O Primeiro Serafim Brasileira

Autor(a): Anosk


Volume 2

Capítulo 95: Laços

Um homem com longos cabelos brancos, profundas olheiras, uma postura curvada e tão magro que os ossos de seu rosto estavam visíveis, sentava-se diante de uma grande mesa com inúmeros relatórios.

Apesar de usar roupas de um rei, a aparência de Geoffrey, o governante de Fordurn, lembrava mais um veterano de guerra cansado analisando mapas e estratégias.

Não dormia direito desde o desaparecimento de Luna e Raymond, parecendo ter envelhecido uma década em apenas alguns meses.

Seus cabelos caiam constantemente devido ao estresse, e o centro de sua cabeça se tornava cada vez mais aparente.

“Não preciso dormir, apenas encontrar minha filha! Farei de tuod, mesmo que tenha que lutar sozinho contra todo o Conselho!”, era o pensamento que o motivava, mas ao mesmo tempo o desgastava.

Enquanto lia os relatórios sobre as buscas de Luna, uma batida em sua porta interrompeu sua concentração.

— Vossa Majestade, trouxe Vosso jantar... — disse uma voz feminina, que o rei reconheceu imediatamente.

— Pode entrar, Sophia... — disse com a voz profunda e cansada.

Após receber permissão, uma mulher um pouco mais jovem que Geoffrey apareceu. Seus cabelos loiros e os belos olhos verdes mostravam um certo cansaço também, apesar de não tão profundo.

— Majestade... Já são duas da madrugada e ainda nem se alimentou... — disse preocupada ao mesmo tempo que fechava a porta.

— Está tudo bem, Sophia. Comerei depois — disse o rei sem tirar os olhos dos relatórios.

— Sempre diz isso e acaba não se alimentando — respondeu a empregada. — Ela não gostaria de vê-lo dessa maneira...

Aquelas palavras surtiram efeito imediato em Geoffrey, que ergueu a cabeça e encarou tanto Sophia, quanto a bandeja com uma refeição chamativa.

Lembrando-se de como sua filha sempre se preocupava com ele e possuía um olhar atento às emoções das pessoas, imaginou Luna dando-lhe uma bronca por negligenciar a própria saúde.

“Pai... se não se alimentar ficará doente... Pelo menos coma um pouco...Está me deixando preocupada...”, soou a voz dela em sua mente, em um tom de reprimenda, mas gentil.

Encarando bem a empregada, soltou um suspiro audível e afastou alguns documentos da mesa, abrindo um espaço vazio.

— Está bem... — concordou com a voz cansada. — Pode colocar aqui.

Sophia se aproximou e colocou a bandeja com o jantar, porém não partiu no momento após fazer isso.

Geoffrey a encarou por um segundo e disse: — Obrigado, pode ir agora...

Contudo, a empregada demonstrou uma certa hesitação em obedecê-lo.

O rei se sentou e percebeu a postura dela.

— Há algo mais que precisa me dizer? — perguntou.

— Bem, é que... Eu gostaria de ter certeza de que vai se alimentar mesmo e não vai abandonar a comida como das outras vezes... — disse em um tom baixo e envergonhado, sabendo que estava sendo grosseira ao contrariar a palavra do rei.

Geoffrey a encarou dos olhos, mas sem raiva ou frustação.

Na verdade, quase deixou esboçar um sorriso — teria, se não fosse pelas circunstâncias atuais.

— Agora que paro para me lembrar, não temos uma conversa desde que ela aprendeu a falar, certo? — perguntou em um tom de nostalgia e tristeza. — Já se alimentou?

— Be-Bem, já... — Tentou mentir, falhando miseravelmente.

— Nos conhecemos a muito tempo, Sophia... — disse o rei. — Coma comigo, assim ficamos quites.

— Ce-Certo...

A empregada sentou-se de frente para Geoffrey, sentindo-se envergonhada por ter sido desrespeitosa com ele.

Sem dizer muito, ambos começaram a mordiscar a comida.

Não demorou muito para que o apetite de ambos surgisse logo que seus paladares sentiram a suculência das carnes, o salgado do queijo e o doce do álcool.

Era a primeira vez em muito tempo que Sophia desfrutava de uma refeição tão maravilhosa.

Percebendo que a empregada aparentava estar gostando da comida, disse: — Quando foi a última vez que comemos a sós mesmo?

— Bem... faz uns 15 anos, eu acho? — disse em um tom de pergunta. — Foi nessa época que passei a cuidar menos dela...

— Tem razão... Me pergunto o que teria sido dela sem você... — disse o rei referindo-se à Luna.

A qualquer um ouvindo essa conversa de fora soaria estranho que não se referiam à princesa por seu nome, apenas por pronomes.

A verdade era que ambos combinaram de jamais mencionar o nome dela, mesmo em conversas privadas que acreditavam estar a sós.

Era uma das várias medidas que tomaram para proteger a identidade de Luna o máximo possível.

Afinal, Geoffrey conhecia melhor do que a maioria de como a magia funcionava, e sempre foi muito paranoico com o elemento Ilusão quando adotou a princesa.

A única pessoa que sabia o nome dela era Raymond, que havia se tornado uma figura extremamente próxima por estar protegendo-a durante todo o dia.

— Fizemos o possível para protegê-la, mesmo assim isso tudo aconteceu... — disse o rei em um tom deprimido e cansado. — Sou um fracasso como rei, marido e pai...

— Não diga isso! Você fez o melhor que podia como pai! — disse Sophia. — Você fez o possível para protegê-la.

Geoffrey permaneceu em silêncio.

— E ainda me deu a oportunidade de saber como é ser mãe... Não somos casados e nossa relação é um pouco estranha, mas pela maneira que cuidou dela, sei que também foi um bom marido! — continuou a empregada emocionada. — Também é um ótimo rei, não consigo imaginar como Fordurn estaria agora sem você!

O rei continuou em silêncio por um bom tempo e, eventualmente, deixou escapar um sorriso melancólico e um olhar triste.

— Obrigado, Sophia... — agradeceu com a voz baixa e trêmula. — Você foi a melhor mãe que ela poderia ter...

A empregada sorriu da mesma maneira que Geoffrey e abaixou a cabeça.

— Espero que ela esteja bem... — disse com preocupação.

— Isso pode soar estranho, mas sinto que ela ainda está bem... — disse o rei. — Ela é delicada e tem um coração puro, mas é mais forte do que pensamos...

— Sim, é nossa pequena princesa afinal... — concordou Sophia.

Após essa breve conversa, ambos continuaram comendo, ainda preocupados com o paradeiro de Luna.

 

***


Nas muralhas ao redor do palácio de Fordurn, um homem careca, com cerca de 50 anos e olhos azuis caminhava ao redor, disciplinando alguns soldados e perguntando sobre qualquer agitação.

Este era Gilbert, o antigo mestre de Raymond e um cavaleiro responsável pela proteção do palácio.

Sua postura era reta e impunha respeito, e sua expressão era sempre séria.

Conforme caminhava, viu-se no lado da muralha que havia sido destruída, já reparada no momento.

Seu olhar desviou para o rio que atravessava Fordurn, perdendo-se em pensamentos enquanto assistia as águas correrem.

Após algum tempo devaneando, um soldado jovem se aproximou.

— Senhor Gilbert, há uma mulher no porão exigindo vê-lo.

— Uma mulher? — perguntou. — Qual o nome dela?

— Lucy, senhor — disse o jovem. — É ruiva, tem olhos verdes e sardas no rosto...

Ao ouvir aquela descrição, a expressão do cavaleiro mudou brevemente.

— Por acaso tem cabelos cacheados?

— Sim senhor.

Gilbert permaneceu em silêncio brevemente, mas logo disse: — Certo, irei vê-la agora mesmo.

— Entendido.

O cavaleiro caminhou devagar até o portão e, quando chegou, deparou-se com a pessoa que havia imaginado.

Sua aparência havia mudado após tantos anos, mas Gilbert a reconheceu como a garota que espiava Leopold, o irmão de seu aprendiz.

Aproximando-se das grades do portão, disse: — Posso ajudar, senhorita Lucy?

Ao percebê-lo, a expressão dela se tornou séria.

— Você não foi aquele quem treinou o Raymond? — perguntou.

— Sim, sou eu mesmo — respondeu o cavaleiro. — No que posso ajudar?

— O que aconteceu com ele? — perguntou Lucy. — Não o vejo desde o dia que a muralha foi atacada.

— Sinto muito, mas não posso responder isso.

— Não pode responder?! — perguntou irritada. — A mãe dele está preocupada e continuam escondendo sobre ele! Já faz meses desde que ele sumiu!

A expressão de Gilbert se tornou conflitada.

Todos do palácio haviam recebido ordens de manter em segredo qualquer informação sobre Raymond e a princesa.

Apenas outros cavaleiros tinham acesso à informação sobre ele, apesar de saberem basicamente nada de seu paradeiro.

Era duro ter de ocultar isso dos civis e família, afinal, Raymond era o cavaleiro mais forte do reino.

Com um olhar pesaroso, encarou Lucy e disse: — Sinto muito, mas não posso dizer...

— O povo e a mãe dele tem o direito de saber! — exigiu a mulher. — Logo as pessoas vão começar a se perguntar o que aconteceu com ele.

— Se era apenas sobre isso que desejava conversar, então peço licença para retornar aos meus deveres — disse o cavaleiro conforme começava a se afastar.

— Espera! Tem algo que eu possa saber para me contar? — insistiu Lucy.

Gilbert parou subitamente e, quase como se falasse consigo mesmo, disse: — Se tornando uma cavaleira...

— Então está decidido, me treine para me tornar uma cavaleira! — disse sem hesitação.

Ao ouvir aquilo, o cavaleiro a encarou incrédulo, deparando-se com um rosto decidido e que não demonstrava dúvida.

— Senhorita Lucy, sei que se preocupa com Raymond, mas o treinamento para se tornar uma cavaleira é árduo — disse. — Muitos não conseguem...

 — Não me importa, me treine e te mostrarei que posso me tornar uma cavaleira!

Gilbert encarou bem Lucy analisando-a.

Seu rosto era belo e feminino. A pele era clara e bem cuidada, e suas mãos delicadas e macias, demonstrando que não estava nem um pouco acostumada ao treinamento que seria submetida.

Contudo, sua expressão decidida deixava mais que claro que ela não desistiria dessa ideia e, mesmo se ele se recusasse a treiná-la, ela provavelmente procuraria outro mentor.

Suspirando audivelmente, o cavaleiro disse: — Está bem... Esteja aqui amanhã às 5 da manhã.

Sem esperar uma resposta, se afastou.


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