Volume 3
Capítulo 142: Amor Proibido
Após um bom tempo de caminhada, Leshy guiou o grupo até um lugar que havia resistido à corrupção.
Lá havia algumas árvores verdes, cercadas pelo pântano negro. Assim como em Jawia, havia casas nas árvores, apesar de serem bem menores e rústicas.
Assim que chegaram, o grupo percebeu vários outros Leshy, de idades e alturas diferentes, até havia crianças.
As crianças se aproximaram deles e entregaram frutas como presente, e começaram a brincar com eles.
Todos eles, contudo, compartilhavam algumas coisas em comum. Primeiro que seus cabelos eram como vinhas, a pele parecia o tronco de uma árvore, e os olhos verdes não possuíam pupilas.
A segunda, era que nenhum deles falava, apenas podiam fazer sons quando tossiam, se engasgavam ou se cansavam, mas anda além disso.
— É aqui onde vivem? — Sariel perguntou, e o vovô concordou com a cabeça.
— Um dos vários, Leshy habitam as áreas mais profundas da floresta — explicou Andrik. — Desde que esse problema começou, passamos a vê-los com bem menos frequência, afinal, eles foram os mais afetados.
— Ainda bem que chegamos a tempo, seria uma pena se as bruxas tivessem acabado com esse lugar... — disse Luna enquanto bagunçava o cabelo de uma criança. — Mas há algo que ainda não entendo... Por que eles não falam? E por que são tão parecidos e, ao mesmo tempo, diferentes de nós?
— Não faço a menor ideia, meu avô disse que, quando o avô dele estava vivo, Leshy já existia, então não sei se eles são pessoas que ficaram isoladas na floresta e raramente interagem conosco, ou se são outra coisa diferente. Creio que nunca saberemos.
— Bem, eles fazem o bem, então não acho que isso importa muito... Eu poderia... — Sariel encarou o vovô por um momento.
— O que planeja? — perguntou o capitão.
Vovô encarou o viajante e percebeu suas intenções. Sem pensar duas vezes, concordou com ele.
Sariel estabeleceu uma comunicação telepática com todos do grupo e o vovô, uma tentativa de permiti-lo falar com eles.
— “Consegue falar?” — A voz do viajante ecoou pela mente de todos.
Vovô o encarou surpreso, então esboçou o maior e mais amável sorriso de sua vida.
— “Sim! Poder ouvir! Feliz!” — Sua voz era igual ao de um idoso simpático humano.
— “Ótimo! Por que vocês não falam?”
— “Não saber... Ninguém falar. Tentar, mas saí não.” — Vovô pareceu ficar um pouco triste ao contar sobre isso.
— “E de onde vocês vêm?”
— “Estar aqui desde começo. Proteger floresta juntos.”
— “Entendi, e eles são sua família?”
— “Sim! Família e amigo! Esse filho filho meu!” — Vovô se aproximou de um garoto e o apresentou ao grupo, que pareceu um pouco confuso já que não estava dentro da telepatia.
— “Entendi, ele é seu neto.” — Sariel se aproximou dele e bagunçou um pouco o cabelo dele.
— “Neto?”
— “Filho do seu filho é chamado de neto.”
— “Entendi! Neto!”
O grupo conversou um pouco com vovô, além dos outros Leshy com telepatia, mas não conseguiram nenhuma informação nova.
O “vovô”, mesmo sendo o mais velho, não sabia suas próprias origens, então era algo muito provavelmente perdido e esquecido no tempo.
Como o povo de Jawia mantém a existência de Leshy em segredo, até mesmo para o Conselho, a única maneira de descobrirem algo sobre eles era encontrando algum santuário de Anjos por ali, porém, ou nenhum foi encontrado, ou eram mantidos em segredos por outras vilas.
Após algum tempo conhecendo Leshy, o grupo se despediu deles.
— “Até mais. Vamos nos encontrar de novo.” — Sariel sorriu para seu amigo.
— “Até mais! Vir de novo!” — Vovô sorriu de volta, aquele sorriso puro que ninguém ali era capaz de negar o quão adorável era.
Depois disso, o grupo retornou até o local do portal para se certificar que tudo estava sob controle.
Mesmo com a Seita derrotada, algumas criaturas eventualmente apareciam e os atacavam, mas nada que não pudessem lidar.
Depois de algumas horas queimando os corpos, destruindo qualquer pedra de Conjuração, e apreendendo armas ou artefatos, retornaram ao vilarejo, onde foram recebidos como heróis pelos aldeões.
Como já estava tarde, passaram a noite e, na manhã seguinte, o grupo se preparou para se despedir de Andrik e de seus soldados.
— Bom, nos atrasamos bastante por causa de Baba Yaga, mas creio que vamos chegar a tempo em Acrópolis. — Sariel ofereceu um aperto de mão ao capitão.
— Seremos eternamente gratos por isso, muito obrigado a todos vocês. — Andrik retribui o gesto e encarou Luna. — Incluindo você. Desejo pelo sucesso em sua jornada, é um Anjo como Ardos, uma heroína da humanidade.
— Muito obrigada, senhor Andrik.
O capitão voltou sua atenção ao viajante e o encarou com seriedade.
— Bem, tomem cuidado. Se infiltrar em Acrópolis não será fácil, muito menos invadir os aposentos de Koeus.
— Pode deixar. — O viajante se virou e caminhou até o grupo.
Sleipnir não podia ser visto, estava bem longe e ficaria por um bom tempo devido sua aparência.
Todos montaram seus cavalos — com Sariel pegando carona com Luna — e partiram.
— Até mais!
— Tomem cuidado!
— Lembrem-se de voltar algum dia!
Com as vozes dos aldeões, dos soldados, de Andrik, Branko e Karel, o grupo finalmente seguiu para o sul.
***
O grupo já havia se distanciado bastante, e estavam agora mais perto de Acrópolis do que Jawia.
Era noite, todos estavam dormindo em uma cabana improvisada, porém duas pessoas permaneciam acordadas.
Sariel e Luna haviam encontrado uma clareira e conversavam enquanto sentados em um tronco. Claro, como sempre, acompanhados de alguns animais.
— Acabamos de sair de uma situação perigosa, mas já estamos nos colocando em outra... né? — A princesa lançou um olhar preocupado a ele.
— Pois é, mas dessa vez será um tipo diferente de perigo. Não precisarei lutar pela minha vida, porém faz um bom tempo desde a última vez que me infiltrei em algum lugar.
Luna permaneceu em silêncio por um breve momento.
Percebendo isso, e já sabendo o motivo do silêncio, Sariel pegou sua mão gentilmente e disse: — Sei que está frustrada por não poder me ajudar, mas você e Aegreon não podem de jeito nenhum chegar perto de Acrópolis. Fique tranquila, Raymond e Shiina estarão comigo se algo der errado.
A princesa encarou aqueles olhos azuis gentis, bondosos e belos. Um sentimento de calor e felicidade tomou conta de seu peito e, desejando ficar mais próxima, apoiou sua cabeça no ombro do viajante.
— Quanto tempo acha que vai demorar? — Luna apertou um pouco a mão de Sariel.
— Algumas semanas... Não vamos nos ver por algum tempo...
— Então quero aproveitar nosso tempo juntos por agora.
— Sim, eu também... — O viajante passou o braço por trás das costas da princesa e a abraçou, puxando-a mais perto de si.
Ambos permaneceram em silêncio por um bom tempo, enquanto observavam os animais brincalhões e admiravam a lua.
— Sabe, não é à toa que seu pai decidiu te chamar de Luna... — disse Sariel em uma voz contemplativa. — Enquanto Ardos é a chama que ilumina a humanidade, você é a luz na escuridão, a beleza que se destaca entre tantas outras estrelas...
— Sariel... — A princesa se sentiu conflitada com aquilo. Por um lado, estava feliz em ser elogiada de tal maneira, por outro, sentiu-se envergonhada por ter sido tão súbito, e escondeu seu rosto no ombro dele.
— Bem, mas há uma diferença entre você e a lua...
Como o viajante não completou sua frase, ficou curiosa e o encarou, deparando-se, mais uma vez, com aqueles olhos que a hipnotizava e sempre desejava vê-los assim de perto.
— Que é...? — Luna perguntou ainda envergonhada.
— Que eu posso apreciar sua beleza bem de perto... — Sariel sussurrou, fazendo um arrepio correr pela espinha da princesa.
Ambas se encararam profundamente, e o viajante aproximou seu rosto lentamente.
— Espera... — Luna cochichou. — Shiina está...
— Eu sei... — Sariel sorriu, e manteve seu tom encantador. — Se ela deseja tanto assim nos espionar, que assim seja.
A princesa percebeu um resquício de desafio na voz dele. Como o conhecia bem, sabia muito bem que ele desejava provocar a assassina, como sempre fazia com qualquer um do grupo desde o começo.
Luna então se lembrou de como, após algum tempo viajando com ele, adquiriu essa característica também e passou a provocar Shiina algumas vezes.
Ela esboçou um sorriso, e se decidiu. Não perderia aquela chance, ainda mais sabendo que ambos não se veriam por um tempo.
Além disso, também queria provocar um pouco a assassina.
Ambos aproximaram seus rostos devagar. Fecharam seus olhos, Sariel colocou sua mão na nuca de Luna e a guiou gentilmente até seu encontro.
Seus corações aceleraram conforme sentiram o calor da respiração um do outro se aproximando.
Então, naquele momento íntimo e mágico, seus lábios se encontraram.
Inicialmente, era apenas um beijo tímido, com ambos sendo gentis para não assustar o outro.
Porém logo se alinharam e se entregaram nos braços um do outro, dizendo-se o quanto se amavam através de seus lábios.
Seus corações se sincronizaram, batendo como se fossem um só, almas gêmeas nascidas um para o outro.
Após um breve momento que pareceu durar muito mais, ambos se afastaram e se encararam apaixonadamente.
Então, sem dizer nada, aproximaram-se novamente, sem se importar com o que acontecia ao redor.
Percebendo que ambos não parariam, a figura escondida nas sombras estalou a língua em frustração e retornou até a cabana, finalmente dando privacidade aos dois.
Pela primeira vez em muito tempo, o amor despertou entre um Anjo e um humano.
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