O Primeiro Serafim Brasileira

Autor(a): Anosk


Volume 3

Capítulo 164: Noite Estrelada

Após cerca de vinte minutos, Sariel deixou o centro de pesquisas do Conselho e se deparou com Frederic e Felix esperando por ele.

— Peço desculpas pela demora, isso tomou mais tempo do que esperado. — Aproximou-se em uma mistura de uma corrida e caminhada. “Não imaginei que acabaria iniciando um projeto novo tão cedo.”

— Tudo bem, está livre agora? Não precisa nos acompanhar se for o caso. — Frederic encarou a instalação atrás do viajante para verificar se Octavius apareceria.

— Agradeço a preocupação, mas podemos ir agora.

— Ótimo! Enquanto eu e Frederic esperávamos, analisamos estes tablets e, ao checar os mapas, descobrimos que há um restaurante aqui perto, vamos?

Sariel concordou com um aceno e os três logo partiram pelas ruas invertidas de Acrópolis.

Como acabaram de chegar, ainda era inevitável que vez ou outra lançassem um olhar para cima e avistar o solo.

Ao chegar no local desejado, encontraram um restaurante de tamanho pequeno. Era construído em mármore, como a maioria das construções em Acrópolis, porém era decorado e pintado para trazer um pouco de variedade de cores.

Havia uma área com mesas ao ar livre, com vista para uma das ramificações do largo rio, onde havia pequenos barcos navegando.

— É um lugar charmoso, e com uma bela vista... E não há tanta gente aqui. — Sariel observou que, apesar da boa aparência do local, a maioria das mesas estavam vazias. — Por que não nos sentamos ao ar livre?

— Boa ideia! — Felix se aproximou da porta e a abriu, acompanhada de um sino que sinalizava a chegada de clientes, porém travou antes de entrar. — Ah... Doutor Dante, por favor.

— Já lhe disse que não há necessidade disto, apenas aja naturalmente, certo?

— Bem, se insiste... — Os três entraram, e os poucos pesquisadores que estavam ali, a maioria de túnicas castanhas, encaram Sariel com surpresa, porém logo desviaram o olhar.

Havia um garçom vestindo uma túnica castanha atendendo uma mesa no momento também, que ficou igualmente, talvez até mais surpreso que os outros.

Passaram por uma outra porta para a área aberta e se sentaram em uma mesa próxima ao rio.

Passados alguns segundos, um homem de meia idade, vestindo uma túnica castanho-claro modificada que mais parecia um avental de cozinheiro, se aproximou dos três.

— Bem-vindos ao meu restaurante, chamo-me Cornelius. A que devo a ilustre presença do Doutor Dante Leonhardt?

“Já sabe meu nome? Deve ter checado pelo sistema de Acrópolis... Além disso, sua veste é de um chef, o garçom provavelmente o avisou.”

— Agradeço a hospitalidade, caro colega. Vosso estabelecimento é deveras cativante.

— És muito bondoso. — O homem esboçou um sorriso aliviado. — Como são novos aqui, imagino que não saibam como funcionam as coisas aqui ainda. Nosso cardápio está disponível em vossos tablets, basta clicar nas informações de meu restaurante.

— Oh, é verdade, aqui está. — Felix mostrou seu tablet a Frederic e Sariel.

Ambos pegaram os próprios tablets e começaram a investigar o cardápio.

A comida era voltada em massas, como macarrão, ravioli, canelone... mas também havia pratos que Sariel nunca ouvira falar antes, como pizza e lasanha.

Claro, além dos nomes dos pratos, havia uma descrição detalhada dos ingredientes e como eram preparados, além de inúmeras imagens.

— Há inúmeras opções, mas considerando que estamos em três, não devemos escolher uma pizza? — sugeriu Sariel.

— Boa ideia, qual sabor sugere?

— Gostaria de experimentar a de Margherita. — Ao ouvir a sugestão de Felix, os outros dois verificaram o sabor, uma pizza contendo tomate, muçarela e manjericão. — O que acham?

— Bem, eu não como nada de origem animal, imagino que Frederic também.

— Ah, verdade, me esqueci disso... — Felix disse em um tom de desculpa.

— Também temos opções veganas, que usam ingredientes de origem não animal para substituir coisas como o queijo. — Cornelius pegou o próprio tablet e mostrou a mesma pizza, mas com ingredientes que substituíam o leite para fazer o queijo. — Acrópolis tem vários pesquisadores que falam com os animais e são veganos, por isso desenvolvemos métodos para substituir e imitar alguns ingredientes.

— Isso parece ótimo, ficaremos com isso então. — Sariel estava surpreso e feliz por aquela novidade.

— Ótimo, retornarei o mais rápido possível. — Cornelius se apressou para a cozinha.

Os três, enquanto aguardavam sua comida, conversaram sobre assuntos variados, na maioria das vezes sobre como Acrópolis era incrível e que a vista que possuíam era como um tesouro.

Pouco tempo depois, Cornelius retornou com a pizza.

— Espero que seja de vosso agrado. — Colocou a comida sobre a mesa.

— Muito obrigado. — Sariel o encarou por um momento quando algo passou por sua mente. — Tu és um pesquisador, mas ainda assim possuí um restaurante?

— Bem, nós túnicas castanhas não temos muito projetados em que trabalhar, normalmente participamos como ajudantes e aprendemos para que possamos tentar subir de classificação, por isso geralmente temos bastante tempo livre.

— Ah, peço desculpas se disse algo insensível.

— Não se preocupe com isso. — Cornelius ergueu suas mãos tentando evitar que Sariel sentisse culpa. — Bem, como tenho mais tempo livre, me dedico a algo que gosto, que no caso é culinária, por isso decidi abrir o restaurante. Muitos pesquisadores de rank baixo abrem estabelecimentos também como hobby.

— Compreendo... E tu trabalhas apenas com um garçom?

— Não, há uma terceira pessoa, o cozinheiro.

— Entendo, é um prazer conhecê-lo, pesquisador Cornelius.

— Igualmente Doutor Dante. — Dito isso, o dono do restaurante se afastou.

— Hm? Não está cortado — mencionou Frederic.

— Bem, basta cortarmos em seis pedaços diferentes, cada um come dois, certo? — Felix lançou um olhar a Sariel e Frederic, que concordaram com um aceno.

O viajante estava prestes a cortar a pizza, mas Frederic o interrompeu e fez isso em seu lugar, além de colocar os pedaços em cada prato.

Assim que deram a primeira garfada, os três arregalaram os olhos em surpresa e soltaram um suspiro alegre.

O sabor não era como nada que haviam experimentado antes, e o sabor era tão requintado que poderia facilmente ser confundido a uma refeição para um rei.

Os seis pedaços desapareceram rapidamente, deixando os três soltarem um suspiro satisfeito.

 

***

 

Após terminar o jantar, Sariel se despediu de Felix e Frederic e caminhou por Acrópolis sem destino definido.

Enquanto passava pelas ruas, mantinha os olhos no tablet, que tinha um mapa aberto de toda região invertida.

Em pouco tempo encontrou algo que chamou sua atenção, e decidiu ir até lá.

Não era possível ver a lua por motivos óbvios, porém seu tablet mostrava a hora atual: oito e dezessete da noite.

O local que desejava chegar era relativamente longe, mas decidiu caminhar mesmo tendo a opção de andar de trem.

Cerca de vinte minutos se passaram até que chegasse no local: uma das extremidades da ilha flutuante de Acrópolis.

O motivo de ter escolhido visitar aquele lugar era simples, havia uma espécie de píer com o piso feito de vidro, permitindo ver o céu de ponta cabeça.

O local era como um parque, portanto era agradável, arborizado e movimentado.

Muitas pessoas estavam no píer no momento, encarando o horizonte, ou olhando para baixo na direção do céu.

Sariel caminhou em seu ritmo tranquilo até o píer. Antes mesmo que alcançasse o vidro, podia ver parcialmente o horizonte invertido.

Fechou os olhos, queria experienciar o que veria a seguir da melhor maneira possível.

Caminhou até o píer com os olhos ainda fechados. Algumas pessoas o encaravam em um misto de respeito, apreensão e preocupação.

Mesmo que o píer tivesse um muro baixo para evitar que qualquer um saísse da zona da influência das pedras de Alteração, os outros pesquisadores ainda se preocuparam ao ver Sariel caminhando com os olhos fechados até o píer.

Isso não durou muito, entretanto, quando notaram que ele desviava tranquilamente de qualquer obstáculo.

Quando Sariel chegou próximo da borda, abaixou a cabeça e abriu seus olhos.

Abaixo de seus pés, um magnífico céu estrelado... Era possível ver o centro da galáxia devido ao caleidoscópio de cores proporcionado pelas estrelas e nuvens de gás e poeira.

Apenas as estrelas, tão distantes que nenhum mortal jamais alcançaria, eram tão brilhantes que o céu estava tão iluminado, que era possível viajar no meio daquela noite estrelada.

A luz de cada uma das milhões de estrelas havia viajado uma distância inimaginavelmente longa, e por mais que Sariel tivesse uma visão magnífica, jamais seria capaz de ver cada uma delas separadamente.

Mesmo assim, todas elas brilhavam simultaneamente, dando vida àquela magnífica e inesquecível visão.

Algumas eram mais brilhantes que outras, porém o brilho singular de uma única estrela jamais seria tão belo quanto à luz conjunta de milhões delas.

Uma única gota de tinta jamais seria tão bela quanto o conjunto de outras infinitas gostas: um quadro pintado.

A lua estava ausente, ou melhor, oculta pela própria ilha flutuante de Acrópolis, como se estivesse consciente de que, naquela noite, ela não seria capaz de competir com as estrelas.

Sariel encarou aquela visão enquanto completamente imóvel, incapaz de reagir perante a uma pintura tão magnífica.

A luz de cada uma daquelas estrelas viajou dezenas de milhares de anos-luz, ignorantes da existência humana e da vida consciente, apenas para que fossem captadas pelos seus olhos emocionados e marejados.

Além disso, muitas daquelas estrelas estão mortas antes mesmo de Sariel, de Ardos, da humanidade, ou até mesmo dos Anjos terem nascido.

O que via agora nada mais era do que uma imagem do passado, de como era milhares de anos atrás.

— Somos tão insignificantes... — Aquele momento o fez perceber o quão pequeno era naquele vasto universo. — Mesmo assim... ainda bem que estou vivo... Obrigado, Kura...

A única coisa que faltava para completar aquele momento, seria uma supernova...

Contudo o simples fato de estar vivo, de ter consciência — de simplesmente existir — e poder presenciar aquilo, já era a maior sorte de todo o universo.

Caminhou até a borda do píer e se apoiou no muro baixo, contemplando o universo e esquecendo-se brevemente de qualquer preocupação.

Esteve tão imerso, que não percebeu a passagem do tempo, uma hora nunca correu tão rápido...

 

***

 

Algumas horas depois, Sariel caminhava até seu dormitório.

Assim como os pesquisadores eram divididos pelas cores de suas túnicas, havia dormitórios exclusivos para aqueles de túnica branca.

Como havia ficado mais tempo do que esperava observando as estrelas, Sariel decidiu retornar pelo trem, chegando em questão de minutos até o destino.

Os dormitórios dos pesquisadores de túnica branca eram como um condomínio, era uma região cercada por um muro baixo e com várias casas similares que possuíam um pequeno jardim.

Durante sua viagem de trem, Sariel descobriu que podia escolher uma das residências livres online, portanto, ao chegar nos dormitórios, já sabia qual era sua casa.

Conforme caminhava pelas ruas, percebeu que não havia mais ninguém por lá, e apenas notou com Alteração que um ou dois pesquisadores se encontravam em toda a área.

“Imagino que o resto ainda esteja no centro de pesquisas...” Olhou para a hora em seu tablet. “Já são onze da noite... creio que não é incomum pesquisadores virarem a noite em um laboratório.”

Eventualmente chegou em sua casa. Possuía um gramado verde e baixo na entrada e um caminho levando diretamente até a porta.

Ao se aproximar da entrada, alinhou seu rosto com uma câmera, que imediatamente o reconheceu e abriu a porta.

O primeiro cômodo era uma pequena sala de estar, conectada à cozinha e um corredor que levava ao quarto e banheiro.

O lugar estava arrumado, bem mobiliado e agradável, porém não ligou muito para tais coisas.

Se dirigiu ao banheiro, onde tomou um banho de banheira.

Em seguida, foi até o quarto e, ao abrir o guarda-roupa, se deparou com inúmeras túnicas brancas iguais, além de pijamas.

Vestiu um pijama e se deitou.

Adormeceu rapidamente, e forçou sua consciência no subconsciente de outro.

Alguns segundos depois, foi parar no espaço mental de Feng Ping.

— O que deseja discutir?

— Estou agora na cordilheira Belvuch com Koeus e outros Pilares, de acordo com seu plano.

— Ótimo, já estou em Acrópolis. Conseguiu alguma informação dele até o momento?

— Até agora, não ocorreu nada muito relevante.

— Certo, me avise caso aconteça algo.

Sariel logo se afastou do subconsciente de Feng Ping e dormiu profundamente.


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