O Primeiro Serafim Brasileira

Autor(a): Anosk


Volume 3

Capítulo 122: Aquele da Floresta

Sariel se viu em uma sala escura e rodeado de pessoas vestindo mantos escuros.

Parecia vestir a mesma coisa, e suas mãos estavam diferentes.

Dessa vez não precisou acessar a memória manualmente, assim que adormeceu, a visão começou a correr.

— Isso de novo... — O viajante já estava cansado de ver e rever aqueles mesmos eventos tantas vezes.

Segundo por segundo, a memória decorreu da mesma maneira, chegando ao fatídico momento em que mataria o homem.

Entretanto, dessa vez, a visão não acabou ali...

Em um movimento rápido, preciso e único, a faca em suas mãos cortou a garganta da pobre vítima, fazendo jorrar sangue por todo lado.

Sem poder se curar, o homem caiu no chão, enquanto se afogava no próprio sangue.

Aquilo fora tão súbito que Sariel permaneceu em total silêncio, observando o corpo do inocente que acabara de matar, com olhos arregalados em pavor.

Sua respiração se tornou ofegante, a visão escureceu, os batimentos aceleram e, como sua mente estava abalada, despertou em um salto.

Apenas não gritou, pois sentia como se houvesse algo entalado em sua garganta.

Levando a mão trêmula ao rosto, percebeu estar enxarcado de suor.

Após vários minutos respirando pesadamente, conseguiu se acalmar e deitou-se novamente.

Contudo sua mente não era capaz de ignorar o que acabara de ver, não importava o quanto tentasse.

Mesmo se concentrando para que adormecesse, simplesmente não era capaz.

E quando finalmente conseguiu, viu-se na mesma visão novamente.

Após tentar por muito tempo, desistiu de dormir.

Olhando ao redor, certificou-se de que não havia ninguém acordado e, furtivamente, esgueirou para fora do quarto.

Estava silencioso no que se tratava a humanos, mas os animais e insetos noturnos deixavam bem claros de sua existência por toda a cidade.

Sem saber para onde ir, Sariel vagou pelo labirinto de árvores e galhos de Krajna, esbarrando de vez em quando com alguns guardas que perguntavam o motivo de estar acordado.

“Apenas estou com dificuldades para dormir, por isso decidi caminhar um pouco”, era o que respondia.

Com sua mente atormentada pelo acontecimento recente, vagou sem destino até chegar no que parecia ser um parque deserto nos limites da cidade.

Sentou-se e pôs-se a encarar o chão, usando as mãos para sustentar a cabeça.

“O que foi aquilo? Eu estava em uma Seita e... matei um inocente...” Suas mãos tremeram ao se lembrar da cena.

Devido sua capacidade de conversar com animais, inúmeros foram atraídos e, percebendo seu tormento, tentaram animá-lo.

“Mas... por que minhas mãos estavam diferentes? Não era eu?”, seus olhos, entretanto, apenas conseguiam enxergar seu crime, seu assassinato.

O viajante permaneceu naquela mesma pose por vários minutos e, apesar dos esforços das pobres criaturas que sentiam empatia por sua dor, não conseguiu percebê-los.

Eventualmente, sentiu algo tocar seu ombro, como se alguém tentasse consolá-lo.

Inicialmente ignorou aquilo, mas o peso em seu ombro permaneceu por muito tempo, quase como quem quer que estivesse ali não soubesse o que dizer.

Eventualmente, a pessoa diante de si começou a chacoalhá-lo suavemente.

Teria ignorado aquilo, porém logo notou que havia algo de estranho: por que aquela pessoa não falava nada, mesmo após tanto tempo ter passado?

Levantando a cabeça, surpreendeu-se ao se deparar com uma figura que parecia quase uma árvore no formato de um homem idoso.

A pele tinha a aparência e textura de madeira, os olhos eram verdes e não possuíam pupilas, e todo o corpo era coberto por vinhas e musgo.

Aquele ser segurava um pêssego com uma das mãos e a oferecia, enquanto a outra tocava seu ombro.

Surpreso com aquilo, Sariel se levantou imediatamente, se preparou para uma luta e quase deu um salto para trás.

Devido seu movimento brusco, acabou derrubando a fruta das mãos daquilo diante de si.

Ele pareceu se assustar com aquilo, mas correu atrás do pêssego e o pegou, segurando-o com ambas as mãos e encarando-o com apreensão.

Os animais, ao contrário do viajante, não só se sentiam à vontade próximos dele, como também o escalavam e brincavam da mesma maneira que faziam com outras pessoas.

Devido seu comportamento bem parecido com o de um humano, Sariel perguntou: — O que... Quem é você?

Aquele ser olhou ao redor, como se buscasse algo, quando por fim encarou o viajante e apontou para ele.

— O quê?

Percebendo que Sariel estava tendo dificuldades em entendê-lo, continuou a apontar para ele e para si mesmo repetidas vezes.

— Está dizendo que você é... eu? — perguntou o viajante confuso.

O “homem” balançou a cabeça negativamente de maneira fervorosa, repetindo os mesmos gestos.

Como ainda não conseguiu entender o que ele tentava dizer, Sariel decidiu mudar o assunto.

— Você... quer me dar essa fruta?

Ao ouvir aquilo, o ser diante de si balançou a cabeça afirmativamente, com alegria estampada no rosto.

Dado sua aparência, o viajante baixou sua guarda e até achou fofo a maneira que ele se comunicava.

Após hesitar por um breve momento, se aproximou devagar enquanto aquele “homem” mantinha o braço estendido e com um sorriso meigo no rosto.

Devagar para que não o assustasse, aproximou a própria mão lentamente e pegou o pêssego, analisando-o e percebendo se tratar de uma fruta completamente normal.

O “homem” o encarou fixamente enquanto mantinha ambas as mãos unidas na forma de uma prece.

— Quer que eu coma?

Como resposta, recebeu um aceno com a cabeça.

— Bem, obrigado... — Sariel aproximou o fruto da boca e deu uma bela mordida, sentindo sua suculência. — É gostoso.

Aquele ser — que se tornava cada vez mais adorável — sorriu de alegria, um sorriso capaz de conquistar a simpatia de qualquer pessoa facilmente.

A imagem de um ser de aparência estranha desapareceu, fazendo-o parecer mais como um simpático homem idoso.

— De onde você é? — perguntou o viajante curioso.

O “homem” se virou e apontou para a floresta.

— Onde na floresta?

Ele se aproximou de Sariel, quase como se quisesse levá-lo para algum lugar, mas, subitamente, se virou para as árvores e correu até elas, desaparecendo na escuridão da floresta.

— Espe... — O viajante tentou pará-lo, entretanto sua velocidade era impressionante considerando sua aparência. — Por que ele fugiu?

— Ora, quem diria — disse uma voz feminina por trás. — Nunca imaginei que Leshy se aproximaria tanto de um forasteiro.

Ao se virar, Sariel se deparou com uma jovem mulher. Possuía cabelos médios de uma bela coloração castanho-claro presos em um coque, apesar de alguns fios estarem soltos. Os olhos eram de um forte tom lima, que combinavam com as roupas de aventuras que vestia. Seu rosto era belo, mas usava vários piercings de ossos de animais que lhe davam um toque selvagem.

Sua voz era mais grave que o normal, mas possuía uma delicadeza e, ao mesmo tempo, confiança de alguém acostumado a viver em um ambiente desafiador.

— Leshy? — perguntou o viajante. — Esse é o nome dele?

 — É como nós o chamamos pelo menos, e ele parece gostar — respondeu a mulher. — A propósito, meu nome é Klara, é um prazer — finalizou oferecendo a mão para um aperto.

— Louis — respondeu Sariel retribuindo o cumprimento. — Por que ele age dessa forma?

— Bem, não sabemos direito, mas ele é como um guardião da floresta — respondeu Klara. — Parece que ele atrapalha caçadores ou qualquer pessoa que age contra a floresta, mas ajuda aqueles que respeitam a natureza. Muitas crianças que se perderam na floresta foram resgatadas por ele.

— Entendo... — O viajante encarou o local por onde Leishy correu, ainda segurando o pêssego mordido.

— Oh, ele te deu uma fruta! — exclamou Klara. — Parece que ele realmente confia em você.

— Isso significa muito?

— Bastante! Apesar de ele ajudar a cuidar da floresta, raramente se comunica com algum morador, e mesmo quando isso acontece, ele normalmente apenas se aproxima de alguém sozinho. São raras as ocasiões em que ele entrega um presente a alguém, por isso pessoas que recebem algo dele são tidas como especiais e de confiança.

Enquanto explicava isso, Klara brincava com os animais, conversando alegremente com eles.

— Hmm... Me pergunto o que ele pensa... É meio difícil tentar se comunicar com alguém que não sabe falar... — Sariel permaneceu em silêncio por algum tempo, quando se lembrou das horas. — Não está um pouco tarde para vagar em um lugar como esse?

— Eu poderia dizer o mesmo sobre você, “senhor” Louis — retorquiu Klara em um tom irônico. — Não deveria estar dormindo?

— Estou com dificuldades para dormir, portanto decidi caminhar para cansar um pouco meu corpo. E quanto a você?

— Eu cheguei agora de Acrópolis, estava indo até a casa de meus pais aqui perto, quando te vi aqui.

— Acrópolis? Mas as estradas estão fechadas.

— Ah... Eu... Fui escoltada, por isso me permitiram passar... — Klara tentou soar convincente, mas suas intenções diziam que havia algo mais complicado acontecendo.

— Hmm... Eu e meus companheiros precisamos chegar rápido a Acrópolis, não temos outra escolha senão tentar convencer a nos deixarem usar a estrada principal — disse o viajante. — Pode me dizer como podemos fazer isso?

— Como eu disse antes, se falar que Leshy te entregou essa fruta, provavelmente te deixarão passar — respondeu Klara. — Agora, eu adoraria conversar mais, porém preciso chegar em casa logo, até mais! E bem-vindo a Krajna.

Ao dizer isso, Klara se virou e deixou o local, deixando Sariel novamente sozinho na praça.

Ainda curioso com o encontro anterior, o viajante encarou bem a floresta e até usou Alteração para tentar encontrar Leshy, mas sem nenhum sucesso.

Lançando um olhar para a fruta em suas mãos, terminou de comê-la enquanto pensava em tudo que acontecera naquela noite.

Era estranho, mas esses dois encontros ajudaram, de alguma forma, a acalmá-lo um pouco.

Claro, a dúvida e medo daquela visão ainda persistiria, porém havia preocupações muito mais atuais do que suas memórias do futuro.

Após um breve momento, por fim retornou à pousada silenciosamente e conseguiu dormir, apesar de ser um sono não muito sossegado.


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