração.

— Perfeito. Florento! — gritou o tenente ao rapaz que estava às suas costas. Ele elevou imediatamente a mão à cabeça em continência.

— Senhor?

— Acompanhe esse soldado para o campo de treinamento.

— Sim, senhor!

Miomura cantou vitória. O levariam ao campo de treinamento, onde possivelmente haveriam muitas armas a sua espera.

Florento caminhou até o jovem. E tomou a liderança, caminhando um passo mais a frente que Miomura.

Ao passo que, o tenente observava aqueles dois, olhando em específico para aquele jovem.

— Por que aquele imbecil mentiu? Não importa, agora precisamos de mais forças possíveis atuando na guerra. Após a guerra farei com que me conte toda verdade!
                              

                             (...)

 

 

Por outro lado, Miomura e Florento caminhavam num mesmo ritmo. Apenas seus passos ressoavam, suas bocas se mantinham seladas. Até que Florento decidiu quebrar a quietude formada entre ambos.

— Por que mentiu?

Hã?!

Miomura arregalou os olhos.

— Sobre o que disse ao Tenente Reville.

— Por que eu mentiria?

Ele deu um sorriso largo.

— Por favor — Florento riu. — Nem o Tenente Reville acreditou naquilo.

— Eu realmente perdi a aminesia. Digo, eu perdi a memória!

Florento riu novamente.

— Não é possível! — E tornou os seus olhos severos. — É melhor dizer a verdade. Por mais dura que seja.

— Se eu falar a verdade, com certeza você vai querer me matar. Não posso me arriscar.

— No que depende, eu não te matarei. Além do mais, não me dizer a verdade só te coloca com um pé na cova!

Eles pararam de caminhar e entreolharam-se seriamente.

— Eu não posso morrer.

— Eu irei decidir isso. Diga. — Florento desembainhou a espada. — Ou irei considerá-lo inimigo.

Miomura havia deixado aquela espada cheia de sangue no vilarejo de Mioria, então não tinha nada para se defender naquele momento. Ele estava em má posição, não podia nem fugir, pois seria pego e até morto.

Sem saída, pela primeira vez depois de tanto tempo, ele optou por agir com sensatez.

— Eu sou um Mioriano. — Levantou as mãos ao alto enquanto observava aquela espada afiada sendo empunhada contra si. Nesta altura, eles estavam em uma rua pouco movimentada. Os que por ali passavam, tomavam aquilo como mera brincadeira entre soldados. Faziam pouco caso e seguiam o seu caminho.

— E então, vai me matar?

Ah, era só isso? Por um momento, pensei que fosse um Acáciano infiltrado no reino! — Ele riu e guardou a espada na bainha. E em seguida, com um sorriso, ele colocou uma das mãos no ombro do Miomura. — Quase me matou de susto!

— Como assim,"era só isso"? Pensei que fosse errado um Mioriano na cidade de Aclasia.

— E é. Todavia, eu não o matarei por isso.

— Por que?

— Porque eu sou um Mioriano.

— O que???!

— Na verdade, metade Mioriano seria o termo correto.

— Como assim?

— Bom... — enquanto caminhavam, Florento explicava o porquê de ter dito ao Miomura que era Mioriano.

Tudo aconteceu há muitos anos, quando pela primeira vez o pai do Florento decidiu levar uma escrava para trabalhar na sua casa.

Dia entrava, noite saía, e a escrava Mioriana continuava a trabalhar naquela casa, limpando e lavando as roupas dos seus senhorios, sem direito a salário. Seu pagamento era poder se alimentar das sobras da comida dos seus senhorios.

No entanto, num belo dia, o senhorio teve uma queda pela empregada. Nesse dia, ele admirou a beleza dela e a atacou. A escrava, obrigada, cedeu aos desejos do seu senhorio e o satisfez.

Meses depois, o fruto gerado daquela relação proibida amadureceu.

Com medo de que fosse repudiada e morta com sua criança, a escrava decidiu contar tudo a sua senhora, que era a única que lhe tratava tão bem. A senhora pasmou e ficou indignada com tal atitude, tanto que chegou a expulsar aquela mulher da sua frente com duras palavras.

Naquele tempo, seu marido estava em uma viagem, o que contribuiu para que a senhora pudesse refletir e analisar tudo com serenidade.

Quando seu marido finalmente voltou, ela o confrontou.

Nesse dia, estavam os três reunidos.

O marido, indignado pelas palavras de acusação da empregada, tentou agredi-la fisicamente e chegou a negar todas as acusações. Alegou que a escrava maldita havia lhe seduzido. Todavia, a escrava refutava tudo enquanto se escondia nas costas da sua senhora.

Depois de algum tempo, o marido assumiu a culpa e pediu desculpas à sua esposa. Pediu perdão e chegou até a suplicar de joelhos. Mas o mal estava feito, e sua esposa não queria mais saber de suas desculpas. Ela pegou a escrava e voltou à casa dos seus pais naquele mesmo dia.

No entanto, após algum tempo de reflexão, seu coração amoleceu e ela decidiu perdoar o marido, já que ainda nutria um profundo amor por si. Quanto à escrava, por ter se envolvido com o seu marido, serviria de babá do seu filho e o veria crescer, sem poder dar a ele o amor de uma mãe.

O menino foi criado pela babá e amamentado até completar um ano. E então, foi entregue à senhora. Como ela não podia conceber, criou aquele filho como se fosse seu. Naturalmente, em Aclasia, era visto com repugnância a pessoa que se envolvia com escravos, pois isto manchava o sangue da família. E era isso que a senhora, na verdade, queria evitar. Ela deu alegria aos seus pais, alegando que o filho era dela e, ao mesmo tempo, salvou a pele do seu marido, pois seus familiares eram pessoas próximas ao rei.

— E essa é a história.

— Como soube que era filho de escrava depois?

— Quando a minha mãe foi acometida por uma doença mortal. Ela achou que morreria, então decidiu contar. Todavia, ela conseguiu sobreviver.

— Entendo. Eu tive a sorte de te encontrar então!

— E quanto a você? O que o trouxe até aqui? Pelas fardas que arranjou, imagino que tenha derrubado um soldado para chegar até aqui.

— É.

— É um crime muito grave. Mas acho que posso encobri-lo se me disser o que te moveu a fazer isso. Se for algo banal, você morre.

— Você sabe da guerra, não é? A sentença do rei sobre o nosso povo.

— Sim — Florento assentiu. — Não se fala em mais nada nesse reino. O pior foi a reação do povo ao ouvir isso. Dizem que um deles se revoltou e ousou proferir insultos contra os capitães. Como eu não queria estar na pele desse garoto, do jeito que os capitães são cruéis farão a morte dele ser inesquecível!

— Sabe, quem fez isso sou eu.

— O que??? — Florento arregalou os olhos, pasmado com aquela declaração.

— Sim.

— Você é um suicida mesmo. Não teme a morte?

— Não desde que o rei condenou o meu povo a morte por guerra. Desde aquele anúncio estou disposto a tudo para salvar o meu povo!

— Salvar? Você? — Florento riu. — Como você, que foi sentenciado à morte, vai atingir tal feito?

— Eu planejo conseguir armas para o meu povo. De alguma maneira, eu tenho de conseguir.

— Missão impossível. Desista.

— Eu vou precisar da tua ajuda. Você também faz parte do nosso povo — Miomura declarou. — Não importa se você tem um pai Aclasiano, você é Mioriano!

Ao ouvir o jovem falar daquele jeito, Florento sentiu algo em seu coração, um sentimento estranho de afeição o invadia.

— O que te faz pensar que eu arriscarei o meu pescoço para te ajudar?

— Se coloca no meu lugar. No lugar dos Miorianos, que vão perder suas vidas sem terem feito mal algum.

— Eu vou pensar no seu caso — disse Florento. — Assim que eu tiver a resposta te direi, não espere muito de mim, vou avisando.

— Isso já é alguma coisa — Miomura sorriu.

E assim, ambos continuaram a caminhada.

Depois de muitas andanças, por ali e aqui, Miomura havia finalmente chegado ao campo de treinamento. Observava as portas dali, eram enormes. E por cima dos muros havia uma vedação de arames farpados.

— Pronto, chegamos. — Florento deu dois passos em frente e bateu os portões, os quais foram abertos, trazendo para fora sons de espadas, entrando em atritos e muito falatório por parte de alguns soldados.

O campo de treinamento também continha uma casa bem grande ao longe, onde comiam os tenentes de alta patente. Lá também havia um lugar especial onde ficavam armas de guerra. Miomura, tinha os olhos mirados naquele lugar. Ele pressupunha que ali estavam as armas de guerra.



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