O Primeiro Serafim Brasileira

Autor(a): Anosk


Volume 2

Capítulo 85: Chama Infernal

Aegreon correu até a criatura acuada com sua foice coberta em chamas.

Apenas ter de encarar aquela arma coberta em pele morta e queimada e com seu belo metal escuro como o vazio já era uma visão assustadora. Agora, ver suas caveiras cuspindo fogo roxo das órbitas e bocas, sendo empunhado por um homem que nem humano parecia, e se aproximando na sua direção, definitivamente era algo que jamais desejaria ver.

A criatura tentou atacar Aegreon usando todos os elementos possíveis, porém, sua chama consumiu tudo, como se estivesse esfomeada e devorasse a própria magia.

Na verdade, estava de fato faminta, tanto que consumia a carne do próprio portador.

O Pilar da Conjuração se moveu tão rápido que apenas Sariel e Feng Ping foram capazes de perceber seu movimento.

Sua foice cortou verticalmente para cima. A lâmina raspou no chão durante seu caminho, derretendo a roxa e criando um corte profundo.

A criatura tentou inutilmente desviar, mas o golpe a atingiu no torso e subiu até seu ombro, removendo uma boa porção de seu corpo e três de seus seis braços, mas falhando em matá-la.

O monstro caiu pesadamente no chão. Todas as suas cabeças urraram o mais alto que conseguiam e, onde a lâmina havia atingido, o fogo roxo não se apagou e se alastrou rapidamente, devorando seu corpo.

Por mais que rolasse no chão, tentava usar água, e até mesmo magia, a criatura não conseguiu nem mesmo desacelerar a proliferação daquela chama do inferno.

Seria apenas uma questão de segundos até que o fogo finalmente consumisse toda a existência daquele pobre ser, mas ela, desesperada e buscando se livrar daquela dor insuportável, usou a arma que segurava em outro braço para cortar fora a parte que queimava, salvando-se brevemente da mais terrível morte.

A dor daquela brasa amaldiçoada era tamanha que a criatura se sentiu aliviada ao arrancar quase metade do seu corpo.

Entretanto, sabia que ainda não estava totalmente segura.

Quando voltou seu olhar para a morte, deparou-se com ela se aproximando novamente com sua foice.

Todas as faces da criatura se contorceram na mais pura expressão do medo e gemeram desesperadas.

Lutar contra aquela entidade era impossível, portanto, restava apenas uma escolha.

Reunindo todas as suas forças, a criatura se levantou e correu o mais rápido que podia de volta ao portal.

Sua velocidade surpreendeu até mesmo Sariel e Feng Ping, afinal, se havia um momento para usar toda a capacidade de seu corpo para algo, então aquele definitivamente era o momento certo.

A criatura, em um piscar de olhos, alcançou o portal e estendeu seu outro braço principal dentro, atravessando a fronteira entre os dois mundos.

Estava quase a salvo, mais um pouco e conseguiria escapar daquela aberração.

Contudo, não se pode fugir da morte.

Um corte limpo arrancou sua cabeça principal, junto de seus braços restantes que caíram inerte no mundo de Elgor.

Seu corpo caiu em Vilon, porém, ainda não havia morrido.

O que tornava aquela criatura tão perigosa e resistente era o fato de possuir o corpo de várias pessoas em um só, portanto possuía inúmeros cérebros e corações.

Por possuir vários elementos, era uma criatura que, caso lutasse em grande número, daria problemas para um Pilar sozinho.

Uma pena que ela se deparou justo com a morte em pessoa.

A ideia de criar um ser assim veio do nada — como toda decisão tomada por Nergal — e, por um acaso do destino, havia criado algo dificílimo de se matar e com um poder ofensivo alto.

Contudo, por possuir várias mentes, não era capaz de falar e suas decisões eram totalmente instáveis.

Mas agora, sua benção da quase imortalidade se tornou sua maior tortura.

O fogo voltou a consumi-la, e a criatura se debateu descontroladamente, fazendo a montanha tremer e causando um forte terremoto.

Suas centenas de vozes gritaram ao mesmo tempo em dor, com tanta força que suas gargantas sangraram e suas cordas vocais se romperam, fazendo seu sofrimento ser ouvido a quilômetros de distância.

Pela primeira vez desde que fora criada, todas as mentes pensaram e gritaram a mesma coisa.

— SOCORROOOO! — ecoou o grito bizarro da criatura em uníssono, atravessando o mar congelado e até mesmo o mundo de Nergal.

Amaldiçoando o próprio destino, a criatura queimou, deixando para trás apenas cinzas e suas armas bizarras.

Naquele dia, muitos moradores de Báishui e até mesmo das Montanhas Prateadas afirmaram ter escutado uma voz pedindo por ajuda ecoando inúmeras vezes, dando origem a uma lenda sobre uma alma penada vagando pelas montanhas buscando ajuda, sem saber que já estava morta.

Apesar disso, as criaturas do mundo de Nergal continuaram a correr na direção do portal.

Aegreon estava prestes a lutar contra elas, quando foi parado por uma voz.

— Aegreon! Saí daí agora! — gritou Sariel.

O Pilar da Conjuração, sem questionar nem olhar para trás, deu um grande salto e se afastou em uma velocidade surpreendente.

— Vamos lá... — disse Feng Ping.

— Hm — concordou o viajante. — Três, dois, um... LANÇAR!

Em uma sincronia perfeita, ambos arremessaram suas armas contra o portal.

Um rastro de eletricidade cortou o ar e voou até o anel superior, enquanto poderosos ventos dizimou o chão, transformando a rocha em pó conforme avançava até o anel inferior.

Em um piscar de olhos, ambas as armas atingiram os anéis ao mesmo tempo.

No momento seguinte, duas explosões catastróficas se misturaram em uma só. O brilho violeta do elemento Raio se uniu ao branco do Vento, sendo vistos a quilômetros de distância.

Uma forte onda de choque se espalhou pelo mar congelado, rachando o gelo profundamente.

Do topo da montanha, uma esfera violeta e branca surgiu, destruindo quase que completamente o que havia restado do Pico da Garra Gélida, que com certeza deveria ser renomeada após essa batalha.

O vento e os relâmpagos saíram completamente do controle, derrubando qualquer coisa que estivesse acima do nível do mar.

Em apenas alguns segundos, o cenário do extremo norte de Vilon teve sua altitude reduzida e nivelada.

Os aldeões, que no momento já haviam descido da montanha, se assustaram e se encolheram de medo.

Como se não bastasse os tremores, o som dos ventos, relâmpagos e das criaturas, ainda havia aquela poderosa esfera de energia elemental espalhando destruição.

Apesar disso ninguém se feriu na base da montanha.

Já no topo, era impossível para qualquer coisa se afastar daquela explosão a tempo.

Sariel e Feng Ping estavam caídos a vários quilômetros abaixo de onde estavam momentos atrás. Suas roupas estavam rasgadas e queimadas, possuíam ferimentos em vários pontos, mas estavam melhor do que se esperaria.

O viajante se levantou e ofereceu a mão para ajudar o Pilar do Vento a se levantar, que aceito com um sorriso.

Os olhos de Sariel começaram a mudar de cor, abandonando o tom violeta e tornando-se dourado.

— Bem, está feito — disse conforme curava Feng Ping e a si mesmo.

— Sim... Mas isso não deveria ter acontecido — disse o Pilar do Vento. — Falhei em meu dever como Pilar...

— Não se torture pelo que já passou, apenas pense no futuro — respondeu Sariel. — Aliás, onde está Aegreon?

No momento que disse isso, ouviu algumas pedras se movendo e uma figura com chamas roxas queimando seu corpo se levantando.

A condição do Pilar da Conjuração já não estava boa, mas agora, após receber a explosão de dois elementos combinados, seu corpo estava ainda mais ferido.

Sariel e Feng Ping receberam metade do dano, já que cada um tinha a resistência ao próprio elemento, porém, este não era o caso de Aegreon.

O viajante e o Pilar do Vento se aproximaram do Pilar da Conjuração, percebendo que ainda havia pontos onde sua chama o queimava.

— Por que não apaga isso logo antes que fique pior? — perguntou Sariel.

Aegreon o encarou com um olhar enfurecido, mas nada disse.

Usando sua foice, cortou a própria carne — onde a chama não apagava — em tamanhos consideravelmente perigosos, apagando por fim o fogo.

O Pilar da Conjuração respirava pesadamente, contudo, sua postura reta e imponente se mantinha.

— Ainda não consegue controlar seu poder direito? — perguntou Feng Ping.

— O que você acha? — perguntou com um tom pouco amigável.

O Pilar do Vento permaneceu em silêncio.

Não era a primeira vez que presenciava Aegreon lutando com seu poder verdadeiro... e as consequências de usá-lo.

Sempre que precisava usar mais magia, as chamas saiam do seu controle e queimavam sua própria pele, não importando o quanto ele mesmo tentasse apagá-lo.

Esse era o preço a Conjuração. É poderoso o suficiente para superar os outros elementos, mas mesmo os que nascem com este elemento são infligidos pela própria força.

— Conjuração é o único elemento que fere o próprio usuário... — disse Sariel de maneira reflexiva. — Por acaso o Conselho não sabe algo sobre isso?

— Ouvi dizer que Koeus estava conduzindo pesquisas nesse assunto, mas, ou não fez progresso, ou não relatou ao Conselho — disse Feng Ping.

— Deixar todas as pesquisas sob o gerenciamento de uma única pessoa foi uma péssima ideia — disse o viajante conforme se aproximava de Aegreon. — Gostaria de ir para Acrópolis e descobrir o que ele guarda.

— Isso seria impossível, e sabe disso — respondeu o Pilar do Vento.

Sariel não respondeu a esse comentário e se dirigiu a Aegreon.

— Isso aí tá bem feio... e não digo da sua cara — disse o viajante seriamente. — Vou te curar, portanto fique parado.

— Não preciso de sua ajuda... — respondeu o Pilar da Conjuração. — Me deixe em paz.

— Não estou pedindo permissão — disse Sariel. — Acha que Luna vai gostar de te ver assim?

Aegreon estava prestes a retrucar, mas o nome da princesa o deixou um pouco mais cooperativo.

Sem esperar uma resposta, o viajante se aproximou, estendeu suas duas mãos na direção do Pilar da Conjuração, e começou a curá-lo.

O brilho dourado da Proteção tocou gentilmente o corpo de Aegreon, buscando cada ferimento e costurando, reparando e reconstruindo sua carne.

Conforme era curado e a dor passava, a raiva do Pilar da Conjuração começou a diminuir, permitindo-o a pensar calmamente.

Sariel permanecia sério e, por muito pouco, seu olhar deixava transparecer uma preocupação e empatia por Aegreon.

O Pilar da Conjuração manteve seus olhos fixados no rosto do viajante durante os vários minutos que era curado, e sua expressão era misteriosa.

Apesar de tentar esconder o que sentia no momento, Aegreon estava diante das melhores pessoas em perceber e esconder intenções.

— Qual é a sua afinal? — perguntou seriamente. — Por que insiste tanto em me curar?

— Esse poder existe para auxiliar quem necessita de ajuda — respondeu Sariel. — No momento, você é meu aliado, portanto não posso deixá-lo sofrer dessa maneira.

— Você não me conhece — rebateu o Pilar da Conjuração. — Não quero sua ajuda, e já estou acostumado com isso.

— Não te conheço, mas conheço bem a Conjuração... Se faz de durão, mas sei que esses machucados não são pouca coisa — disse o viajante. — E não me importo se não deseja minha ajuda, vou te curar goste ou não, nem que eu tenha que te nocautear antes.

Aegreon permaneceu em silêncio por um tempo com uma expressão confusa e pensativa.

— Por que se importa com isso? — perguntou.

— Não gosto de ver pessoas... boas... sofrendo — respondeu Sariel.

O Pilar da Conjuração soltou um leve e curto riso, como se acabara de escutar uma boa piada.

— Acha que me engana dizendo tais palavras bonitas? — perguntou. — Não acreditava que todos com esse elemento são ruins?

— Você faz parte do Conselho, e ainda tem sua alma, pois posso sentir claramente suas intenções — respondeu o viajante. — Não sei o que aconteceu com você ou o que lhe causa raiva, mas, pelo que fez até agora, não me parece uma pessoa ruim... Apenas não sabe se comunicar direito.

Aquela interação fez Feng Ping se lembrar do passado, de quando Clementius insistia em conversar, se aproximar e curar Aegreon mesmo que ele não quisesse.

Nas batalhas mais duras, o Pilar da Proteção não permitia que o Pilar da Conjuração deixasse o local até que estivesse totalmente curado, chegando até ao ponto de prendê-lo dentro de uma barreira para curá-lo.

Isso tornou Aegreon levemente mais amigável com Clementius se comparado com os outros Pilares, mas ainda falava muito pouco com ele.

Apesar de Sariel não tentar se aproximar do Pilar da Conjuração, o comportamento dele fez Feng Ping se lembrar do Pilar da Proteção, sempre zelando pelo bem-estar das pessoas.

— Não pense que vou confiar em você só por isso — disse Aegreon.

— Também não confio em você, então estamos quites — responde o viajante. — Mas seria muito melhor se parasse de esconder seus objetivos.

O Pilar da Conjuração não respondeu, dando um claro sinal de que não conversaria mais.

O tratamento demorou vários minutos enquanto Feng Ping se mantinha atento aos arredores.

O portal havia sido destruído, mas aquele ainda era um lugar perigoso.

Graças ao seu olhar atento, percebeu buracos estranhos nas rochas, se assemelhando bastante a corredores.

Se aproximando de um deles, reparou que as paredes eram feitas de mármore e havia várias artes esculpidas dos anjos.

— Um santuário? Aqui?


Meu pix para caso queiram me ajudar com uma doação de qualquer valor: 6126634e-9ca5-40e2-8905-95a407f2309a

Servidor do Discordhttps://discord.gg/3pU6s4tfT6



Comentários