Volume 3
Capítulo 172: Uma Madrugada Ocupada
Shiina e Raymond estavam sentados com as pernas cruzadas sob uma mesma cama, jogando cartas para passar o tempo.
Atualmente, não estavam apostando nada, apenas aproveitavam que havia um raro momento para relaxar, apesar de que Shiina precisou convencer Raymond um pouco.
Por falar nisso, o guarda-costas, mesmo que estivesse “de folga”, usava uma túnica para viagens e mantinha consigo sua espada e algumas pedras mágicas, para caso precisasse sair de última hora para auxiliar Sariel.
Já a assassina, vestia um pijama bem ousado, com um decote bem generoso na região do busto, além da parte de baixo também ser bem curto, expondo todo o comprimento de suas longas e belas pernas.
— Há! Ganhei. — Shiina jogou suas cartas sob a cama, mostrando que conseguira uma vitória absoluta e implacável. — Achei fácil.
— Por que toda vez que você embaralha, acaba ganhando? — Raymond a encarou com suspeita.
Já estavam jogando a algum tempo, e Raymond venceu apenas três das dez partidas que jogaram, sendo que, toda vez que ela embaralhava as cartas, saía com uma mão invencível, e ele, com uma mão terrível.
— Eu sou apenas boa demais nisso. — Sorriu presunçosamente.
— Não seria a primeira vez que você trapaceia em um jogo. — Raymond se lembrou de eventos passados. — Se aproveita que não posso perceber quando usa Ilusão.
— Hehe... Está bem, vou parar de roubar.
— Então você admite...
— Você devia ter suspeitado desde o início que eu faria isso, foi muito ingênuo.
— Tanto faz.
Raymond pegou as cartas e as embaralhou, depois as distribuiu.
— É uma pena que a única oportunidade que temos de relaxar um pouco é logo em Acrópolis... — reclamou Shiina. — Queria ver como é a universidade, é o único lugar interessante.
— É verdade... a última vez que pudemos aproveitar um reino, de certa maneira, foi na Montanha de Fogo...
— Espero poder visitar esses lugares apropriadamente.
— Quando isso acabar, certamente poderemos fazer isso.
A assassina permaneceu em silêncio por um tempo, e jogou uma carta com uma expressão reflexiva.
— Ei... — Shiina chamou em uma voz silenciosa.
— Hm?
— Quando isso vai acabar? — O encarou nos olhos.
— Quando...? Não seria quando chegarmos em Maon?
— Por acaso esse é mesmo nosso objetivo atual? Para onde vamos depois e o que faremos?
— Bem... — Raymond coçou a cabeça pensativamente.
No início, o objetivo realmente era chegar no mundo dos Anjos, porém, após saírem da Montanha de Fogo sem a ajuda de Yaxun, fizeram um desvio para as Montanhas Prateadas, pois Aegreon queria ver o que havia acontecido com Feng Ping, acreditando que Sariel havia assassinado ele.
Depois, ao descobrir sobre um possível traidor no Conselho, decidiram ir até Acrópolis.
— Parece que nossa jornada não vai acabar em Maon... — Raymond admitiu após pensar brevemente.
— Sim... Por mais que eu não tenha boas experiências com o Conselho, deixar um traidor lá é terrível para a humanidade. E as Seitas estão cada vez mais agressivas.
Graças àquelas palavras, Raymond pôde perceber que, apesar do período de paz atual, conflitos com as Seitas estavam cada vez mais frequentes, o que não poderia ser um bom sinal.
Além disso, o fato de que não se sabia o que os Deuses da Escuridão planejavam sempre tornava difícil prever suas ações, apesar de elas serem sempre voltadas em adquirir almas humanas.
— Pra que você acha que as Seitas usam as almas? — perguntou Raymond.
— Como é que vou saber? Nem sabemos exatamente o que é a alma, apenas que ela existe e os efeitos sob quem não as tem.
— Me pergunto se Acrópolis tem alguma pesquisa sob o assunto... — Raymond jogou mais uma carta.
— He, ganhei. — Shiina mostrou sua mão, mais uma vez, uma combinação invencível.
— Quê?! — Raymond havia se distraído com a conversa, porém percebeu claramente que a assassina havia roubado pelo seu carteado. — Você falou que não trapacearia mais.
— Mas eu não roubei... — Shiina tocou a própria bochecha com o dedo indicador, e seu tom parecia dizer a verdade, mas o guarda-costas sabia que ela podia enganar seus sentidos na mentira também. — Por acaso estava olhando para algum lugar?
— Ora sua...
— Minha vez de embaralhar. — Shiina pegou as cartas e começou a bagunçá-las.
— Quando deixarmos Acrópolis, pedirei a Sariel para me fazer uma pedra de Ilusão.
— Ei, isso é trapaça!
— Olha quem fala!
— Hehe.
Shiina distribuiu as cartas, e ambos continuaram jogando por mais um tempo.
***
Cerca de uma ou duas horas após Sariel ter entrado na simulação, se desconectou dela e deixou a sala com as cápsulas.
Já era madrugada, mesmo assim, enquanto caminhava pelos corredores, encontrou-se com vários pesquisadores.
“Isso só mostra quão apaixonados e sérios são com relação ao seu trabalho...”
Pegou seu tablet e começou a checar por qualquer mensagem ou notícia sobre algum acontecimento, contudo não havia nada que lhe chamasse atenção, nem relacionado aos projetos que estava envolvido.
Sem ter algum rumo, decidiu ir até o setor de Reanimação. Embora achasse improvável, ainda mais considerando a hora, quis checar para ver se Tacitus, Balbina e Fabius estariam trabalhando em seu projeto.
E como esperava, não havia ninguém.
Decidiu então visitar o laboratório de computação.
Quando chegou na sala, deparou-se com Septima parada em pé diante da porta automática, que permanecia aberta.
— Doutora Septima? — Se aproximou e percebeu que ela estava dormindo. “No meio da entrada?”
Sariel se virou para o corredor, onde percebeu um Vigilante patrulhando.
— Com licença, sabe se a Doutora Septima está assim há algum tempo?
— Ah, sim, no momento que ela chegou diante da porta, começou a dormir.
“O ela é, uma máquina? No momento que chega a hora de dormir, ela adormece instantaneamente?” Sariel encarou Septima por um momento. — Certo... Obrigado.
O Vigilante se afastou, e o viajante passou ao lado da pesquisadora.
Felizmente a porta era grande o suficiente para que pudesse entrar, caso contrário teria que ir embora, ou movê-la de alguma maneira.
Sariel se dirigiu até a mesa que usaram algumas horas mais cedo, deparando-se com o que parecia ser uma bagunça, porém uma bagunça que era, de certa forma, organizada, sendo possível encontrar algumas coisas.
Aparentemente, enquanto o projeto do capacete de realidade aumentada aguardava as peças, Septima estava trabalhando em quatro ou cinco projetos diferentes, todos relacionados de alguma forma à computação ou tecnologia.
“Ela está trabalhando nisso tudo... sozinha? Não é à toa que dorme tão mal...” O viajante checou brevemente o que ela estava fazendo. “Eu não deveria mexer nisso sem a permissão dela, contudo...”
Sariel se lembrou de que Lucius disse a ele que a pesquisadora recebera algum conhecimento de Zaphkiela, então, se solucionasse os problemas de Septima, havia alguma possibilidade que o Pilar soubesse, abrindo uma possibilidade de ele interagir com o servidor, embora mínima.
O viajante pegou o tablet e checou os projetos que a pesquisadora estava envolvida, se registrou em todos que podia, e começou a trabalhar nos códigos.
Havia alguns projetos em que Septima estava envolvida com um outro pesquisador, mas eram poucos.
No geral, ela buscava trabalhar sozinha o máximo possível e, mesmo que pudesse, nunca se juntava a uma pesquisa se ela não envolvesse programação.
Sariel fez o possível para progredir o máximo possível em todos os projetos, algo extremamente desafiante considerando que tinha que aprender na hora o que cada projeto era, além de que não estava familiarizado com a “bagunça” de Septima.
Cerca de quinze minutos se passaram quando a pesquisadora enfim despertou e se aproximou dele.
— Doutor Dante... o que está fazendo? — Olhou para os computadores, pedras de Selagem e a mesa, agora arrumada. — Ah, está trabalhando nesses projetos...
— Doutora Septima, espero que não se importe.
— Hmm... — A pesquisadora rapidamente percebeu o progresso que Sariel conseguiu, o que a fez, pela primeira vez, mudar sua expressão de sonolência para surpresa. — Fizeste tudo isso em quanto tempo?
— Cerca de quinze minutos.
— Inacreditável... — Septima estava completamente atônita com o conhecimento dele. — Por acaso foste ensinado por Zaphkiela?
— Nunca me encontrei com ninguém aqui antes.
— Nunca trabalhaste com computadores antes, correto?
— Exato, estou aprendendo conforme faço os ajustes.
A pesquisadora o encarou em silêncio por um momento.
— Doutora Septima, por quanto tempo permanece acordada após dormir por vinte minutos?
— Seis horas.
— Não deveria dormir novamente após quatro horas?
— Quanto mais tempo permaneço acordada, mais posso trabalhar em meus projetos. Seis horas é o máximo que consigo ficar sem afetar minha performance...
— Mesmo assim, está exausta, quanto tempo faz desde que dormira apropriadamente?
— Nem me lembro...
— Bem, neste caso, permita-me aliviar sua carga um pouco. — Sariel apontou para a tela do computador. — Vamos trabalhar nisso por algum tempo, se terminarmos tudo, poderá dormir um pouco, certo?
— Vejamos quanto a isso. — Septima se sentou ao seu lado. — Focaremos na melhoria de performance dos computadores.
A partir daquele momento, ambos passaram as próximas horas focados em seus projetos.
Septima o ensinou sobre como funcionava os computadores, e esse conhecimento, aliado à sua expertise com criptografia e programação por parte do elemento Selagem, lhe fez entender as falhas de seguranças que talvez pudesse explorar com a simulação.
— Por que trabalha apenas com criptografia e programação? Há muitas outras coisas que pode fazer com Selagem. — Sariel ficou curioso sobre Septima.
— Há especialistas o suficiente para suprir essa demanda, mas apenas eu e Zaphkiela... e... bem, tu, podemos criar algo como computadores e a simulação.
— Ninguém se interessou em adquirir vossos conhecimentos?
— Sim, mas não tenho tempo para ensiná-los... Além disso, os poucos que tentei ensinar algo, desistiram logo no começo... não eram determinados...
Sariel pôde perceber um tom de frustração e irritação, a primeira vez que escutava sua voz mudar um pouco.
“Consigo imaginar ela sendo bem rígida, e a falta de sono, aliada com sua falta de tempo, pode tê-la deixado suscetível a se tornar irritada com outros...”
Encarou o rosto cansado e coberto pelos fios bagunçados do cabelo da pesquisadora, com seus olhos parcialmente abertos encarando a tela do computador.
— Pode parecer perda de tempo, mas ensinar alguém não seria melhor no longo termo? Isso duplicaria a capacidade de pesquisa nesse quesito.
— Não... são todos inúteis... Prefiro fazer tudo sozinha.
— Mas não estamos progredindo muito mais rápido juntos?
— Tu és diferente, és uma pessoa inteligente... — Septima voltou seu olhar para Sariel. — Como aprendes tão rápido?
— Creio que apenas sou bom nisso...
— Ensine-me, por favor... — A pesquisadora basicamente invadiu o espaço pessoal do viajante e aproximou o rosto do dele. — Zaphkiela está sempre ocupada, não pode me ensinar, mas tu...
— Pensarei no caso se tirar um cochilo apropriado depois de terminarmos, certo?
— Tá... — Septima pareceu não gostar da sugestão considerando seu tom, mas aceitou de qualquer maneira.
A partir dali ambos focaram exclusivamente em progredir nos projetos o mais rápido possível.
Cerca de duas horas depois, Septima se deu por satisfeita com o quanto haviam avançado e decidiu fazer uma pausa.
— Agora seria um ótimo momento para dormir, não acha?
— Não... Em breve as peças do capacete devem chegar.
— Ora, vamos, disseste que faria isso, não disse? — A voz de Sariel subitamente se tornou extremamente convincente. — Basta fechar os olhos, esquecer de tudo, e relaxar...
— Eu... preciso... continuar... — Septima começou a se sentir cada vez mais sonolenta, por mais que ainda faltasse várias horas para seu próximo cochilo.
— Vamos, podes se debruçar contra a mesa e dormir aqui mesmo. Quando acordar, poderá continuar com vosso trabalho imediatamente...
— Tem... razão... — A pesquisadora formou um travesseiro com os braços e deitou a cabeça em cima da mesa.
— Durma bem, e não acorde tão cedo.
Septima não respondeu.
Sariel a encarou por um momento, certificando-se de que ela estava totalmente adormecida.
“Bem, quem diria que precisaria convencê-la com Ilusão... Espero que ela não acorde após vinte minutos...” O viajante se levantou, cobriu a pesquisadora com um pano qualquer que encontrou, e saiu.
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