Volume 3
Capítulo 128: Café da Manhã Mortal
Quando Boris despertou de manhã, se surpreendeu ao perceber que Stella e Urash estavam ausentes.
Como alguns dos moradores desapareciam durante a noite, saiu à procura delas, logo sendo informado por um dos soldados de Andrik que estavam reunidos com os outros estrangeiros e discutindo algum plano.
Por isso, retornou até sua casa e preparou o café da manhã.
Geralmente, isso era algo que sua esposa fazia, contudo, devido aos ataques de criaturas, ele acordava muito mais cedo, portanto tomou a responsabilidade dessa tarefa.
A princípio era apenas uma obrigação, mas, com o tempo, se tornou uma maneira de afastar sua mente dos problemas.
Enquanto preparava o desjejum, sua esposa despertou — ainda sonolenta — e deu-lhe um abraço por trás.
— Bom dia querida — disse Boris com um sorriso no rosto.
— Bom dia... — Misha disse após um grande bocejo. — Por que não dormiu mais? Os reforços de Andrik estão aqui afinal.
— Bem, nesse ponto já virou costume. Aliás, decidi fazer algo novo, vamos ver se ficou bom.
Ao ouvir aquilo, o sono de Misha se desfez completamente e uma expressão estranha surgiu em seu rosto.
— Na última vez que você fez isso... — disse enquanto se recordava de um gosto terrível para sempre marcado em sua mente.
— Como? — perguntou Boris ao se virar.
— Na-Nada! — Misha forçou um sorriso e desviou do assunto.
“Kura, sinto lhe pedir algo tão fútil, mas por favor, proteja meu paladar...”, orou ao mesmo tempo que juntava coragem para encarar o que viria a seguir.
Após mais alguns minutos, Veselin também despertou e deu um abraço no pai.
Seu filho mal conseguia se manter acordado, mas, quando Boris falou que o café da manhã teria algo novo, ele pareceu acordar no mesmo instante.
“Ora, parece que está ansioso para experimentar o que fiz. Nesse caso, não vou decepcionar!” Boris se empenhou ainda mais no que fazia.
Quando finalmente terminou, levou até a mesa o prato. Sua esposa e filho pareciam ansiosos, quase tensos, em ver sua criação.
O que ele não sabia, era que realmente estavam nervosos com o que havia feito, tanto Misha quanto Veselin rezavam silenciosamente.
Quando Boris colocou os pratos na mesa, ambos ficaram surpresos ao perceber algo parecido com uma torta de maçã, cuja aparência era até convidativa se comparado com a última arma química que ele criou.
— Ora, isso até parece... gostoso — disse Misha.
— Não é? — disse Boris com um sorriso no rosto. — Vamos, comam.
— Você não experimentou antes?
— Não, vocês podem ter a honra do primeiro pedaço!
— Ah... Obrigada... — Um pressentimento ruim tomou conta de Misha, que encarou aquela torta diante de si.
“Bem, tem aparência boa... E o cheiro... também.” Cheirou a comida enquanto tentava se iludir de que aquilo talvez estivesse bom.
Segurando seu garfo com insegurança, pressionou contra a torta, que produziu um delicioso som crocante ao ter sua crosta quebrada, diminuindo ainda mais suas inseguranças.
Misha ergueu o garfo com o pedaço diante dos olhos enquanto o analisava de vários ângulos.
“O interior não está queimado, diferente da última vez...”, pensou ao se lembrar de quando seu marido fez a proeza de conseguir cozinhar algo com o exterior perfeito, mas o interior tão queimado que ela duvidou se seu marido não tinha se enganado e colocado carvão como recheio.
— Bem, aqui vou eu. — Misha levou o garfo até a boca e mordeu a torta com hesitação.
No momento que seu paladar tocou a comida, um gosto fortíssimo de canela agrediu seus sentidos, quase como se tentasse matar cada pedaço de sua língua para que nunca mais sentisse gosto.
Com muito esforço, Misha conseguiu conter sua reação, quase lacrimejando devido ao forte tempero.
— Então? — perguntou Boris ansioso.
— Eu acho que você usou canela demais... — respondeu Misha ainda travando uma luta interna com aquele gosto continuo.
— Sério? Deixe-me ver. — Boris pegou seu garfo e mordeu um pedaço da torta. — É, tem um pouquinho de canela demais.
“Um pouquinho?!” Misha quase se engasgou ao ouvir aquilo.
— Mas acho que é possível comer ainda. — Seu marido continuou.
Dessa vez, Misha não conseguiu se conter e soltou um som estranho.
— O que foi?
— Cof! Me desculpa, me engasguei. Cof! — Misha fingiu. — Por acaso você usou todos os nossos ingredientes?
— Bem, sim... — respondeu Boris. — Vamos ter que comer isso mesmo.
“Kura, me dê forças...” Misha choramingou internamente enquanto se preparava para sobreviver a mais um café da manhã.
***
Branko e um grupo de soldados retornava do meio da floresta acompanhados de Luna e Shiina.
Haviam partido pouco depois do amanhecer e retornaram várias horas depois, próximo do fim da tarde.
— Encontraram algo? — perguntou Andrik.
— Negativo, os rastros seguiam muito a fundo na floresta, seria imprudente continuar — respondeu o batedor.
— Tsc, precisamos encontrar uma forma de acabar com isso logo, estamos ficando sem tempo...
— Onde está Louis? — perguntou Luna.
— Com Karel na cabana que ele, Seth e Klaus dormiram — respondeu o capitão.
— Obrigada. — A princesa, acompanhada de Shiina, se dirigiu até uma das casas.
Ao baterem na porta, quem os atendeu foi Karel, já que os moradores estavam caminhando pela vila lidando com suas responsabilidades.
— Podemos discutir a sós por um momento? — pediu Luna.
— Claro, agora que vocês retornaram devo falar com Branko para ouvir o relatório. — Karel deu espaço para que ambas entrassem e, em seguida, deixou a casa.
Todos do grupo estavam agora reunidos, com Raymond, Sariel e Aegreon carregando expressões sérias.
Shiina não perdeu tempo e já cobriu toda a sala com Ilusão, isolando-a acusticamente.
— Nada? — perguntou o viajante.
Luna confirmou com a cabeça.
— Deve haver alguma pista que deixamos passar na discussão de ontem — disse Raymond. — Creio que deveríamos reunir Boris e os outros para uma reunião, estavam cansados ontem por causa da luta e devem ter se esquecido de algo.
— Boa ideia, conto com você — disse Sariel.
O guarda-costas deixou a casa também.
— Minha magia ainda não se restaurou depois da batalha contra Ymir — disse o viajante. — Usei ainda mais magia para selar a corrupção de avançar. Precisamos resolver isso rápido.
— Eles desconfiam de nós, mas nossos disfarces estão seguros por enquanto — disse Aegreon. — Você e Shiina precisam manter a Ilusão em Luna e em mim por 24 horas por dia, o tempo está contra nós.
— Sem contar que você selou parte do nosso poder para não levantar tanta suspeita — disse a assassina. — Deveríamos abandonar nosso disfarce?
Sariel ponderou por um breve momento. Sua expressão cansada por estar chegando cada vez mais perto da exaustão, somado com o estresse mental que estava passando, fazia-o lembrar de Andrik.
— Vamos ficar mais um dia disfarçados. Caso não avançarmos com nossas investigações, eu tirarei o selo em vocês e acabaremos com isso de uma vez.
Todos os quatro concordaram silenciosamente.
Luna estava prestes a dizer algo quando sentiu pessoas se aproximando.
Indo até a porta e abrindo-a, se deparou com um casal relativamente idoso, os moradores da casa.
— Oh, interrompemos algo? — perguntou a senhora.
— Não, já terminamos — respondeu Sariel prontamente.
— Há coisas que preciso fazer — disse Aegreon enquanto deixava a casa, sendo acompanhado por Shiina.
Naquele ponto, Luna já havia passado tempo o suficiente com o Pilar da Conjuração para perceber que essa era a forma dele ser educado e não incomodar o casal, já que havia muitas pessoas ali.
A princesa dirigiu seu olhar ao viajante, preocupada com sua aparência e comportamento.
— Ei, o que acha de caminharmos um pouco lá fora? — perguntou ao se aproximar dele.
— Boa ideia, estaremos perto para ajudar caso sejamos atacados.
“Não foi isso que eu quis dizer...” Luna não pôde deixar de se entristecer ao ver que, mesmo diante de um simples convite para caminhar, ele ainda tinha sua mente focada nos problemas.
O viajante se levantou e estava prestes a andar até a porta quando decidiu olhar suas coisas, mais especificadamente um objeto de comprimento humano enrolado em um pano.
Ao olhar por debaixo do lençol, percebeu o minério congelado — o material bruto ainda inacabado — que estava usando para criar a espada de Luna.
Como não houve tempo — além de ser um objeto com muita concentração de magia —, Sariel o selou também para que sua magia não exalasse e ninguém percebesse aquele item valioso.
Com tudo certo, ambos deixaram a casa e caminharam ao redor da vila.
Devido à doença da floresta, a atmosfera ainda era intimidadora e sombria, portanto, não era uma caminhada muito agradável.
Apesar disso, Luna ainda sentia necessidade de animar e tentar fazer Sariel se esquecer dos problemas por um breve momento.
— Veja! Filhotes de lobo! — A princesa se aproximou de algumas crianças e adolescentes que brincavam com alguns filhotes.
Aparentemente nasceram a pouco tempo, pois seus olhos ainda estavam fechados.
— Ah, olá, seu nome é Stella, certo? — perguntou uma mulher que era um pouco mais velha do que Luna.
— Isso mesmo, por acaso eles foram resgatados da floresta?
— Sim, chegaram aqui semana passada, pouco tempo antes de sermos atacados novamente — explicou a mulher. — Todos da vila adoram eles já que são os únicos animais que sobreviveram ou permaneceram na vila...
A princesa se aproximou da mãe e os filhotes cuidadosamente.
— Olá, tudo bem se tocarmos eles? — perguntou para a loba, que respondeu com um latido suave.
Luna pegou um dos filhotes e começou a acariciá-lo, enquanto seu coração derretia de fofura ao ver aquela pequena bola de pelos balançando seu curto rabo.
— Eles são tão fofos, não acha? — perguntou a princesa ao viajante.
— Sim, de fato. — Sariel respondeu curtamente, lançando apenas um breve olhar para Luna e concentrando-se mais nos arredores.
Luna acabou se calando e seu animo se desfez um pouco.
“Nem mesmo isso funciona?”
A loba, percebendo o que estava acontecendo entre ambos, se levantou, pegou um de seus filhotes com a boca e levou até Sariel.
— Hm? Quer que eu o pegue?
A mãe produziu um som semelhante a uma reclamação e continuou a segurar o filhote diante do viajante.
Sariel então se sentou e pegou o pequeno lobo, acariciando-o um pouco.
Finalmente, aquilo fez um pequeno e breve sorriso surgir em seu rosto.
Mesmo que tivesse durado pouco, Luna ficou feliz por ter conseguido alegrá-lo naquele momento.
Olhando ao redor da vila, a princesa observou bem o que restava das árvores verdes no meio das construções, as poucas flores que traziam alguma cor e perfume ao local, e algumas crianças que, apesar da crise que enfrentavam, brincavam e escalavam os cipós.
— Esse lugar é pacífico... Imagina como deveria ser antes da corrupção da floresta começar... — disse Luna.
— Sim... Apesar de ter perdido boa parte da sua beleza, ainda é um lugar que vale a pena ser protegido — respondeu Sariel.
Ambos permaneceram ali, sentados embaixo de uma árvore enquanto sentiam a natureza ao redor e brincavam com a loba e seus filhotes.
Porém, isso não durou muito tempo.
— Criaturas estão se aproximando do oés-sudoeste! — ecoou uma voz por todo o vilarejo.
— Bem, temos trabalho a fazer — disse o viajante conforme se levantava.
***
Pouco tempo depois de terem atacado, os Wilkolaks já se viam forçados a fugir perante o poder dos reforços.
— Acabou... por enquanto — disse Branko.
— E ainda não descobrimos nada.... maldição... — praguejou Andrik.
Sariel caminhou ao redor da região atacada, buscando encontrar alguma pista do paradeiro das criaturas.
— Felizmente conseguimos lidar com elas sem que as casas daqueles que moram aqui fossem danificadas — disse Boris. — Minha casa ficava na região norte da vila, e foi totalmente destruída...
— Espera um pouco, norte? — perguntou o viajante.
— Sim, foi quando aconteceu o primeiro ataque — explicou Boris. — Como não esperávamos nada, sofremos grandes danos.
Sariel, sem dar explicações, deixou a área e se dirigiu até a região do primeiro ataque.
— Por que ele está tão apressado? — perguntou Boris.
— Acho que ele descobriu algo — disse Luna, imediatamente indo atrás do viajante e sendo acompanhada por seus companheiros, Boris, Andrik e outros soldados que escutaram a conversa.
Chegando lá, se depararam com o viajante já retornando para o local onde estavam anteriormente.
— O que está passando em sua mente? — perguntou Andrik.
— Boris, por acaso a direção de onde as criaturas surgiam foi se deslocando com o tempo do norte até o oés-sudoeste? — perguntou Sariel.
— Se deslocando... — Boris pensou por um tempo, quando uma expressão de surpresa surgiu em seu rosto. — Si-Sim!
Quando ouviram aquilo, todos — tanto os soldados quando os aldeões — ligaram os pontos.
— Precisamos nos reunir e discutir isso agora — disse Andrik firmemente.
Todos os presentes concordaram e se dirigiram para o mesmo local onde discutiram na noite anterior.
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