O Primeiro Serafim Brasileira

Autor(a): Anosk


Volume 2

Capítulo 87: Crime Perfeito

Quando chegamos neste mundo, nos deparamos com humanos capazes de esconder suas intenções assim como alguns anjos, uma técnica difícil de ser masterizada ensinada a nós a muito tempo pelos Primeiros Anjos.

Contudo, logo notamos que a quantidade de pessoas capazes disso era muito maior do que o normal, e logo descobrimos que isso está diretamente relacionado com a alma.

Não sabemos muito sobre o que exatamente é a alma e por que é tão importante. Na verdade, nem saberíamos sobre sua existência se os Primeiros Anjos não tivessem comentado sobre.

Apesar disso, não importava o quanto perguntássemos, os Primeiros Anjos nunca deram mais informação além de confirmar a existência da alma.

Quando estudamos os humanos que eram capazes de esconder suas intenções, logo descobrimos sobre as Seitas e sobre os Deuses da Escuridão entregarem poder às pessoas em troca das almas.

Quando analisamos todos os envolvidos com as Seitas que conseguiam esconder suas intenções, obtivemos um resultado de 100% relacionando a perda da alma com essa habilidade.

A teoria mais aceita é que as emoções se encontram na alma, portanto, ao perdê-la, os humanos perdem a capacidade de expressar suas intenções.

Isso não significa que deixam de sentir, pois observamos comportamentos emocionais explosivos inúmeras vezes, apesar de ser impossível de perceber as emoções.

Por isso, acreditamos que esses humanos e fato possuem suas emoções, mas são expressas em outro lugar, no domínio dos Deuses da Escuridão.

Outra questão nos preocupa é: se a alma é tão importante ao ponto de os Deuses da Escuridão cobiçá-las, por que o único efeito observado de sua falta é apenas a falta de intenções?

Sabemos para qual propósito os Deuses da Escuridão usam as almas, para criar portais conectando o mundo deles com Vilon, o mundo humano, mas o que acontece com essas almas? E o dono dela? E o que aconteceria se um anjo perdesse sua alma?

Como se não bastasse, encontramos várias crianças, e até recém-nascidos cujas intenções eram totalmente imperceptíveis.

Claramente, um recém-nascido jamais seria capaz de formar um pacto, portanto investigamos isso a fundo também e descobrimos algo terrível.

Muitos devotos casam-se com a primeira pessoa que encontravam para engravidar, ter filhos e vender suas almas.

Essa criança viveria sua vida inteira sem jamais saber sobre isso.

Apreendemos muitos inocentes que não possuíam almas, mas haviam as perdido quando crianças por causa de seus pais.

Inclusive, alguns Deuses implantavam nas crianças uma pequena porção do elemento Conjuração, para que, conforme crescesse, iria corromper a pessoa e atraí-la para as Seitas.

— “Existem muitas pessoas com o elemento Conjuração e sem alma que não sabem o que perderam e vivem vidas normais... E atualmente não desenvolvemos nenhum método de reverter isso...” — Luna terminou de ler.

— Os anjos investigavam as Seitas também... — disse Feng Ping pensativamente. — O Conselho sabe que muitos devotos têm filhos apenas para vender suas almas, mas quanto ao resto, são informações novas...

— Espera, então as Seitas já existiam antes mesmo da chegada dos anjos — disse a princesa. — E os anjos estavam tentando lidar com elas em segredo.

— É o que parece — respondeu o Pilar do Vento. — O que acha sobre isso, Sariel?

Os três olharam para o viajante, percebendo uma expressão atormentada em seu rosto.

— Sariel? — chamou Luna.

O viajante não respondeu, na verdade, não ouviu mais nada desde as últimas frases recitadas pela princesa.

Quando ouviu aquilo, sua mente imediatamente se afastou para um momento não tão distante, no dia que chegou em Fordurn.

Após conversar com alguns homens em uma taverna e adquirir informações sobre a situação, deixou o local e caminhou até o palácio real.

No caminho, pelo acaso do destino, esbarrou com uma mulher grávida, recostada em uma parede, carregando uma cesta de frutas pesada, respirando pesadamente e suando.

O viajante se aproximou para oferecer ajuda, mas, com Alteração, percebeu que a mulher possuía o elemento Conjuração.

Já havia se deparado inúmeras vezes com pessoas que tinham filhos apenas para vender suas almas, portanto, sentiu-se compelido a descobrir sobre ela.

Quando se aproximou de maneira propositalmente assustadora — para analisar a reação dela — a grávida se virou assustada, porém ele não sentiu nenhum medo dela.

Depois, quando ofereceu ajuda, ela agradeceu com um sorriso puro e simpático, mas sem nenhuma gratidão.

Para Sariel, aquilo já era prova o suficiente.

Ela precisava morrer, antes que arruinasse a vida de uma criança inocente.

E assim ele o fez, quebrando seu pescoço sem que pudesse resistir.

Como o estágio da gravidez dela estava bem avançado, Sariel realizou uma cesariana, removendo a criança, fechando o corte com Proteção sem nenhuma cicatriz, e deixando a criança no orfanato mais próximo.

Se tivesse más intenções, aquele poderia ser considerado um crime perfeito.

Entretanto, após ouvir o relatório dos anjos, percebeu que realmente cometera um crime.

Matara um inocente, e dessa vez, era ainda pior do que as outras vezes.

Não era um devoto, ou alguém enlouquecido pelo poder de Nergal, e sim, uma pessoa vítima de seus pais, que nunca fizera mal algum e estava vivendo sua vida de maneira correta.

Uma família fora destruída, o futuro de uma pessoa roubado, e tudo pelas suas mãos...

Sariel começou a respirar pesadamente, lembrando-se do rosto inocente, do chacoalhar desesperado das pernas da mulher, e de sua voz abafada clamando por piedade.

A seguir, inúmeras memórias de casos semelhantes passaram por sua mente.

Quanto inocentes havia matado?

Quantas famílias havia destruído?

Quanto tempo havia roubado?

“Ne me mori facias!”, repetiu a voz distante em sua mente.

Mais uma vez, o peso da profecia caiu sobre Sariel.

Percebendo a maneira estranha e nervosa que o viajante agia, Luna se aproximou.

— Sariel, o que houve? — perguntou preocupada, esquecendo completamente seu próprio tormento. — Ficou quieto de repente...

— Quantos eu matei? — disse ofegantemente. — Eu não sabia...

Naquele momento, todos logo perceberam o que estava acontecendo.

— Vo-Você não tem culpa! — disse a princesa. — Não tinha como saber disso!

— Nem mesmo o Conselho sabia disso, Sariel! — disse Feng Ping firmemente. — Os outros Pilares devem ter matado milhares de inocentes por não saber disso!

O viajante colocou uma das mãos no próprio rosto, tapando um de seus olhos.

Em seguida, contra sua vontade, lágrimas começaram a escapar aos poucos.

— Usei meu poder acreditando que estava sempre salvando as pessoas... — disse com dificuldade. — Mas quanto eu destruí?

— Muito menos do que salvou, isso eu tenho certeza! — disse Luna enquanto agarrava a outra mão livre de Sariel. — Não se torture pelo passado, apenas pense em evitar cometer o mesmo erro novamente!

Ao ouvir aquilo, as lágrimas do viajante cessaram subitamente e uma expressão de surpresa tomou conta dele.

Alguns minutos atrás, havia dito algo muito parecido a Feng Ping, mas a princesa nem estava presente no momento.

Até mesmo o Pilar do Vento ficou surpreso com isso.

— Luna está certa — disse Feng Ping. — Apenas tome mais cuidado no futuro.

Sariel permaneceu em silêncio por um tempo, se acalmando lentamente.

— Tem razão... Como consegue ficar tão calmo sabendo disso? — perguntou ao Pilar do Vento.

— Não lutei tanto contra as Seitas desde o fim da guerra... — disse Feng Ping. — Na verdade, essa é minha primeira grande batalha em 20 anos.

— Entendo... — Sariel ainda estava abalado, mas melhor.

Enquanto isso acontecia, Aegreon permanecia em silêncio e observava constantemente o viajante, prestando atenção em cada fala, movimento e comportamento dele.

— Há algo mais para lermos aqui? — perguntou o viajante, forçando-se a focar na investigação.

— Não precisamos fazer isso agora, posso voltar aqui em outro momento — disse Feng Ping. — Vamos embora antes que as pessoas fiquem muito ansiosas.

— Tudo bem...

Deixando a sala com informações ainda para ser investigadas, os quatro retornaram até onde Raymond estava.

Quando voltaram, o povo imediatamente disparou inúmeras perguntas e pedindo ao Pilar do Vento para voltarem logo.

— Acalmem-se, vamos retornar agora, está tudo bem agora — acalmou Feng Ping.

Em conjunto, todos os aldeões suspiraram de alívio, finalmente recebendo a oportunidade de retornar.

Muitos morreram naquele dia, ninguém escaparia do luto, entretanto, graças àquelas pessoas, poderiam voltar seguras até suas casas e continuarem com suas vidas.

Contudo, havia uma pessoa que não estava totalmente satisfeita com aquilo.

— Sariel! — disse Yuri, arrastando o marido com dificuldade enquanto Shiina acompanhava de perto. — Ele acordou uma vez, começou a gritar algumas coisas e foi nocauteado de novo pelo senhor Raymond. Ajude ele, por favor!

O viajante, contudo, possuía um ar melancólico e olhar baixo.

— Suzuki não pode ser curado... — disse conforme desviava o olhar. — Sinto muito...

— Mas... por que o salvou então?! — perguntou Yuri desesperada. — Eu o vi lutando, deve saber algo, certo?

Sariel manteve-se em silêncio, sem encontrar a coragem de dizer a verdade mais uma vez.

Percebendo isso, os olhos de Yuri começaram a lacrimejar, ao mesmo tempo que seu corpo desabava e caía de joelhos no chão.

— E se... verificar as memórias dele? — sugeriu Luna.

— Entrar na mente de alguém enlouquecido é a pior coisa que se pode fazer — disse Feng Ping. — Todos que tentaram fazer isso enlouqueceram também. Koeus fez isso uma vez e foi o único que “sobreviveu”, mas ficou em coma por semanas e, quando acordou, perdeu totalmente sua visão.

— Sinto dizer isso, mas a maneira mais misericordiosa que podemos fazer é matá-lo rapidamente e sem dor — disse Shiina a Yuri. — É melhor do que deixá-lo sofrendo assim...

— Não! Tem que ter um jeito! — gritou Yuri. — Tem que ter um jeito...

As pessoas observavam aquilo em silêncio.

Muitos sentiam-se tristes pela mulher e seu marido, lamentando o destino terrível de Suzuki.

Contudo, como perceberam que aquele homem estava louco, concordavam — envergonhados consigo mesmos — com a decisão de matá-lo.

Shiina começou a formar uma lâmina de vento em sua mão, preparando-se para dar o golpe.

Entretanto, o viajante se colocou entre ela e Suzuki.

— O que está fazendo? — perguntou a assassina. — Diz que ele não tem salvação, mas o protege? O que está pensando?

Sariel manteve-se em silêncio por um tempo, desviando seu olhar.

Talvez fosse por causa do que leu no santuário, talvez fosse a culpa acumulada das pessoas que matou, talvez por causa das palavras de Luna, ou até daquela voz distante, mas não queria de jeito nenhum abandonar aquela pessoa.

Se houver uma maneira de salvá-lo, ele iria tentá-lo.

— Se seu poder mágico for selado, não será perigoso — disse. — Estamos descobrindo cada vez mais coisas, quem sabe não encontramos uma cura para ele...

— Sabe que as chances disso acontecer são quase zero, certo? — perguntou Shiina. — Não devemos correr esse risco.

— Odeio dizer isso, mas concordo com ela... — disse Raymond se aproximando.

— Eu posso tentar dizer sobre isso ao Conselho e pedir a Koeus para estudá-lo... — disse Feng Ping. — Mas já foram feitas muitas pesquisas sobre isso, e nunca obtivemos um resultado...

Sariel permaneceu em silêncio novamente, entretanto continuou a proteger Suzuki.

— Mas e se tiver um jeito de salvá-lo? — perguntou Luna. — Vocês se perdoariam se descobrissem que mataram alguém que poderia ter vivido?

As palavras da princesa fizeram todos permanecerem em silêncio por um breve momento.

Durante toda essa discussão, Aegreon esteve mais afastado e apenas observava a situação.

E foi após a fala de Luna que decidiu falar.

— Concordo com Sariel e Luna — disse. — Devemos deixá-lo vivo.

Ao ouvir aquelas palavras, todos do grupo se surpreenderam.

— Você está apoiando Sariel?! — perguntou Shiina confusa.

— O que há com você ultimamente? — perguntou o Pilar do Vento. — Nunca agiu assim antes.

— Não importa — disse Aegreon. — Vamos retornar logo.

O grupo se entreolhou por um breve momento, mas decidiram concordar com a decisão de Sariel.

— Tudo bem... — disse Feng Ping. — Vamos voltar!

Sob tais palavras, todos começaram a esse preparar para retornar finalmente.

Enquanto os preparativos eram feitos, Yuri se aproximou do viajante, da princesa e do Pilar da Conjuração.

— Obrigado por cuidarem de meu marido! — agradeceu. — São muito gentis...

— Apenas nos agradeça quando ele estiver totalmente curado — disse Aegreon. — Não merecemos suas palavras de agradecimento ainda.

Yuri sorriu suavemente, curvou-se e se afastou com Shiina carregando-o.

Depois disso, a mulher que teve sua irmã morta por Luna se aproximou dela.

— Realmente tens um coração puro... — disse. — Se todos fossem como você, nosso mundo seria muito melhor...

— É muito gentil comigo, mas só fiz o que precisava... e não me orgulho disso... — disse a princesa com dificuldade.

A mulher sorriu por um momento, lembrando-se de algo importante que esquecera de dizer.

— Ah, chamo-me Xiao Li, é um prazer, senhora Luna! — disse conforme-se curvava.

— O prazer é meu — disse a princesa, copiando a reverência.

Após dizer essas palavras, Xiao Li se afastou.

Pouco tempo depois, todos estavam prontos e finalmente partiram em direção ao sul, de volta para casa.


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