Volume 3
Capítulo 173: Cobaias Humanas
No centro de pesquisas do Conselho, havia um setor voltado à segurança e informação de Acrópolis.
Apenas Vigilantes trabalhavam lá, sendo eles os responsáveis por vigiar pelos vários dispositivos mágicos qualquer movimentação suspeita dentro da universidade.
Os Vigilantes também investigavam o passado de qualquer estudante da Escola Preparatória que acabasse passando no teste para ingressar na universidade e se tornar um pesquisador.
Normalmente, não era necessário fazer muitas investigações, pois a maioria dos especialistas eram de Acrópolis, mas quando tinham que investigar um estrangeiro, enviavam uma mensagem até um Vigilante que estivesse no reino de origem do alvo, ou, caso não houvesse ninguém presente, enviavam qualquer Vigilante que estivesse nas regiões vizinhas.
Havia várias salas para este propósito, sendo muitas delas uma sala com inúmeras telas e alarmes que disparariam caso detectassem uma ameaça mágica, e arquivos, onde havia inúmeros computadores com documentos e relatórios.
Estava amanhecendo, portanto, era o momento da troca de turno de alguns dos Vigilantes.
— Algo interessante essa noite, Louis? — questionou um ao entrar nos arquivos, com uma ou duas dúzias de outras pessoas na sala.
— Tsc, quem dera... — reclamou um Vigilante que bebia um generoso copo de café.
— Aquele Doutor Dante não fez nada suspeito?
— Nem, desde que chegou ontem, apenas deixou o centro de pesquisas para se alimentar. Têm trabalhado em vários projetos, e ainda nem dormiu. Estive de olho nele desde que chegou, mesmo após o contato que enviei em Eribur ter confirmado não ter nada de errado com ele.
— Quem diria... aparentemente ele entrou no ritmo de Acrópolis bem rápido...
Ambos continuaram jogando conversa fora por um tempo.
Foi então, que quando estavam prestes a se despedir, a porta atrás se abriu, revelando uma figura inesperada.
— Za-Zaphkiela?! — Todos que a viram se aproximar imediatamente ficaram surpresos. — No que podemos ajudar?
O Pilar da Selagem se aproximou calmamente e com seu sorriso misterioso no rosto.
— Peço desculpas pela visita inesperada. — Parou diante do Vigilante chamado Louis. — Gostaria de verificar todos os documentos e informações que coletaram sobre um certo pesquisador.
— Ah, claro, quem seria?
Zaphkiela permaneceu em silêncio por um breve momento. Como estava em uma sala com vários Vigilantes, era impossível não notar como parecia pequena ali.
Contudo, o que lhe faltava em altura, sobrava em sua aura misteriosa.
Por fim, abriu a boca lentamente.
— Dante Leonhardt.
***
Após tomar o café da manhã rapidamente, Sariel retornou até o centro de pesquisas.
“Fiquei acordado o tempo todo, mesmo assim não sinto que fiz muito progresso... vejo que precisarei ficar acordado todas as noites até resolver isso, não tenho muito tempo.”
O dia começava a raiar e, dessa vez, não veria o sol nascer, e nem se pôr.
No caminho de volta, recebeu uma mensagem direta de Balbina, que pediu que se encontrassem no setor de Reanimação.
Dirigiu-se até o local designado, encontrando Balbina, Fabius e Tacitus reunidos.
— Sabia que se referia a ele quando mencionou “chamar alguém” — reclamou Fabius com um olhar de desprezo.
— Como posso ajudá-los? — Sariel se aproximou dos três.
— Acabamos de receber uma notificação automática nos sistemas de Acrópolis nos cobrando por um relatório de progresso sobre nosso projeto. — Tacitus mostrou o tablet ao viajante.
Sariel percebeu um aviso bem grande na caixa de mensagens do dispositivo, era impossível ignorar.
— Normalmente isto não seria algo tão preocupante, contudo, não apenas estamos parados a um tempo, como esta é uma pesquisa que Koeus tem grande interesse, portanto, se não tivermos nada quando ele retornar...
— Estaremos profundamente encrencados! — completou Balbina em um tom desesperado.
— Compreendo, então desejam que eu participe deste projeto?
— Exa...
— Um momento, vocês três. — Fabius os interrompeu abruptamente. — Ainda não decidimos se escolheremos este plebeu.
— Bem, então agora é a hora de decidir. — Sariel esboçou um sorriso travesso. — Por que não escolhem por votação? Se a maioria decidir, me unirei em vosso projeto.
— Quê? Espere um mome... — Fabius logo notou no que aquilo levaria.
— Boa ideia! Eu voto a favor. — Balbina ergueu a mão, entendendo rapidamente a intenção de Sariel.
— Também voto a favor.
— Bem, são dois contra um, Doutor Fabius, portanto me juntarei a esta pesquisa. — O viajante operou seu tablet e se alistou naquele projeto. — Será um prazer trabalhar convosco. — Encarou o especialista em Reanimação.
Fabius o encarou de volta com fúria em seus olhos, cerrando os punhos como se tentasse se controlar para não os balançar na direção daquele plebeu insolente diante de si.
Se pudesse o socaria ali mesmo, porém não podia se esquecer de que, apesar de Balbina e Tacitus serem pesquisadores, conheciam a magia ainda mais profundamente do que um Vigilante, portanto não conseguiria fazer nada naquela situação.
Engoliu em seco e se acalmou. Em algum momento o encontraria sozinho e o faria pagar por sua insolência.
— Podem me explicar o problema atual?
— Este projeto busca uma maneira de transplantar membros em outros humanos. Não necessitamos transplantar órgãos, pois Proteção é capaz de reconstruí-los mesmo que sejam completamente danificados, claro, desde que a vítima ainda esteja viva, o que elimina o coração e cérebro, dois órgãos vitais.
— O objetivo disso é simples: órgãos internos podem ser regenerados com Proteção, mas membros arrancados não crescem novamente. Recentemente, Indra, o Pilar do Raio, perdeu um de seus braços, e isso pode afetar sua performance em batalha.
Enquanto Balbina e Tacitus falavam, o viajante baixava e lia todos os documentos e relatórios do projeto.
— Mas, por mais que tentemos realizar vários transplantes, ainda não compreendemos por que alguns falham e outros têm sucesso. — Balbina disse de maneira intrigada.
— Um momento, quer dizer que já tentaram antes?
— Ah, devemos mostrar a ele? — A pesquisadora encarou os outros dois doutores.
Fabius cruzou os braços e virou o rosto indiferente, enquanto Tacitus concordou com um aceno.
— Doutor Dante, peço que se prepare mentalmente. — O especialista em Proteção começou a caminhar até a saída. — Siga-nos. No caminho, poderemos explicar melhor sobre as Seitas.
— Podem ir se quiser, ficarei aqui. — Fabius deu as costas aos companheiros. — Isso é perda de tempo, esse plebeu não resolverá nada.
Com isso, os três deixaram a sala e caminharam pelos corredores.
Durante o caminho, Tacitus e Balbina contaram sobre as Seitas, contudo nada que já não soubesse.
Estavam indo até uma parte do centro de pesquisas que Sariel não havia visitado, mas que sabia sobre sua localização através do mapa em seu tablet.
Conforme mais se aproximavam do destino, era possível ver cada vez mais Vigilantes, demonstrando que não era um local comum.
Similar à sala do servidor, aquele lugar havia uma porta reforçada com alguns Vigilantes a protegendo.
Quando os quatro se aproximaram, tudo que os guardas fizeram foi perguntar o motivo da visita brevemente, e logo permitiram que entrassem.
Do outro lado da porta, havia outro corredor com outras inúmeras portas.
— O que exatamente é este lugar?
— Aqui realizamos experimentos humanos com os membros das Seitas capturados. — Tacitus guiou o viajante até uma porta e a abriu.
“Experimentos humanos... Não esperava que o Conselho aprovasse algo assim...”
Sariel adentrou o que poderia ser chamado de uma sala de hospital, porém bem maior e com vários equipamentos.
Havia uma segunda porta, que era reforçada e levava ao paciente: um único homem amarrado em uma maca e cercado com equipamentos mágicos.
Também havia vidro reforçado unidirecional, que permitia que vissem o paciente, sem que o mesmo soubesse que estava sendo observado.
Toda a sala era reforçada com magia de Proteção, além de armas que, caso detectassem algum perigo, podiam eliminar instantaneamente o paciente.
“Há tanta magia que é difícil separar cada coisa... e há magia de Selagem na sala do paciente também...”
— Vamos entrar. — Tacitus tomou a dianteira.
Se aproximaram da segunda porta. Sariel percebeu a primeira porta se trancando e sendo revestida por Proteção, quando aquela diante de si se abriu.
Os quatro se aproximaram do sujeito, que vestia uma camisola azul e possuía o braço direito enfaixado por bandagens.
“Seu poder mágico está totalmente selado... é um selo ainda mais restrito do que aquele que encontrei em Luna, deixando-o em uma espécie de coma induzido.”
— Quando iniciamos esse projeto, a primeira coisa que fizemos foi remover cirurgicamente o braço de dois devotos, trocá-los e transplantá-los. — Balbina se aproximou do homem e começou a remover as bandagens. — Esse é o resultado. — Tirou tudo de uma só vez.
Sariel esperava que haveria algo de errado, porém surpreendeu-se ao notar que o membro estava totalmente saudável, apesar de haver uma clara diferença no tom de pele.
— Como estão os movimentos?
— Perfeitos, como se fosse seu braço real — respondeu Tacitus. — Assim como o outro devoto que entregamos o braço dele.
— Conseguimos o exato mesmo resultado com qualquer transplante entre dois devotos diferentes, com uma taxa de sucesso de cem por cento, e fizemos trinta cirurgias no total — explicou Balbina. — Acreditávamos que estaria tudo certo se fizéssemos isso entre dois voluntários... contudo...
— Imagino que não correu bem.
— Precisamos ir para outra sala para que entenda. — Tacitus, mais uma vez, levou o viajante até outro local.
Foram até um quarto semelhante, mas sem as medidas extras de segurança, já que o paciente era uma voluntária, uma pesquisadora de túnica marrom.
A voluntária estava sentada em sua cama, com uma aparência debilitada e um braço enfaixado.
— Como se sente, Ana? — perguntou Tacitus assim que entrou.
— Doutor Tacitus. A dor piora a cada dia. — respondeu ela com uma voz que, apesar de sua declaração, não demonstrava cansaço.
— Aliviarei vossa dor agora. Doutora Balbina, pode remover as bandagens?
— Certo.
Enquanto Tacitus começou a usar magia de Proteção para revigorar as forças da voluntária, Balbina removia as faixas.
O braço de Ana estava escuro, dando indícios de necrose; havia sinais de queimadura bem na cicatriz que conectava o membro transplantado com o corpo dela, e até era possível ver um pouco de vapor sendo exalado.
— Tentamos esse transplante com cinco pares no total, ou seja, dez voluntários, e bem...
— Todos falharam?
— Oito transplantes falharam, contudo, um dos pares, por algum motivo que desconhecemos, teve sucesso na recuperação — explicou Tacitus. — Poderá encontrar eles nessa mesma instalação. Caso precise encontrar seus quartos, basta olhar no tablet.
Sariel encarou o especialista em Proteção enquanto tratava a voluntária.
“A taxa de sucesso ser absoluta entre devotos não é uma coincidência... Eu atribuiria isso ao seu pacto com outros Deuses, mas provavelmente há devotos de Seitas diferentes... e isso não explica por que um par de voluntários teve sucesso...”
O viajante pensava profundamente sobre aquele assunto. Inicialmente, havia se unido àquele projeto pela sua missão, mas agora ficara curioso e desejava buscar a resposta.
— Está melhor agora? — perguntou Tacitus à voluntária.
— Sim, obrigada.
— Bem, é por isso que estamos discutindo a tanto tempo. — Tacitus se virou para Sariel. — Sinto dizer isso, mas devo partir para cuidar dos experimentos sobre as barreiras, portanto deixarei isso em vossas mãos.
— Compreendo, farei o possível para resolver este problema.
— Até breve. — Tacitus deixou a sala.
Sariel se aproximou de Ana.
— Bom dia, chamo-me Dante Leonhardt, sou o mais novo túnica branca de Acrópolis. Permita-me tocar vosso braço?
— Doutor Dante... é um prazer. — A voluntária parecia impressionada com a aparência jovem de Sariel. — Sim, fique à vontade.
O viajante tocou com cuidado o membro de Ana, enquanto analisava a aura mágica dele.
Logo percebeu que algo estranho acontecia, o poder mágico do braço era diferente daquele da voluntária.
Além disso, pelo poder mágico tanto da paciente, quanto do membro transplantado, era bem elevado, demonstrando que eram pessoas fortes.
— Tens bastante poder mágico...
— Sim, sou uma ex-Vigilante, assim como a pessoa que recebi este braço.
— Entendo. — Sariel ficou pensativo. — Estranho, o poder mágico do dono original do braço permanece ativo, normalmente teria desaparecido com o tempo... Me pergunto se isso se deve ao fato de ter sido transplantado para outra pessoa viva...
— Sim, quando analisamos a aura daquela dupla que obteve sucesso, percebemos que o braço transplantado havia perdido a aura original e adquirido aquele do paciente operado.
— E quanto aos devotos?
— Enfraquecemos levemente o selo para analisar, e havia ocorrido o mesmo.
— Então a maioria dos voluntários sofre com algum tipo de rejeição mágica... Creio que verei essa dupla que teve sucesso.
— Ótimo, irei contigo! — Balbina ficou animada. — Quero estar presente caso descubra o problema.
— Certo. Estamos partindo agora, pesquisadora Ana, espero que possamos resolver vosso problema.
— Obrigada, Doutor Dante.
Então, Sariel e Balbina deixaram o quarto e caminharam juntos até um dos pacientes que obteve sucesso em sua cirurgia.
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