O Primeiro Serafim Brasileira

Autor(a): Anosk


Volume 2

Capítulo 96: Início do Treinamento

Pela manhã, pouco antes das 5 horas, Gilbert caminhava até o palácio de Fordurn quando avistou a figura de uma mulher ruiva aguardando do lado de fora.

Aquilo o surpreendeu, já que não esperava que Lucy realmente seguiria com sua promessa.

— Bom dia, senhor Gilbert — cumprimentou ela sem demonstrar sonolência.

— Bom dia — respondeu o cavaleiro. — Estou impressionado que estava aqui antes mesmo de minha chegada.

— Ah, decidi chegar meia hora antes para ter certeza de que não iria me atrasar.

“Meia hora... Ela realmente está séria sobre isso”, pensou Gilbert.

— Muito bem, me siga, por favor — disse conforme se afastava do palácio.

— Certo.

Ambos caminharam para longe do palácio, passando por uma construção queimada a muito tempo.

Tanto Gilbert quanto Lucy encararam os restos da madeira enegrecida e o chão escuro com uma certa apreensão, e aumentaram o ritmo de seus passos para se afastar daquele local o quanto antes.

Quando estavam longe o suficiente, o cavaleiro decidiu quebrar o silêncio.

— Você conhece Raymond? — perguntou, mesmo já conhecendo a resposta.

— Sim, eu era próxima do irmão dele quando... aquilo... aconteceu — disse Lucy com relutância. — Depois disso, acabei me tornando próxima dele.

— Ah, então você era a garota que espiava Leopold... — disse Gilbert em um tom distante.

— Já tinha ouvido sobre mim? — perguntou a mulher.

— Felix, aquele quem treinou Leopold comentou uma ou duas vezes... — disse o cavaleiro.

Ao ouvir isso, Lucy soltou um único riso melancólico.

— É... eu realmente era péssima em manter segredos... — disse em um tom nostálgico. — Não me surpreenderia se ele tivesse reparado, até mesmo o irmão mais novo dele que nem tinha idade para pensar nessas coisas havia percebido...

— Então ele já era perspicaz mesmo antes do incidente... — disse Gilbert pensativamente. — Ele amadureceu muito rápido...

Depois disso, ambos permaneceram em silêncio até chegarem em uma pequena área aberta com meia dúzia de alvos, bonecos de madeira, sacos pendurados em árvores e algumas armas de madeira como espadas, lanças, machados e martelos.

O local estava meio abandonado, com alguns dos sacos caído no chão deixando a areia vazar, bonecos com membros faltando e armas lascadas.

Havia uma pequena casa construída em madeira e pedras, com poucas janelas e várias frestas.

— Já faz um bom tempo que não venho aqui... — disse o cavaleiro contemplativamente. — Pelo menos parece que alguém ainda usa esse lugar.

— Foi aqui que treinou Raymond? — perguntou Lucy.

Gilbert apenas respondeu com um aceno positivo com a cabeça.

— Normalmente, todo ano em um dia específico garotos se alistam para treinarem como pajem, então são treinados nos quarteis oficiais de Fordurn — explicou o cavaleiro. — Como a data de inscrição já passou, terei de treiná-la por fora.

— Entendo...

Gilbert caminhou em direção ao “local de treino”, sendo seguido pela mulher.

— Antes de começarmos, preciso perguntar algo — disse enquanto lançava um olhar profundo para Lucy. — Por que está fazendo isso?

— Quero saber sobre Raymond e encontrá-lo! — disse Lucy determinada.

— Pretende ir tão longe por apenas uma pessoa? — perguntou o cavaleiro. — Muitos respondem coisas como: “Quero proteger aqueles que não podem se defender”, ou “quero manter a paz e ordem”, ou até mesmo “usar o dinheiro para ajudar minha família”.

Lucy permaneceu em silêncio por um breve momento, remoendo-se do passado e se lembrando dos bons momentos que passara com Leopold.

— Na primeira vez que encontrei Raymond, ele era um pirralho e até mesmo me chantageou... — disse nostalgicamente e com um punho em seu peito. — Mas depois do incidente, eu o visitei várias vezes, e nos tornamos amigos próximos no processo...

Gilbert permaneceu em silêncio conforme escutava.

— Quando soube que ele queria se tornar um cavaleiro assim como o irmão, tanto eu quanto a mãe dele ficamos preocupadas — continuou Lucy. — Temia que aquilo se repetisse, portanto prometi a mim mesma que o observaria o tempo todo...

Enquanto falava e as memórias do passado se repetiam, calou-se brevemente.

— Quando o vi vestindo aquela armadura e seu olhar determinado, não pude deixar de me sentir feliz... Por isso, meus motivos podem não ser tão grandiosos quanto às outras pessoas, mas não me importo com isso! — disse determinada. — Entre desejar defender milhares de pessoas, ou proteger uma única pessoa importante para mim, qual a diferença? O sentimento é o mesmo!

Ao ouvir aquilo, Gilbert esboçou um sorriso triste.

“Sinto muito... São ordens diretas de Geoffrey, portanto não posso dizer que nem mesmo nós sabemos seu paradeiro...”, pensou consigo mesmo com um gosto amargo na boca.

Sentia-se extremamente sujo, imundo e terrível por enganá-la daquela maneira, e se segurava ao extremo para não dizer a verdade.

As paranoias do rei sobre sua filha ser descobertas sempre lhe pareciam exatamente isso: paranoias.

Contudo, de alguma maneira ela havia sido descoberta, e não foi por ninguém do lado de fora, já que havia algumas poucas pedras de Alteração no palácio que detectariam qualquer estranho que esgueirasse adentro.

A informação veio de dentro, portanto manter em segredo qualquer informação sobre os envolvidos era crucial.

Balançando a cabeça como se tentasse chacoalhar para fora a culpa, disse: — Muito bem, vamos começar então. Vamos até o vestuário e procurar por uma roupa de treinamento para você.

— Espera, aquilo é um vestuário? — perguntou Lucy surpresa. — Qualquer um poderia espiar alguém dentro com tantos buracos.

— Ficarei do lado de fora para me certificar de que isso não aconteça — disse Gilbert. — Além disso, a maioria das pessoas que vinham aqui eram homens, portanto muito raramente terá problemas com algum tarado...

— Você tem um ponto, mas... Não é incomum mulheres gostarem de mulheres e homens gostarem de homens... — disse Lucy. — Mas acho que tem razão, não preciso me preocupar com isso.

Ambos entraram juntos no vestuário e o cavaleiro procurou por alguma roupa de treinamento que servisse.

Como eram raros os casos de mulheres se tornando cavaleiras em Fordurn, já era de se esperar que não encontraria algo feito para ela, portanto precisou de um bom tempo para achar algo para Lucy, cuja estatura era baixa.

No fim, o máximo que conseguiu foi uma túnica de treino para jovens que, felizmente, parecia servir.

— Tome — disse conforme oferecia o traje.

Lucy aceitou a vestimenta e, no momento que tocou o tecido, uma nuvem de pó se ergueu, fazendo-a espirrar várias vezes.

— Mas que... ATCHIM! Isso aqui parece gerar poeira do nada... ATCHIM!

— Depois do treino pode levar para casa e lavá-lo, mas deverá aturar isso por hoje.

— Está bem... — concordou Lucy sem reclamar mais. — Já estou acostumada com poeira...

Após isso, Gilbert saiu e Lucy se trocou.

Quando saiu, coçava o nariz por ter de espirrado várias vezes, mas a túnica até que lhe caiu bem.

Por ser um traje de treino, deixava pouca pele à mostra e, como era feito para homens, não era tão discreto na parte do busto, apesar de ter reduzido bem o tamanho real.

— Muito bem, a partir de agora você é minha escudeira — disse o cavaleiro. — Seu treinamento não será fácil, portanto, pode desistir quando quiser.

— Não vou desistir, mestre! — disse Lucy com fogo nos olhos.

Ao perceber a determinação de sua escudeira, Gilbert deixou escapar um leve sorriso.

— Muito bem, antes de escolher sua arma, preciso fazer uma pergunta importante — disse. — Sabe usar magia?

— Eu tentei algumas vezes quando criança, mas nunca consegui... — disse Lucy.

Hmm, isso dificulta um pouco as coisas... — murmurou o cavaleiro. — Não temos muitos especialistas em Alteração, pedras de Alteração e muito menos uma Speculum Iris... Tente abrir sua palma em direção a um desses alvos e concentre-se em lançar algo contra ele.

— Certo...

A escudeira apontou a mão com a palma aberta para um dos alvos de treino de mira, se concentrando o máximo que conseguia tentando fazer algo sair.

Tentou por muito tempo, mentalizando várias coisas diferentes para ver se algo ocorreria, mas não obteve sucesso.

— Droga... — praguejou após vários minutos de tentativas falhas.

— Está tudo bem, magia não é necessário para se tornar um cavaleiro, apesar de facilitar um as coisas — disse Gilbert. — Vamos começar com exercício físico por enquanto.

— Certo...

 

***

 

Após várias horas, Lucy se encontrava caída de costas no chão, encharcada de suor e respirando pesadamente.

Aquele era apenas seu primeiro treinamento, e mesmo assim estava tão cansada que nem conseguia se levantar.

“Eu subestimei um pouco o treinamento...”, pensou consigo mesma.

— Muito bem, por hoje é só — disse Gilbert trazendo um prato fundo de comida e embrulhado. — Agora devo voltar ao palácio, mas você ainda tem a tarde toda para treinar, aproveite o tempo. Ah, e espere um tempo após a refeição antes de retornar o treinamento. — Então, colocou a comida em cima de um banco e partiu.

Lucy permaneceu por muito tempo no chão recuperando o fôlego, quando finalmente se levantou e verificou a refeição dada a ela.

Removendo o embrulho, se surpreendeu com uma quantidade enorme de comida, provavelmente o dobro, na verdade, o triplo do que comia normalmente.

“Se eu comer tudo isso, vou acabar engordando...”, pensou consigo conforme usava uma colher de madeira para experimentar a comida.

No momento que seu paladar sentiu o gosto daquela refeição, devorou como um troglodita esfomeado toda a comida em um piscar de olhos, uma visão que com certeza deixaria qualquer um em choque ao ver uma mulher tão bela e delicada se comportando daquela maneira.

Com o estômago cheio na medida perfeita — não havia comido pouco, nem demais — levantou a cabeça, encarou o belo céu azul e suspirou.

— Ah... O que estou fazendo...? — perguntou a si mesma. — O que minhas amigas diriam se soubessem disso?

Permaneceu um bom tempo em transe encarando o céu e pensando, lembrando-se principalmente dos momentos que passara com Leopold e Raymond.

Tsc! Não importa — disse conforme se levantava. — Hora de treinar!

Depois disso, voltou a se exercitar até o sol se pôr.


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