O Primeiro Serafim Brasileira

Autor(a): Anosk


Volume 3

Capítulo 137: Uma Breve Soneca

Após cortar a garganta do homem, Sariel o agarrou pelas roupas e o arrastou até o portal.

Ainda estava vivo, apesar de estar se afogando lentamente no próprio sangue.

“Por favor... Não quero ver isso...” O viajante era forçado a ver aquela cena por mais que a destetasse.

Sariel, em sua visão, fez o homem encostar no metal do portal.

Com o pouco de força que restava, a vítima tentou se afastar daquele objeto hediondo com suas mãos.

Haha! Que patético... Resistir é inútil... — Riram os devotos.

Porém algo aconteceu. Palavras prateadas surgiram das mãos do homem e se espalharam pelo portal.

— O que?! Acabe com ele de uma vez! — Os devotos perceberam aquilo e apressaram Sariel.

Contudo ele não parou e permitiu que o homem selasse as pedras de Conjuração ao redor do anel.

“O que está acontecendo?”

— Eu sabia que ele era um infiltrado! — disse um dos devotos. — Matem os dois!

Sob esse comando, todos da Seita lançaram suas magias contra Sariel e o homem.

— Não vai dar tempo! — Sariel criou um escudo dourado que os protegia, porém rachou logo no primeiro impacto.

— Vou explodir essa merda, mesmo que só destrua um pouco o portal! E já chamei por reforços! — Quando o homem disse isso, as palavras prateadas brilharam e várias pedras mágicas que estavam no anel, disfarçadas com o elemento Ilusão, detonaram ao mesmo tempo.

A explosão explodiu uma parte do anel, entretanto o portal ainda estava relativamente intacto.

Seria o suficiente para impedir que fosse aberto no momento, mas era uma solução de curto prazo.

O escudo de Sariel estava rachando apesar de sua melhor tentativa em mantê-lo.

Justo quando a barreira quebrou e tudo parecia perdido, Luna apareceu com a velocidade de um relâmpago e salvou os dois.

Apesar da urgência do momento, o viajante não pôde deixar de reparar como ela parecia ainda mais bela do que de costume.

— Vocês estão bem?

— Sim, obrigado.

— Melhor agora. — O viajante se surpreendeu ao ouvir a maneira afetiva com que ele, em sua visão, cumprimentou Luna.

— Agora não é hora para isso. — Ela respondeu no mesmo tom e com um pequeno sorriso.

— Onde está Aegreon e os outros? — Sariel abaixou seu capuz.

— A caminho. Até lá, teremos que lidar com isso.

Após dizer isso, Luna voou novamente e castigou todos de cima com seu poder arrebatador.

Ela focava principalmente o portal, mas os devotos o protegiam com suas vidas.

E foi em meio a esse caos, que a visão travou, havia terminado.

“Então isso tudo... Era um plano de infiltração para destruir o portal?”

Sariel sentiu um alívio imenso conforme percebera que as visões haviam o enganado a acreditar que ele havia traído a humanidade.

“Luna... Parece que, no fim, você será a heroína em armadura prateada salvando-me, o príncipe indefeso...” O viajante não pôde deixar de pensar na ironia, lembrando-se de como ela sempre era salva por ele.

Apesar disso, sentia felicidade, não, algo mais em seu peito que não sabia dizer.

A maneira como ela falou com ele, e como sorriu, o fazia se sentir estranho... de uma boa maneira.

Enquanto ponderava sobre o que tinha visto, sentiu uma presença familiar pedindo permissão para visitá-lo.

Graças a isso, Sariel finalmente foi capaz de sair da visão e encontrou-se em um local totalmente branco, sem formas ou profundidade.

O viajante permitiu que aquela aura entrasse, e uma fenda com cores infinitas surgiu diante dele, por onde a princesa apareceu.

Ela estava de costas para ele e parecia confusa.

— Luna?

Ao ouvir seu nome ser chamado, a princesa se virou, seus olhos brilharam ao ver o Sariel, e ela correu em sua direção.

— Sariel! — Luna o abraçou com força, como se temesse perdê-lo novamente. — Ainda bem...

O viajante se surpreendeu por um momento, mas logo a abraçou firmemente.

— Luna... O que está fazendo aqui?

— Era a única maneira de eu saber que você estava vivo... — A princesa apertou mais seu abraço. — Estava tão preocupada... Por que fez algo tão perigoso quanto esgotar sua magia?

— Me desculpe... — Sariel permaneceu em silêncio por um tempo, quando percebeu algo estranho que Luna havia dito. — Mas se você está aqui... significa que vocês me salvaram, certo? Por que não saberia se eu estava vivo ou não?

A princesa desfez o abraço e encarou o viajante com preocupação.

— Eu congelei todo aquele lugar, incluindo os devotos, para que pudessem te tirar de lá. Neste momento, as bruxas devem estar tentando quebrar o gelo em que estou presa.

— Como é?! — Sariel segurou Luna pelos ombros ao ouvir aquilo e demonstrou uma clara preocupação. — Por que fez isso?

— Eu queria te salvar!

— Mas e quanto a você?! Como acha que me sinto ao saber que está em perigo por minha causa? — O viajante, apesar de não ser sua intenção, acabou sendo um pouco grosso.

Luna se surpreendeu com a maneira que ele falou com ela, soltou-se à força dele, e se virou, uma tentativa para segurar suas lágrimas.

Ambos ficaram em silêncio por um momento, quando Sariel se arrependeu do que dissera.

Sentia-se envergonhado, mas, de alguma maneira, não sabia como se desculpar.

O silêncio continuou, e a cada segundo o viajante sentia que precisava dizer algo.

Por fim, limitou-se a apenas se aproximar e abraçá-la por trás.

— Sariel...

— Me desculpe... Eu... apenas fiquei preocupado. — O viajante sussurrou gentilmente no ouvido da princesa. — Eu tinha feito aquilo para salvar vocês de alguma forma... A culpa foi minha que você precisou se sacrificar.

— Não... você tem razão. Não se desculpe. — Luna retribuiu o abraço.

Ambos sentiram o calor um do outro em silêncio, quando, por fim, se afastaram. Luna se virou e os dois se encararam, mas, por alguma razão, sentiram vergonha e desviaram o olhar.

— Bem, pelo menos me sinto aliviada que está vivo.

— Eu ainda não despertei, Luna. Ainda corro risco de vida.

— Não diga isso! Você precisa me acordar, caso contrário... — A princesa deu uma breve pausa, pensando na melhor coisa que poderia dizer. — Senão... quem vai me salvar? Vai mesmo desistir e me deixar morrer?

— Claro que não! — Sariel deu um passo adiante, com uma expressão resoluta. — Vou acordar e te tirar de perto daquelas malditas!

Luna esboçou um belo e bobo sorriso, que fez o coração do viajante acelerar um pouco.

— Então não me deixe esperando, certo?

— Certo.

Ambos se encararam por um momento, mas, dessa vez, sem desviar o olhar um do outro.

Logo começaram a se sentir constrangidos, e o viajante logo tentou buscar algum outro assunto.

— É mesmo... por que esse lugar está branco agora? Esse lugar era escuro.

— Ah, é porque esse lugar... — Luna começou a dizer, mas percebeu algo na distância atrás do viajante, algo escuro que a fez sentir um déjà vu. — O que é aquilo?

Sariel se virou e, ao perceber aquela coisa escura, começou a caminhar em sua direção.

Porém logo tropeçou em algumas coisas que não estavam visíveis, deixando-o confuso.

— Sariel, este lugar é seu subconsciente, tente mentalizar aquela biblioteca. Aconteceu o mesmo comigo.

— É mesmo? Se você diz...

O viajante se concentrou por um momento e todo aquele local branco infinito finalmente revelou ser, assim como a princesa disse, sua biblioteca.

— Você estava certa... — Sariel olhou para a direção que estava indo e percebeu algo estranho. — Espera, aquela coisa estava ali... Justo onde fica aquele lugar...

— Que lu... — Antes que Luna pudesse terminar, ela se viu, subitamente, diante de uma grande porta com cadeados e correntes prateados.

Sem dizer uma palavra, o viajante se aproximou e as correntes se desfizeram. Depois, abriu a porta e revelou o interior.

Luna esperava encontrar algo diferente devido a aparência daquela porta, que dava a entender que seria um local importante, mas era apenas uma pequena sala com mais estantes.

Isso mudou quando viu Sariel se aproximar de dezenas de correntes feitas de palavras prateadas — surgindo das paredes, teto e chão — contendo um livro negro.

— Esse livro! É igual ao que apareceu no meu subconsciente!

— Quê? — Sariel, surpreso, virou-se para a princesa. — Tem certeza de que é exatamente igual a isso?

Luna se aproximou para olhar mais perto.

— Sim, é idêntico.

O viajante desfez as correntes que prendiam o livro e o abriu.

— Por acaso... o conteúdo dentro é igual também? — perguntou ao mostrar as páginas com visões do futuro.

— Uhum.

— Por que não me disse sobre isso antes?

— Eu achei que era normal... mas, pela sua reação, parece que estava enganada...

— Ver o futuro obviamente não é algo normal. Me pergunto se...

Sariel folheou o livro negro. Como era o caso de Luna, o começo e meio estavam totalmente escuros, mas as páginas finais estavam preenchidas.

A última página ainda estava incompleta, mas a penúltima revelava a visão que acabara de ver: A tentativa de destruir o portal e a luta contra a Seita.

— Essas visões, eu as tive também! — Luna se surpreendeu como as visões de Sariel eram exatamente iguais as dela, com a única diferença de que eram do ponto de vista dele.

— Então nós vimos a mesma coisa... Precisarei ver suas visões depois.

— Certo... — A princesa concordou com uma certa hesitação.

O viajante folheou mais algumas vezes o livro, porém não havia nada novo.

Foi então que ele chegou em uma página que estava antes das outras, onde ele e Luna conversaram.

Ele havia se esquecido da maneira que ambos conversaram naquela visão, portanto não pôde deixar de sentir um certo constrangimento enquanto tudo decorria.

Entretanto, ao olhar para Luna, percebeu que ela também parecia constrangida.

— Por acaso... Você também viu isso? — perguntou ele com desconforto evidente.

— Vi...

— Ah... Eu... Entendo.

Fez-se um silêncio constrangedor naquele momento. Apesar de ambos terem visto a mesma coisa, eram incapazes de não se sentir... estranhos.

— Bem, esse encontro nos revelou muitas coisas. — Sariel fechou o livro subitamente. — Honestamente, eu havia selado esse livro temendo que pudesse me prejudicar, mas foi inútil visto que ainda surgiram páginas novas nele. Me pergunto o que é essa coisa.

— Ele contém informações do futuro, coisas que não vivemos ainda, então talvez seja por isso que não conseguimos controlá-lo.

— Faz sentido. — O viajante encarou a princesa por um breve momento. — Obrigado por ter vindo e... peço perdão por mais cedo.

— Apenas o desculparei se vier me salvar logo. — Luna esboçou um pequeno sorriso.

— Considere isso feito. — Sariel sorriu de volta.

— Se estamos entendidos, então retornarei agora. — A princesa se virou e caminhou até a porta que passaram, e ela brilhava intensamente em uma luz branca. — Não me deixe esperando. — Em seguida, passou por ela e desapareceu.

O viajante manteve os olhos na porta por algum momento, quando colocou o livro de volta no lugar, deixou a sala e a trancou novamente.

— Bem, acho que é hora de acordar... — Sariel fechou os olhos e se concentrou.

Tudo ficou escuro por um momento, quando seus ouvidos captaram sons abafados de pessoas andando e discutindo, além de uma respiração continua e calma.

Ao abrir os olhos se deparou com um teto de madeira, um lugar diferente de onde desmaiara.

O viajante sentiu algo em suas mãos e, ao abri-las, percebeu uma Pedra de Natureza, tão pequena que provavelmente fora usada muito.

Ele então virou sua cabeça com muita dificuldade e deparou-se com Raymond, sentado perto dele, com a cabeça baixa e as mãos em forma de oração na testa.

Como estava nessa posição, não percebeu o despertar de Sariel.

— Raymond... — Sua voz debilitada quase não saiu, e seu chamado soou mais como um sussurro distante.

Ao ouvir aquilo, o guarda-costas ergueu a cabeça em um susto e, ao perceber o viajante, sorriu e o abraçou.

— Aí... isso doí...

— Seu desgraçado... — Raymond diminui um pouco da força que usara acidentalmente. — Por que demorou tanto para acordar?

— Ora... eu precisava da minha soneca da beleza.

Raymond riu ao ouvir aquilo e se afastou.

— Parece que já está bem.

O viajante sorriu de volta. Seus sentidos ainda estavam bagunçados, e ainda sentia muita fraqueza, mas pelo menos havia sobrevivido.


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