Volume 3
Capítulo 129: Pântano Putrefato
Após o ataque, foi organizada outra reunião, com vários mapas dispostos em cima da mesa em que todos estavam sentados.
Os soldados e moradores se reuniram em um piscar de olhos, apesar de Andrik ter sido o último a chegar, algo que, dado a situação, era extremamente incomum.
Os moradores confirmaram que, de fato, as criaturas primeiro começaram a atacar pelo norte, mas, com o tempo, lentamente a direção foi mudando, girando em sentido anti-horário.
Como essa mudança aconteceu de maneira sutil, lenta e constantemente, os aldeões haviam se esquecido completamente desse detalhe.
— Mas o que isso significa exatamente? — perguntou Boris.
— É uma boa pergunta... mas, pelo menos, é uma pista a se seguir — disse Andrik. — Me incomoda o fato dos reinos superiores da Árvore do Mundo não conseguirem ver um portal de cima, algo assim certamente seria visível.
— É possível que um portal se... desloque? — perguntou Luna, encarando brevemente Aegreon.
— Nunca ouvi sobre algo assim antes — respondeu o Pilar. — Mas não temos como saber o que as Seitas podem fazer.
— Andrik, sabe dizer para onde a corrupção tem se espalhado? — perguntou Sariel.
— Deixe-me ver. — O capitão se debruçou sobre a mesa e encarou um mapa. — Quando descobrimos a corrupção, essa era a área total que ela cobria.
Todos voltaram sua atenção para o mapa, observando uma mancha negra sem forma específica que representava a corrupção, cujo tamanho era de um reino pequeno.
— Agora, a corrupção se espalhou para todos os lados. Contudo...
Uma segunda mancha, de cor um pouco mais clara e muito maior em tamanho — equiparável a uma das regiões de Yggdrasil — demonstrava o estado atual da floresta.
— Como podem ver no mapa, a corrupção cresceu mais em direção ao sul e ao norte, ou seja...
— Na direção de Acrópolis e da Árvore do Mundo — completou Sariel.
— Exato, provavelmente essa Seita planeja atacar esses dois pontos.
— Isso seria péssimo se não fizermos nada... — disse Aegreon. — Acrópolis é onde toda pesquisa e progresso científico é feito no mundo, se fosse destruído, a humanidade sofreria gravemente com isso.
— E se essa corrupção for capaz de contaminar a Árvore do Mundo, Yggdrasil seria transformado em uma terra de trevas e morte — disse Andrik com uma expressão séria.
— Mas ainda não sabemos como localizar a origem do problema — disse Raymond. — Sabemos que as criaturas estão vindo do oés-sudoeste, mas isso não nos diz exatamente onde, poderíamos andar cada vez mais a fundo da floresta e não encontrar nada sem ter um segundo ponto de referência.
— É por isso que eu demorei para chegar — disse Andrik ao esboçar um pequeno sorriso confiante. — Vejam isso.
O capitão colocou um outro mapa, igual ao primeiro, com as manchas indicando a propagação da corrupção, mas com alguns círculos e setas extras.
— Antes de chegar, contatei os outros vilarejos que ainda resistem com minha pedra de Alteração, e consegui uma informação bem semelhante com a nossa: a direção de onde as criaturas surgiam mudaram.
Ao ouvir isso, todos se levantaram e se debruçaram sobre a mesa.
— Os círculos representam as outras vilas, as setas amarelas representam a direção dos primeiros ataques, e as setas mais avermelhadas, os mais recentes.
Com essas novas informações, finalmente foi possível fazer uma triangulação do que possivelmente era a origem das criaturas.
— Se isso estiver correto, então devemos ir até aqui. — O capitão colocou seu dedo em cima de um ponto marcado no mapa.
— Espera um pouco, esse lugar... — disse um dos aldeões com apreensão.
— Sim, é aquele lugar... — disse Andrik de maneira enigmática.
— Que lugar é esse? — perguntou Aegreon.
Subitamente, todos os nativos de Jawia se calaram e se entreolharam.
— Se queremos resolver este problema, eles precisam saber — disse Andrik.
— Nós nunca, em toda nossa história, revelamos sobre aquele lugar a estrangeiros — disse um idoso que parecia ser bem conservador sobre seus costumes. — Não há como evitar isso?
— Pelo menos devem permitir Louis e Stella adentrarem aquele lugar — insistiu o capitão. — Leshy confia neles.
Os aldeões começaram a discutir entre si, com a maior parte dos idosos indo contra permitir Sariel e Luna de entrar no local sagrado deles, enquanto os mais jovens apoiavam a ideia de Andrik.
Não demorou muito para que, eventualmente, todos se lembrassem do perigo que não só Jawia corria, como também Acrópolis e Yggdrasil.
— Neste caso, concordamos em permitir que os dois visitem aquele local, com a única condição de que jamais digam a ninguém o que viram lá.
— De acordo. — Sariel deu sua resposta curta e direta.
— Prometo que, não importa que segredos há neste local, jamais direi nada a ninguém — jurou Luna.
Os aldeões pareceram se contentar.
— Já que isso está resolvido, está na hora de partir — disse Andrik. — Eu já informei quem ficará e quem virá comigo para a floresta. Os estrangeiros virão conosco.
O capitão não perdeu tempo e logo apressou todos para partirem em uma missão de reconhecimento na floresta. Se não fosse sua seriedade, muitos poderiam confundir sua pressa com uma alegria de partir em uma aventura, visto que estava quase arrastando seus soldados até a mata.
Como era uma missão focada em busca, a maioria dos soldados permaneceu na vila, com todos do grupo partindo juntos e acompanhados de Andrik, Branko e Karel.
Mesmo que a noite estivesse começando a cair, a comitiva adentrou a floresta e desapareceu na negra vegetação após darem apenas alguns passos.
***
Se no vilarejo a floresta já era intimidadora, ali, mais a fundo dela, era uma atmosfera tão bizarra e tenebrosa que fez todos se perguntarem se não havia, de alguma maneira, ido parar em outro mundo.
Inicialmente, as árvores — apesar de negras e secas — ainda possuíam um pouco das suas formas originais, ainda se assemelhavam a árvores.
Porém, quanto mais avançavam, mais contorcidas se tornavam, chegando ao ponto em que se torciam de maneiras estranhas, como se tivessem sido empurradas pelo vento e congelado no tempo em uma posição impossível.
A neblina, que já se espalhava na vila, se tornou tão densa, que não era mais possível ver alguns passos adiantes, tornando a caminhada viável apenas por meio da Alteração.
O solo era lamacento e grosso, desacelerando os movimentos mesmo de Andrik e seus soldados treinados.
Esqueletos, crânios e cadáveres, ainda em decomposição, podiam ser encontrados a todo momento, com seu cheiro pútrido infectando o ar e atraindo vermes e moscas.
Tais esqueletos lembravam vagamente alguns animais, contudo havia alguns que pareciam totalmente alienígenas.
O ar estava estático, morto, assim como aquele lugar.
Se em Yggdrasil havia terras conhecidos por sua natureza — como Niflheim, a terra da neblina, Helheim, o reino do gelo, e Jawia, o reino da floresta — aquele local definitivamente seria a terra da morte.
— Isso é terrível... — sussurrou Karel, sentindo um frio percorrer sua espinha toda vez que dava um passo. — A floresta se tornou um pântano morto... A recuperação vai ser difícil...
— Tem certeza de que não vão nos detectar, Louis? — Andrik perguntou a Sariel de maneira insegura.
— Negativo, mesmo os Wilkolaks, que possuem elemento Alteração, são incapazes com esse método de camuflagem — respondeu o viajante. — Apenas criaturas que possuem Ilusão podem nos perceber.
— De fato — sussurrou Branko. — Seu truque de usar Selagem como uma espécie de manto para bloquear emissões de magia é genial, nunca soube de alguém fazendo isso.
— Nos inspiramos em uma criatura que lutamos antes — disse Shiina.
A pequena comitiva avançou pela floresta de maneira totalmente invisível e silenciosa.
Claro, todo cuidado era pouco ao se lidar com qualquer Seita, por isso avançavam lenta e cuidadosamente.
Em certo momento, um grande grupo de Wilkolaks acabou se aproximando deles.
Para o azar do grupo de reconhecimento, estavam correndo exatamente até sua direção, forçando-os a se abrigarem atrás de uma grande pedra e torcer para que passassem sem percebê-los.
Graças ao uso conjunto de Ilusão e Selagem, as dezenas de Wilkolaks passaram a apenas alguns centímetros de distância e sem nem suspeitarem sobre a presença do grupo.
Após alguns minutos das criaturas terem passado, Andrik sinalizou para continuarem.
Quanto mais avançavam, mais desfigurado se tornava o pântano, assim como o número de criaturas circulando.
Branko, com sua Alteração, reconheceu inúmeras das criaturas que estavam no guia escritos por Andrik.
Ao mesmo tempo, havia muitos monstros que nunca haviam visto antes, cuja aura era assustadora o suficiente para que o batedor encarasse, pela primeira vez, a neblina como uma boa coisa.
Mesmo que não pudesse vê-las, ouvir os sons sinistros que produziam, como suas bocas triturando ossos, seus rosnados quase onipresentes e famintos, e barulhos que nem se assemelhavam a algum ser vivo, já era o suficiente para se ter uma ideia da aberração que eram.
A apreensão tomou conta de Andrik, Branko e Karel, que suavam frio conforme ouviam aqueles sons e passavam mais perto do que desejavam ao lado daquelas bestas.
Sua jornada pareceu durar uma eternidade quando, finalmente, avistaram um local onde a neblina estava fraca o suficiente para que conseguissem enxergar novamente.
A vegetação estava totalmente irreconhecível. As árvores pareciam mais como esqueletos negros de criaturas gigantes, com um líquido roxo escuro pingando de seus troncos e derretendo o chão.
O chão era totalmente asqueroso. Não era mais lama naquele ponto, e sim, uma mistura grotesca de terra, um líquido escuro viscoso, carne e esqueletos, cujas caveiras eram repletas de vermes e insetos ridiculamente gigantes e secretavam esse fluído negro, cujo cheiro era extremamente forte e pútrido.
Inúmeras criaturas bizarras estavam concentradas ali. Se Wilkolaks eram assustadores por sua ferocidade, aquelas despertavam o profundo medo do desconhecido intrínseco aos humanos.
A maioria se parecia com animais normais que, de alguma maneira, se desfiguraram completamente.
O mais chamativo era o que parecia ser uma coruja do tamanho de uma mulher humana, que estava de costas para o grupo.
Quando Andrik avistou aquela coruja, não pôde deixar de estranhar um animal tão grande ter sobrevivido naquele lugar e ser ignorado pelas outras bestas.
Contudo, assim que aquilo virou seu corpo em sua direção, revelou um rosto que parecia uma fusão entre o de uma coruja e o de uma mulher, com olhos totalmente negros, um bico protuberante característico da ave, mas com duas camadas de dentes grandes e afiados no interior, e fios bagunçados de cabelo em uma cabeça quase careca.
Apesar de possuir asas, também tinha um par de braços e pernas, magras e desnutridas, cujas garras afiadas eram mais eficientes do que as lâminas que o Andrik portava.
Sua postura apenas causava mais medo. Estava agachada da mesma maneira que uma coruja faria, porém seus membros humanos tiravam toda a naturalidade daquela pose.
Para completar, como se quisesse provar sua bestialidade, a criatura levantou do chão o cadáver de uma criança — cujo estômago estava rasgado e com suas estranhas escapando — e começou a comê-la.
Aquela não era a única criatura que parecia uma mistura impossível de um humano com um animal, na verdade, havia tantas que era impossível contar sua variedade.
No centro desse local amaldiçoado, em cima de uma plataforma móvel, um grande arco — semelhante a um portão — feito de um metal escuro e pedras roxas abria uma fenda na realidade, trazendo esses horrores sobrenaturais ao mundo.
Ao lado desse portal, várias pessoas — humanas de verdade, apesar de suas aparências não estarem tão distantes quanto a das criaturas — se banhavam no sangue de pessoas e realizavam rituais grotescos.
Assim que o grupo presenciou aquele pesadelo, imediatamente souberam que haviam encontrado o que tanto buscavam, arrependendo-se imediatamente de terem obtido sucesso em sua procura.
Todos, exceto Sariel e Aegreon, sentiram seus estômagos se revirarem, forçando suas gargantas a se fecharem para que não vomitassem suas refeições de mais cedo.
Se havia um lugar para chamar de inferno, estavam nele agora mesmo.
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