Volume 3
Capítulo 154: O Indivíduo Perfeito
Jeanne, Klara e Erandi estavam se deslocando devagar por um túnel enquanto aguardavam pelo sinal para iniciar o ataque, em outras palavras, o som do disparo do canhão.
Quando ouviram o som, avançaram rapidamente e chegaram à área aberta por um outro túnel.
O grupo de Feng Ping e Lily, junto do grupo de Koeus e Clementius, apareceram ao mesmo tempo em cada flanco, cercando toda a Seita.
Sem perder tempo, o Pilar da Proteção imediatamente cravou seu escudo no chão, criando uma barreira que, ao invés de manter os oponentes do lado de fora, prendeu todos para evitar sua fuga.
— “Há um homem que, julgando pelo poder, deve ser o líder. Capturem-no, e executem todos os outros.” — A voz de Koeus ecoou pela mente de todos.
Sob essas instruções, todos avançaram ao mesmo tempo.
Klara estava mais próxima do lago de magma, que no momento estava do lado de fora da barreira. Sua tarefa era de impedir qualquer criatura de tentar atacar por fora.
O Pilar da Água se dirigiu até o magma, deixando a proteção da barreira.
Imediatamente várias criaturas emergiram buscando atacá-la, mas Klara a protegeu lançando vários ataques mágicos a partir de sua armadura.
Enquanto isso, água começou a se formar ao redor de Jeanne, criando uma onda tão grande quanto um tsunami.
Como Klara estava compartilhando os sentidos de Koeus, ela pôde visualizar o poder de Jeanne caindo em tempo real, o que era esperado, já que não havia água ao redor, portanto ela tinha de usar a própria magia para criá-la.
— Fiquem quietinhos aí e não atrapalhem. — A grande massa de água caiu com força no magma.
O contato entre as duas forças opostas fez parte da água evaporar instantaneamente, causando uma expansão de gás similar a uma explosão.
Então, aquilo que não se tornou vapor tocou o magma e começou a resfriá-lo, solidificando a superfície toda em obsidiana e prendendo as criaturas que habitavam ali.
Klara observou todo o lago, que agora havia se tornado um piso escuro, levemente surpresa.
— Incrível...
— Admire depois, temos trabalho a fazer. — Jeanne começou a caminhar de volta, quando tremores e o som abafado de algo batendo a faz se virar novamente. — Hm?
Então, com uma força monstruosa, uma criatura rompeu a obsidiana e emergiu.
Erandi, que estava observando tudo logo atrás — pronta para agir caso o teto desabasse —, se aproximou surpresa ao ver o mesmo ser que Lily e Feng Ping mataram no dia anterior.
— Parece que realmente podem retornar — comentou ao se aproximar.
Logo depois, várias criaturas começaram a sair do mesmo buraco, enquanto outras tentavam quebrar outras áreas.
— “Koeus, temos trabalho a fazer aqui” — informou Jeanne.
— “Entendido, deixarei isto em suas mãos.”
— Certo, garotas, vamos cuidar disso. — Após obter a confirmação de que sua força não era necessária para lutar com os devotos, Jeanne avançou contra as sombras.
Apontando com o dedo indicador a primeira criatura, um jato concentrado e quase invisível dividiu o pescoço dela como se fosse manteiga.
Então retirou seus bastões e começou a controlar várias armas distintas enquanto lidava com qualquer oponente menor.
Klara observou de longe enquanto Jeanne dava um belo salto e chutava a cabeça de uma criatura muitas vezes maior que ela contra o chão.
Então, do canto de sua visão, percebeu Erandi também avançando com um olhar sério e concentrado.
“Bem, acho melhor ficar de olho nela.” Fechando a viseira, a seguiu logo atrás.
Como Erandi havia perdido sua armadura, Lily havia oferecido a ela sua própria madeira para usar, portanto agora vestia um equipamento branco.
Uma espécie de tartaruga de fogo colossal cuspiu chamas roxas contra Erandi, que criou um escudo de madeira diversas vezes maior que ela para bloquear o ataque.
Saltou com seu martelo acima da cabeça e tentou esmagá-la, porém ela se recolheu para dentro, e sua arma rebateu contra o casco.
Dos orifícios, chamas foram expelidas e a criatura começou a girar rapidamente.
— Tsc! Se esse tamanho não é o suficiente, basta bater com um maior! — Antes que sua armadura queimasse completamente, Erandi aumentou seu martelo para igualar ao tamanho da criatura.
Sua imagem era quase cômica, se não fosse por sua expressão determinada. Seu martelo possuía mais de dez metros de tamanho, o que fez Klara, que viu aquilo de relance, se lembrar de como formigas eram capazes de carregar objetos várias vezes mais pesados e maiores que seus corpos.
— Se esconde disso! — Erandi girou o corpo e bateu de baixo para cima seu martelo, atingindo em cheio a criatura e enviando-a voando tão rápido, que ela bateu com força contra a parede da caverna e ficou presa lá.
Além disso, julgando pela maneira como ela parou de se mover — além das lascas do casco remanescentes no chão — provavelmente havia morrido.
Isso logo foi comprovado pelo seu corpo começando a derreter em um líquido negro e sumir.
— Já pensou em jogar golfe? Daria uma grande atleta — sugeriu Klara ao presenciar aquela cena.
— Não acho que teria paciência.
— Tem razão...
Erandi avançou na direção do próximo oponente e, a julgar pela maneira como estava criando armas gigantes, deve ter descoberto que aquele método era mais eficiente do que imaginava.
Enquanto isso, Klara se via rodeada por inúmeras criaturas lançado chamas roxas contra ela.
“Que calor...” Apesar disso, nada acontecia contra ela. — Já tive minha cota disso.
Disparou contra a maior criatura e atravessou seu corpo com o machado.
Depois de finalizá-la, foi pega desprevenida por um tipo de crocodilo gigante e foi mordida.
As presas daquela criatura eram quase do seu tamanho e, mesmo assim, não eram capazes de causar o menor dano.
— Heh, só isso? — Usando de sua força descomunal, forçou a boca da criatura e abriu sua cabeça ao meio apenas com suas mãos. — Quem é o próximo?
***
Clementius permanecia parado ao lado de Koeus enquanto uma grande labareda de chamas roxas era repelida por uma barreira dourada.
Algumas rachaduras se formavam, o que era esperado, já que estava dedicando a maior parte de seu poder em manter o escudo principal.
— Ele é forte — comentou Clementius.
— Para um devoto comum, de fato, mas está longe de ser um perigo — observou Koeus de maneira indiferente. —Terás de usar vossos punhos.
— De fato. — Demonstrando uma expressão de desgosto, o Pilar da Proteção disparou na direção do líder da Seita.
— Como?! — Ancalion não acreditava que seu poder, do qual se orgulhava tanto, não era capaz de quebrar uma barreira enfraquecida. — Morra!
Uma esfera roxa surgiu em suas mãos e cresceu até alcançar o tamanho de um melão, então a lançou contra Clementius.
Uma explosão ergueu poeira, e o calor gerado pôde ser sentido mesmo de onde estava.
Quando encarou a nuvem de fumaça, percebeu imediatamente a aura do Pilar da Proteção se movendo em sua direção rapidamente.
Desviou por muito pouco de um soco de Clementius e tentou lançar suas chamas contra ele, porém foi surpreendido pela sua velocidade insana e recebeu uma poderosa joelhada em seu estômago, que o enviou para longe.
Ainda no chão, percebeu inúmeras auras mágicas minúsculas rodeando-o, que então se juntaram em um formato pontiagudo e voaram na sua direção.
“O que diabos são essas coisas?” Podia sentir que essas auras eram de Alteração, mas não conhecia nenhuma magia daquele elemento que poderia se separar e unir daquela maneira.
Desviou dos projéteis, mas sentiu Clementius se aproximando por trás.
Os punhos de aço do Pilar da Proteção castigaram seu rosto: um, dois, três... Não apenas eram poderosos, mas também eram tão rápidos que não era capaz de acompanhá-los.
Logo perdeu a conta de quantos golpes recebera, pareciam muitos, já que sentiu seu nariz quebrar, seu rosto afundar e seus sentidos entorpecerem.
“Impossível... Eu, Ancalion, escolhido pela grandiosa Deusa Artemis... perdendo para alguém que nem está usando magia?!” Raiva e frustração começaram a arder dentro de si, porém esse chama logo deixou de estar apenas em seus sentimentos e se espalhou fisicamente pelo seu corpo.
Clementius se afastou pouco antes do corpo do devoto explodir em chamas roxas, tão intensas e carregadas de escuridão que passou a queimar a própria carne.
— Não morrerei... Queimarei vocês todos! — vociferou voz enfurecida, ofegante e profunda.
Devido ao calor, os grãos metálicos de Koeus que estavam próximos derreteram, forçando-o a afastá-los.
— Aparentemente decidiu mostrar suas presas — comentou o Pilar da Alteração.
— Acabemos com isso rápido, por favor — respondeu Clementius ignorando o comentário anterior.
— Tens razão, se ele matar a si mesmo com as chamas, não poderemos verificar suas memórias.
— Koeus... Não devemos deixá-lo sofrer mais — rebateu o Pilar da Proteção, explicando seus reais sentimentos. — Isto me lembra de Aegreon, não gosto disso.
— A partir do momento que ele abandonou Kura e vendeu sua alma, todo o sofrimento lhe é merecido. — O Pilar da Alteração disse de maneira severa como sempre. —Tais pessoas não merecem compaixão.
— Errado, Koeus. Todos os filhos de Kura merecem misericórdia. Mesmo aqueles que mergulharam no mais profundo abismo podem ter uma redenção em sua próxima vida.
— Sabes que não há nenhuma evidência concreta acerca reencarnação, ou não viste os relatórios de minhas pesquisas? — O Pilar da Proteção começou a se aproximar de Ancalion, pronto para acabar com a luta.
— Ah... Esqueça sobre isso — suspirou Clementius.
Os dois se afastaram e cercaram o devoto, que conjurou um círculo de fogo ao seu redor e disparou contra o Pilar da Proteção.
Clementius não recuou, pelo contrário, também avançou.
“Vou te estraçalhar! Farei se ajoelhar e implorar por clemência!” Deu um soco mirando o rosto. — Morr...
Um soco poderoso o calou. Mesmo sendo ferido pelas chamas, Clementius não recuava.
Na verdade, como esperado do Pilar da Proteção, a velocidade de cura superava a dos danos.
— Vou queimá-lo até restar nada além de cinzas! — Ancalion estava prestes a usar uma magia poderosa, mas uma súbita força o puxou para longe e o lançou pelas casas do vilarejo, derrubando várias delas no processo.
Se levantou rapidamente, sem entender o que havia acontecido.
— O qu... — Antes que pudesse terminar, seu corpo foi novamente puxado, dessa vez de volta para onde estava, encontrando no meio do caminho o punho de Clementius.
Ancalion se sentiu como um pedaço de papel sendo carregado impotentemente pelo vento.
— Impossível... — Não podia deixar de se sentir um inseto. Ele, que sempre foi o humano mais poderoso naquela Seita, estava sendo completamente subjugado.
Começou a sentir os efeitos da Alteração tentando mover seu corpo, mas, utilizando todas as suas forças, conseguiu resistir.
— Maldito... — Encarou Koeus, a fonte daquilo.
O Pilar da Alteração estava calmo, enquanto exercia sua força suprema. Já Ancalion, tinha de usar todo seu poder para não ser arremessado por aí como um objeto.
— Acabarei com sua raça! — Avançou contra Koeus, esperando que ele, por se manter mais distante e não poder se curar como Clementius, seria um oponente que conseguiria lidar.
Contudo o Pilar da Alteração aceitou o desafio e se aproximou.
Ancalion socou com seus punhos cobertos em chamas roxas. Koeus, por outro lado, ao invés de desviar ou contra-atacar, ergueu os braços.
O golpe atingiu, porém o devoto sentiu como se estivesse socando uma bigorna, tal era a resistência do Pilar da Alteração.
Então Koeus desferiu um soco contra seu rosto, fazendo-o perder vários dentes, voar alguns metros e cair desnorteado.
Antes que pudesse se recuperar, seu corpo foi puxado novamente na direção do Pilar da Alteração.
Ancalion não tinha como saber, mas se pudesse ver o rosto de Koeus naquele momento, teria perdido toda e qualquer esperança.
O Pilar da Alteração possuía um olhar assassino e frio, sua postura indicava ter a experiencia de décadas em artes marciais, e era totalmente impiedoso em seu estilo de luta.
Koeus aplicou Alteração em seu soco, fazendo-o acelerar a um ponto em que seu punho atravessou completamente o estômago de Ancalion.
— Argh! — ofegou o devoto conforme sentia sua vida se esvaindo lentamente.
Mesmo que estivesse sendo queimado pelas chamas, Koeus parecia não se importar.
— Koeus, precisamos dele vivo.
— Hm — murmurou em resposta, removendo seu punho e entregando-o a Clementius.
O Pilar da Proteção o curou apenas o suficiente para que não morresse, e Koeus o manteve imóvel com Alteração enquanto Vigilantes se aproximaram e o selaram.
— Parece que está quase acabando — observou Clementius ao reparar como o combate estava quase acabando.
Não apenas isso, mas até as criaturas do lago de magma deixaram de surgir. Na verdade, estavam recuando como era possível notar por suas auras se afastando pelos túneis.
O Pilar da Alteração não respondeu, parecia estar concentrado em algo.
— “Jeanne, Erandi, Klara, recuem para dentro da barreira imediatamente!” — A voz de Koeus subitamente ecoou pela mente de todos.
— “Entendido.” — O Pilar da Água não questionou e obedeceu prontamente.
No segundo seguinte que isso ocorreu, todo o magma no lago se tornou tão agitado que atingia até o teto.
Uma aura poderosa, que a princípio estava tão distante que apenas Koeus havia sentido, estava no centro daquilo.
Uma onda de magma se ergueu e chocou-se contra o escudo, que resistiu com tranquilidade.
Todo o lago estava tão agitado quanto o oceano durante uma tempestade tropical e, se não fosse pelo escudo de Clementius, todo o lugar teria sido inundado.
Isso durou por quase um minuto, quando por fim acalmou-se lentamente.
Então, uma figura emergiu do lago caminhando lentamente.
Era um humano, um homem.
Porém havia algo estranho.
Todo seu corpo era totalmente escuro, da mesma maneira que todas as criaturas possuídas pelas sombras.
Possuía grandes e belos músculos, como o que se esperaria de fisiculturistas que passam a vida construindo o corpo perfeito, porém não poderia ser nem minimamente comparado com aquilo, era como a mais bela escultura já feita sobre a imagem do homem tivesse ganhado vida.
Estava totalmente nu, e seu caminhar lento e confiante demonstrava que tinha total orgulho de seu corpo.
Aquele indivíduo parou diante da barreira sustentada pelo escudo de Clementius e o encarou com seus olhos roxos.
Sem dizer uma palavra, apontou a palma aberta na contra a barreira.
Em contraste com a luz dourada do escudo, uma chama negra que parecia buscar engolir tudo surgiu em sua mão.
Uma quantidade descomunal de poder se condensou naquele ínfimo ponto, e de longe era possível notar o ar ao redor se tornar cada vez mais borrado devido à temperatura intensa contida na palma daquele ser.
Jeanne e Feng Ping lançaram ataques à distância para impedir aquela pessoa, porém ele aceitava os danos sem preocupação.
A chama em sua palma reduziu ainda mais em tamanho enquanto o poder aumentava, até que, por fim, tudo foi liberado contra a barreira.
Uma explosão roxa e negra consumiu tudo ao redor. Toda a caverna tremeu pelo poder daquele ataque, porém a barreira resistiu.
Da origem da explosão, havia uma enorme cratera, e a rocha no chão, paredes e teto havia derretido pelo calor.
A figura levitava graciosamente, com a mesma expressão indiferente de sempre.
Normalmente, ao realizar um ataque destas proporções com Conjuração, o usuário seria ferido de alguma maneira, já que seria poder demais para seu corpo suportar.
Contudo, o físico daquele homem estava tão perfeito quanto antes.
Pela maneira como sua expressão não se alterou, não havia se surpreendido por ter falhado.
Sua cabeça se virou lentamente enquanto seus olhos analisavam a situação, e pararam momentaneamente quando avistaram o portal destruído.
Então, quando encontrou Ancalion caído, circulou ao redor da barreira para chegar um pouco mais perto.
— Não se mova! — Os Vigilantes ergueram suas armas e se prepararam para lançar magias.
Porém, quando os pés do homem tocaram o chão novamente, caminhou indiferente aos avisos.
— Ataque...
— Esperem. — A ordem de Clementius impediu que os Vigilantes atacassem.
Todos encararam o Pilar da Proteção surpresos, mas obedeceram fielmente.
Afinal, sua palavra era seguida com uma confiança quase cega.
Clementius e Koeus, percebendo que aquele homem parecia interessado em Ancalion, se aproximaram da borda da barreira com ele.
O homem parou ao notar sua aproximação.
O Pilar da Alteração estava atento e curioso. O poder daquele ser era comparável ao de um Pilar, porém, mesmo sendo claramente daquela Seita, não demonstrava hostilidade, pelo menos por enquanto.
Além disso, havia algo que o incomodava: o fato de sua aura não se assemelhar nem um pouco ao de um humano, e sim, ao de uma sombra, uma criatura reerguida.
Ficaram cerca de três metros de distância um do outro. Clementius deu um passo adiante, porém o homem mantinha seu olhar em Ancalion.
Naquela distância não restava mais dúvidas, aquilo não era um humano, e sim uma criatura.
— Por qual razão não nos ataca? — Clementius fez uma pergunta, parcialmente a si mesmo.
Um silêncio ensurdecedor foi sua única resposta.
Longos segundos se passaram sem que nada acontecesse, enquanto tanto Clementius, quanto Koeus ficavam cada vez mais intrigados com aquela presença.
Então, para a surpresa de todos...
— Você decepcionou... eu, Ancalion...
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