O Primeiro Serafim Brasileira

Autor(a): Anosk


Volume 2

Capítulo 83: Não me Deixe Morrer

Assim que a barreira foi destruída, Kromun correu até a direção de Sariel com o corpo emitindo eletricidade.

— Vamos ver quem é mais chocante aqui! HAHAHA! — gritou.

O viajante, entretanto, agiu de maneira totalmente indiferente e encarou o Pilar do Vento.

— Estamos mais expostos agora — disse.

— Entendo. — Sem precisar de mais palavras, Feng Ping imediatamente compreendeu o significado daquela frase.

Ventos poderosos começaram a soprar formando uma espiral ao redor da montanha.

Dos céus, as nuvens pareciam descender lentamente como se tentassem cobrir o local.

Um poderoso tornado, grande o suficiente para cobrir a montanha mais alta do mundo, formou uma espécie de barreira devastadora impedindo ainda mais criaturas de se aproximarem... ou fugissem.

Permanecer no chão era uma tarefa árdua, já que o vento tentava, com todas as forças, tirar tudo do solo.

As criaturas que tentavam passar pelo tornado eram imediatamente arrastadas pela força do vento, cortadas pelo seu soprar afiado e mortas.

Como se não bastasse, relâmpagos violetas começaram a se misturar em meio a esse tornado, iluminando e dando um aspecto ainda mais terrível e magnifico aos ventos.

O equilibro entre os dois elementos não era abalado, um não subjugava o outro, e tal sinergia tornava aquela espiral de ventos e raios ainda mais letal.

Um tornado de Vento e Raio, a mais perfeita junção entre dois poderes da natureza capazes de devastar reinos inteiros e causar catástrofes.

E tudo causado por apenas dois homens.

Kromun tentou resistir à força dos ventos, mas foi puxado do chão como folhas voando em um dia de ventania.

Seu corpo começou a acompanhar o movimento espiral da tormenta, desorientando-o e ferindo-o.

Inúmeros cortes surgiram, o vento mal o permitia abrir os olhos, e sua pele queimava ao ser castigada por incontáveis relâmpagos.

Sua morte estava iminente.

Apesar disso, encarava a situação com um sorriso.

— Magnífico... — dizia com a voz ofegante. — O caos é tão belo...

Logo seu corpo não suportou tantos danos, com sua última visão tomada pelos ventos e raios destruindo sua existência.

Enquanto isso, Luna lutava com dificuldade em meio a tamanha tormenta.

Devido a força dos ventos, seu trabalho de matar foi quase que substituído por ajudar as pessoas a chegar até a proteção de Raymond.

Porém, seu pesadelo ainda não havia acabado.

Criaturas, devotos e enlouquecidos eram arrastados para a morte, mas ainda havia aqueles capazes de resistir e permanecer no chão.

A princesa lutava contra três criaturas ao mesmo tempo enquanto protegia um homem, mas seu desempenho estava gravemente abalado.

A imagem de sua própria estaca perfurando e matando um inocente ainda marcava sua mente e, quando olhava para as próprias mãos, via o sangue daquela pessoa, apesar de seus braços estarem limpos.

Tudo o que aprendera com Sariel havia desaparecido, levando-a a cometer inúmeros erros durante a batalha, se ferindo e falhando em finalizar as criaturas rapidamente.

— SOCORRO! — gritou uma mulher na sua esquerda.

— PAPAI, MAMÃE! — soou a voz de uma criança atrás.

— ALGUÉM ME AJUDA! — suplicou um homem na direita.

Luna olhou na direção dessas vozes rapidamente — esquecendo-se que não precisava olhar já que podia sentir as auras — percebendo inúmeras pessoas sendo atacadas por civis enlouquecidos.

Shiina não estava perto para ajudar, Raymond precisava permanecer no mesmo local para proteger os resgatados, e Sariel, Feng Ping e Aegreon ainda lidavam com o portal.

Mais uma vez, era a única que podia fazer algo.

“Eu não quero fazer isso... PAREM, POR FAVOR!”, desesperou-se enquanto hesitava.

As palavras da assassina ajudaram-na a princípio, mas não eram o suficiente para repetir o ato monstruoso que cometera momentos antes.

“Só pode ser um pesadelo... Não posso matar essas pessoas! Eu não sou assim!”, lágrimas surgiram novamente, embaçando sua visão.

Olhando ao redor, percebeu com dificuldade seus parceiros matando qualquer ameaça, até mesmo as vítimas da loucura.

Raymond lançava seus raios de longe, assassinando com uma expressão dolorosa os devotos de Nergal.

Shiina estava invisível para os oponentes, mas não aos aliados. Sua espada decapitava os inocentes sem hesitação e, devido sua máscara, não era possível ver sua expressão.

Naquele momento, o título de “Raposa Ceifadora” fez total sentido.

Sariel, Aegreon e Feng Ping pareciam ainda mais indiferentes, matando todos com a maior eficiência e sem se demonstrarem afetados pelo que faziam.

“Como conseguem? Não se sentem culpados?”, perguntou-se surpresa ao ver esse novo lado de seus companheiros.

“Todos nós já fizemos isso!”, Luna se lembrou das palavras da assassina. “Todos nós tivemos que matar quem não merecia por causa dessas malditas Seitas!”

Com essas palavras ecoando por sua mente, a princesa reuniu toda sua força de vontade e lançou inúmeras estacas de gelo com precisão baixa e em alta quantidade, acertando e matando aqueles que não mereciam tal destino, derramando ainda mais sangue inocente.

“Me desculpem...”, pensou enquanto se ajoelhava chorando e tapava os ouvidos. “Me desculpem...”

Criava as estacas usando o próprio gelo do ambiente, portanto nem precisava seu próprio poder.

Apesar disso, não mudava o resultado final do que fazia.

Luna fechou os olhos, usando Alteração para detectar as ameaças e matá-las sem que precisasse vê-las.

Tapava os ouvidos na tentativa de bloquear os urros de dor e os suspiros finais daqueles atingidos por suas estacas mortais.

Essa era a única maneira que seria capaz de matar as pobres vítimas do Deus da Loucura, chorando ajoelhada, tapando os ouvidos como uma garotinha com medo do som dos trovões, e sentindo todo o fardo de sua raça se tornar tão pesado quanto o mundo.

— Assassina! — gritavam inúmeras sombras conforme agarravam seu corpo e a forçavam a olhar para elas e a ouvir suas vozes.

— Me desculpem! ME DESCULPEM! — repetia desesperadamente, lutando contra a força daquelas sombras e mantendo seus olhos fechados.

Luna se fechou completamente, pois sabia que sua mente se quebraria completamente se visse ou ouvisse aquelas pessoas assassinadas por ela.

Seu tormento parecia durar uma eternidade, e as gélidas garras daquelas assombrações arranhavam sua pele, arrancavam seus belos cabelos prateados e tentavam expor todos os seus pecados.

A dor era insuportável, contudo, de alguma maneira, foi capaz de manter seus olhos fechados e tampar seus ouvidos.

Sentia sua pele cada vez mais em carne viva, quando a dor e o frio começaram a diminuir subitamente, substituídas por um calor e um toque gentil.

Apesar do sentimento de conforto, ainda temia abrir os olhos e tirar as mãos de seus ouvidos.

Contudo, por mais que tentasse não escutar nada, uma voz longínqua podia ser ouvida.

— Está tudo bem, Luna...

— Não está anda bem! — gritou enquanto as lágrimas insistiam em escapar de seus olhos. — O que eu fiz é imperdoável.

— Você salvou pessoas, se colocou em risco para proteger desconhecidos! Isso não é imperdoável, é admirável. — A voz soou extremamente orgulhosa, calorosa e, de certa forma, triste.

— Raymond...? — perguntou a princesa ao reconhecer a voz.

Ao abrir os olhos, percebeu o guarda-costas abraçando-a com uma força como se temesse perdê-la.

A tempestade continuava, contudo, por algum motivo, todos deixaram suas preocupações de lado por sua causa.

— O que está acontecendo? — perguntou desesperada. — As criatu...

— Nossa luta já acabou — disse o guarda-costas. — O tornado não deixa mais nada se aproximar, e Sariel, Feng Ping e Aegreon estão lidando com o portal.

Ao ouvir isso, Luna percebeu as pessoas olhando-a, acreditando que a odiavam por ter assassinado seus amigos, familiares e companheiros, pôs-se a chorar descontroladamente.

— Me desculpem... — disse entre soluços. — Eu não queria fazer isso.

Muitos permaneceram em silêncio com expressões conflitadas. Alguns até a encaravam com raiva.

— Coitada, é tão jovem e teve de lidar com aquelas aberrações... — disse uma idosa. — Não é à toa que está chorando... Mas agora está tudo bem, querida.

Ao perceber a maneira amigável a idosa se dirigiu a ela, Luna ficou confusa.

— Por que está sendo tão gentil comigo? — perguntou ainda em prantos. — Eu... matei seus amigos... familiares...

— Eu vi o que você fez... — disse a idosa. — Fez de tudo possível para não machucar eles, e só matou quando um de nós estava em perigo... Não foi sua culpa.

Apesar dessas palavras, muitos não concordavam com aquilo e até mesmo a encaravam de maneira hostil.

Luna claramente percebeu isso, fazendo-a se sentir ainda mais culpada.

Foi neste momento que a mulher que a princesa matou se aproximou.

— Minha irmã jamais me mataria... A pessoa que você matou não era ela... — disse com a voz triste. — Minha irmã verdadeira já estava morta.

— Não! Ela podia ser salva... — protestou Luna, recusando-se a ignorar a responsabilidade que carregava.

A mulher, contudo, balançou a cabeça negativamente, se abaixo próximo da princesa e tocou seu ombro.

— Sabe, a princípio eu realmente senti ódio de você por ter tirado minha irmã de mim... — disse em um tom arrependido. — Mas depois que entrei na barreira e vi o que estava acontecendo... Você se colocando em perigo e se ferindo por nós e matando apenas quando estritamente necessário... percebi que estava sendo injusta contigo...

A princesa permaneceu em silêncio e desviando o olhar da mulher diante dela.

— Nem todos aqui serão tão compreensíveis quanto eu... Mas saiba que tem meu total perdão, e se alguém ousar te culpar, irei te defender — disse com convicção e compaixão. — Você é a pessoa mais pura e bondosa que já encontrei... Nunca deixe seu coração mude pelo que acabou de fazer, certo?

A princesa, apesar de surpresa com tamanha empatia e compreensão, apenas balançou afirmativamente com a cabeça.

Percebendo o sofrimento de Luna, Raymond a abraçou ainda mais forte.

— Posso... te abraçar também? — perguntou a mulher hesitantemente.

— Se não se importar... — respondeu a princesa com apreensão.

Ao ouvir aquilo, a mulher abraçou Luna gentilmente e com cuidado para não assustá-la.

Enquanto isso, a luta prosseguia no portal.

Mais e mais criaturas tentavam sair, e os devotos de Nergal tentavam a todo momento recriar o escudo para protegê-lo.

Os Pilares matavam tudo e todos, sem hesitar e sem se importar com aqueles que um dia foram simples pessoas normais que não mereciam aquele destino.

O único que parecia estar se segurando era Sariel, que parecia o tempo todo procurar por alguém.

Seus raios dizimavam qualquer um que vestisse o manto negro das Seitas, e evitava os aldeões.

Conforme lutava, percebeu um homem sendo erguido pelo vento e voando até o tornado.

Aquela pessoa com certeza morreria em pouco tempo e, considerando que estava ao lado do portal, era alguém que deveria morrer.

Apesar disso, o viajante saltou, criando uma cratera onde estava, e agarrou o homem a várias dezenas de metros do chão.

O homem, apesar de estar sendo salvo, tentou atacar o viajante.

— VOGNAR! VUGNAES SREO! AAAH! — gritava enquanto socava Sariel com os punhos cobertos em gelo.

O viajante, sem nenhum esforço, simplesmente nocauteou o homem e pousou pouco depois.

“Sinceramente, Suzuki... Não há mais volta para você, e mesmo assim aqui estou eu buscando salvá-lo... Já não passei por isso vezes o suficiente para ter aprendido minha lição? Por que estou te ajudando?”, perguntava-se.

De fato, Sariel se deparou com inúmeros devotos e tentou incansavelmente curá-los de alguma forma. Porém, não só suas tentativas falharam, como repetir o erro de tentar salvar aquelas pessoas quase custou sua vida.

“Matá-lo e livrá-lo de seu sofrimento seria muito melhor do que buscar uma falsa expectativa e prolongar sua dor...”

A imagem de inúmeras pessoas surgiu em sua mente, todas eram de pessoas que sofreram terrivelmente por terem vendido suas almas aos Deuses da Escuridão, pessoas que tivera de matar apesar de suas mãos se recusarem a obedecer a sua mente.

“Assim como a esperança pode ser a mais poderosa força para superar dificuldades que parecem intermináveis... também é o pior dos males, pois prolonga o tormento do homem”

Chacoalhando a cabeça, Sariel se preparou para matar Suzuki de uma vez por todas.

Como se fosse chamado, um raio voou até sua mão, e o viajante atacou o pobre homem com ele.

Contudo, quando estava prestes a atingi-lo, o rosto preocupado de Luna surgiu em sua mente, fazendo-o parar o golpe.

Com um olhar conflitado, o viajante observou bem Suzuki, se lembrou da hospitalidade dele quando chegou nas Montanhas Prateadas e, por fim, se lembrou dos pedidos sinceros e desesperados de Luna e Yuri.

“Vocês não entendem... Não passaram pelo mesmo que eu... Logo vão entender que salvá-lo só trará mais sofrimento a vocês...”

Apesar de ter hesitado, sua decisão ainda era a mesma.

Preparando-se novamente para matá-lo, o relâmpago se aproximou rapidamente.

Ne me mori facias!”, em usa mente, soou uma voz masculina, desesperada e tão distante que mal podia ser percebida.

Por algum motivo, aquilo despertou um poderoso sentimento de compaixão.

Seu raio parou a centímetros de acertar Suzuki.

Como uma memória longínqua, uma sensação de desconforto, saudade e pesar cresceu e tomou conta de todo seu ser.

Sariel ficou parado, como se tentasse lembrar com mais clareza daquelas palavras.

Onde e quando ouvira aquilo antes? Por que aquela simples frase o abalou tanto?

Quanto mais tentava, mais parecia se distanciar da verdade.

Por fim, o viajante encarou Suzuki com pesar e mudou sua decisão.

Como se repreendesse a si mesmo, o colocou no chão e disse: — Leve-o para Raymond, Shiina.

A assassina, que esteva perto, apesar de invisível, se aproximou.

— Por que está fazendo isso? — perguntou. — Sabe que não pode salvá-lo.

— Não sei... — respondeu o viajante conforme caminhava em direção ao portal, pronto para destruí-lo de uma vez por todas.

— Por que o trata diferente dos outros? — perguntou Shiina, insatisfeita com a resposta de Sariel.

— Diga a todos para se afastarem o máximo possível daqui — disse o viajante logo antes de correr até a barreira e se afastar da assassina em um piscar de olhos.

Shiina, apesar de não aprovar aquilo, carregou Suzuki e o levou para a barreira dourada.


Tradução da frase "Ne me mori facias!": "Não me deixe morrer"

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