O Primeiro Serafim Brasileira

Autor(a): Anosk


Volume 3

Capítulo 124: Mar Verde

A grande floresta de Jawia se estendia além da vista — como um grande mar verde —, e até mesmo nos reinos superiores de Yggdrasil seria impossível ver seu fim.

Isso se devia por dois grandes fatores: os nutrientes da própria Árvore do mundo — que enriquecia o solo — e o cuidado do povo que ali habitava, que tomava a natureza como sagrada e a protegia.

A própria estrada que usavam agora, apesar de ser larga para várias carroças transitarem tranquilamente, não foi feita por pessoas. Pesquisadores chegaram à conclusão de que milhares de anos atrás aquilo era um rio, e o povo mais tarde começou a usá-lo como uma estrada.

Por insistência de Acrópolis e dos reinos superiores de Yggdrasil, o povo de Jawia eventualmente aceitou pavimentar o chão da estrada, mas o fizeram evitando o máximo possível interferir na natureza, tanto que as pedras eram espaçadas o suficiente para a terra respirar e pequenas plantas crescerem entre elas.

No momento, devido aos acontecimentos recentes, a vegetação começara a invadir a estrada.

O grupo, acompanhado dos soldados de Andrik, estava almoçando no momento.

Alguns dos homens lançavam olhares estranhos para todos exceto Sariel, a quem não só buscavam assunto, mas pareciam confiar nele quase que totalmente.

Também conversavam com Luna —apesar de ainda não confiarem muito nela — já que perceberam rapidamente que ela também se comunicava com os animais.

— Louis, você conversou mesmo com Leshy? — perguntou um deles.

— Sim, ele inclusive me entregou um pêssego.

— Então você deve falar com os animais, certo?

— Como sabe?

— Leshy apenas se aproxima com pessoas que tem essa habilidade — explicou um homem chamado Karel, que já havia chamado a atenção do viajante por um broche com uma pedra de cor dourada. — É por isso que nunca o vi...

— Entendo... Você é descendente de anjos, certo? — perguntou Sariel.

— Sim, creio que meu avô era um anjo... Tanto que minha mãe me deu esse nome típico de anjos...

O viajante o encarou furtivamente enquanto uma nova peça nesse grande quebra-cabeça surgira.

— Quem é esse Leshy que tanto falam? — perguntou Luna.

— Ah, como posso dizer... ele é como um guardião da floresta. Ele tem uma forma humana, mas sua pele se parece como o tronco de uma árvore, e seu corpo é coberto em musgo e vinhas...

Ao ouvir aquela descrição, a princesa imediatamente se lembrou do encontro estranho alguns dias antes.

— Por acaso... ele tem olhos verdes e não possuí pupilas?

Quando escutaram aquilo, se surpreenderam um pouco, especialmente Sariel.

— Sim, como sabe? Louis te disse?

— Eu o vi na floresta alguns dias atrás... Estava olhando para mim, mas como Louis estava dormindo ao meu lado, não chegou perto, e fugiu quando tentei me aproximar... — explicou Luna.

— Por que não nos disse antes? — perguntou o viajante.

— Bem... não imaginei que seria algo tão importante...

— Quem diria que Leshy se aproximaria de dois estrangeiros... Isso significa que realmente podemos confiar em vocês dois!

Enquanto essa conversa ocorria, Aegreon discutia com Andrik os detalhes sobre o problema.

— Sabem onde pode ter se iniciado isso tudo?

— É difícil dizer, quando percebemos já havia uma grande área da floresta enegrecida... Mapeamos a área total afetada, mas como pode ver, não faz muito sentido...

Observando um mapa que havia em uma mesa, era possível notar uma grande mancha negra em meio às árvores verdes. Seu formato não era circular, nem simétrico, o que seria o esperado caso fosse um problema que se iniciou em um único ponto.

Na verdade, seu formato lembrava, ironicamente, vagamente uma árvore, possuindo uma ponta que lembrava as raízes, o centro era os galhos e o topo a copa.

Claro, não era perfeito, havia alguns pontos maiores que os outros, por isso era impossível dizer exatamente onde poderia ser a origem daquilo.

— Se o problema é tão grave, por que não pediram ajuda ao Conselho? — perguntou o Pilar desconfiado da situação.

— A doença afetou uma área sagrada da floresta, onde apenas moradores de Jawia podem acessar — explicou o capitão. — Vocês talvez sejam a única exceção, mas apenas porque Leshy confia em Louis.

— O que há de sagrado nesse lugar?

— Bem... Peço desculpas, mas não posso dizer agora.

— Como quer que ajudemos se esconde coisas de nós?

— É como eu disse antes, apenas aqueles em quem Leshy confia pode saber e ir nesse lugar. Mas se as coisas estiverem complicadas, contaremos tudo e talvez pediremos ajuda ao Conselho.

Aegreon continuou a encará-lo de maneira levemente intimidadora, porém decidiu não insistir naquilo.

Enquanto isso, Raymond se mantinha levemente afastado de todos enquanto cuidava dos cavalos.

No momento escovava o pelo dos animais, entregava frutas e os acariciava.

Talvez fosse pelo que aconteceu com Su-en, talvez fosse a culpa de ter deixado o amigo de Sariel ter morrido, quando era o único que poderia ter feito algo, mas seu comportamento havia mudado um pouco a respeito deles.

— Ei, calma, vai arrancar minha mão desse jeito — disse enquanto alimentava o cavalo de Shiina.

Como resposta, recebeu uma leve relinchada.

— Pena que não consigo entender... Me pergunto como é para Lu... Quer dizer, Stella...

Enquanto falava consigo mesmo, sentiu um peso recair sobre suas costas, além do que parecia ser dois braços envolvendo seu pescoço.

— Quê?! — Surpreso, virou a cabeça, mas não pode ver nada. — Shiina, sei que é você.

Um riso travesso foi captado por seus ouvidos, com a fonte desse som tão perto que foi capaz de sentir o calor da respiração.

— Qual o problema, grandão? — perguntou a assassina, ainda invisível e em um tom sedutor.

— Dá para me soltar? Tem gente aqui.

— Oh, quer dizer que se não tivesse pessoas aqui, então não seria um problema?

— Não distorça minhas palavras, me solte! Tem rastreadores entre eles.

— Relaaaxa, está muito exaltado...

Tsc, você não me deixa escolha... — disse ao passo que seu corpo começava a emitir fios de eletricidade.

— Uou! Calma aí! — Imediatamente, o peso sobre suas costas sumiu e Raymond se viu livre dos braços de Shiina.

A assassina desfez sua invisibilidade, mostrando seu rosto com um leve sorriso.

— Você se faz de difícil... Assim que gosto... — disse de maneira atrevida.

— Agora que me lembro, ainda não escolhemos uma punição para você por ter perdido na nossa competição em Niflheim... Já passou a hora de decidirmos.

— Ah... Luna... Já escolheu uma punição... — A postura de Shiina imediatamente mudou, quase como se se sentisse envergonhada.

— Mesmo? E o que foi?

— Bem... — A assassina subitamente se tornou invisível novamente e desapareceu.

— Ei! — Raymond tentou olhar ao redor, mas não havia nada que podia fazer, não era capaz de detectá-la. — Tsc!

— Klaus, estamos nos preparando para partir — um dos soldados, que Raymond acreditava se chamar Branko, se aproximou para avisá-lo.

— Certo, obrigado por me avisar.

Branko ainda o encarou por um breve momento, com uma expressão de reprovação.

— E veja se controla sua namorada, isso é uma missão séria. — Então se virou e se afastou sem esperar uma resposta.

Ao ouvir aquilo, o guarda-costas não pode deixar de levar uma mão até a testa, quase sentindo uma dor de cabeça se iniciando.

— É verdade... Ele é o rastreador... — disse em um tom cansado.

Graças à criatura que Shiina lutou em Niflheim, ela e Sariel desenvolveram uma técnica parecida com a dela: a assassina usava Ilusão para disfarçar a aparência de Aegreon e Luna, enquanto o viajante usava Selagem para impedir que a magia fosse detectada.

Porém, o mesmo não valia para Shiina, que poderia ser detectada pela Alteração de Branko.

— Ainda vou arranjar um jeito para me vingar... — disse conforme se preparava para partir. — Vou perguntar para Stella qual foi a punição...

 

***

 

Indra e Erandi batalhavam novamente, dando continuidade ao treinamento da possível próxima Pilar da Natureza.

Até agora, ela ainda não foi capaz de atingir um grande golpe, o que a deixava cada vez mais frustrada.

O Pilar do Raio se movia de maneira ágil, seus golpes todos pareciam surgir do nada, e atingi-lo era impossível.

Por outro lado, Erandi, apesar de possuir poucas, quase nenhumas aberturas, a maneira como lutava era como se gritasse o que estivesse prestes a fazer.

— Vamos acabar com isso! — gritou ela ao focar uma grande quantidade de energia verde em seu martelo.

Indra estava prestes a se preparar para esquivar, quando se viu subitamente cercado por inúmeros galhos que não permitiriam sua fuga.

Inicialmente tentou cortar aqueles galhos para tentar sair, porém pareciam se multiplicar conforme eram golpeados, quase como se a própria floresta tivesse se revoltado contra ele.

— Bem, não tenho escolha então... — Ao dizer isso, todo o céu pareceu se enfurecer e centenas de raios caíram em um único ponto, sua nova espada.

Os relâmpagos dizimavam, queimavam e reduziam a pó os galhos que tentavam atacá-lo, protegendo-o ao mesmo tempo que preparava seu golpe.

Ambos carregaram a pura energia de seus elementos em suas armas e, em breve, um encontro devastador aconteceria.

Até aquele momento, Indra evitou usar esse tipo de técnica, pois já sabia muito bem qual seria o desfecho.

Após alguns segundos, o golpe supremo de ambos estava pronto.

Os dois se encararam brevemente e, em um piscar de olhos, ambos se moveram ao mesmo tempo e se atacaram.

Ambas as armas se chocaram e travaram, dando início a uma batalha de força.

A princípio parecia que aquele embate das forças mágicas iria empatar, entretanto uma rachadura surgiu no martelo da Erandi.

Com a primeira falha surgindo, inúmeras outras apareceram ao longo de toda a arma, que não resistiu e acabou se partindo.

Vitoriosa, a espada do Pilar atravessou as defesas e a atingiu em cheio, causando uma grande explosão violeta e dizimando boa parte da floresta que estavam.

Apesar do golpe devastador, foi muito mais fraco já que o intuito daquela batalha era apenas para treiná-la, portanto não houve muita destruição, nem ferimentos.

Erandi, com marcas de cortes e queimaduras por todo o corpo, ajoelhou-se enquanto se recuperava da batalha.

— Eu lhe disse para não fazer isso, se esqueceu que sua arma não é capaz de suportar esse tipo de poder? — repreendeu Indra.

— Se eu pudesse fazer uma arma nova com a madeira da Árvore do Mundo... Isso não teria acontecido.

— Essa não é a questão. Esse tipo de técnica é preferível para derrotar um oponente forte, e apenas quando tem certeza de que vai acertá-lo — explicou o Pilar. — Até que não consiga me atingir, não vai conseguir usar esse golpe eficientemente.

Erandi estalou a língua em frustração, mas permaneceu calada.

Ambos estavam se preparando para deixar o local, quando um espião da Vigília apareceu.

— Erandi, há uma missão para você — disse com sua voz distorcida e entregando uma pedra de Alteração a ela.

— Uma missão? E eu não fui convocado? — perguntou Indra.

— É sobre as minas Belvuch.

— Ah... Entendo... Realmente meus poderes não são compatíveis para uma possível batalha no subsolo.

Erandi se concentrou conforme assimilava as informações da pedra, quando, subitamente, abriu os olhos e com uma expressão determinada.

— Vão usar essa missão para testar eu e Lily... — disse com a voz levemente alterada. — Quem se sair melhor se tornará o próximo Pilar da Natureza!

— Ora, nesse caso, dê tudo de si, certo? — disse o Pilar.

— Com certeza! Não vou perder dessa vez!

— Muito bem, a missão acontecerá em dez dias — disse o espião. — A Vigília já despachou alguns soldados para escoltá-la.

— Bem, então não vamos perder tempo! — Erandi pôs-se a caminhar e seguir o espião. — Até mais, mestre!

— Até mais... — o Pilar encarou sua aprendiz se afastar, sentindo uma leve expectativa que ela tivesse sucesso em sua missão.


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