O Primeiro Serafim Brasileira

Autor(a): Anosk


Volume 2

Capítulo 111: Berserkir

Com suas armas brilhando nas cores de vários elementos diferentes, os devotos avançaram contra o grupo enquanto gritavam descontroladamente,

— “Como pensei, são berserkir” — disse Leif. — “Entram em um estado de fúria hipnótica quando lutam, e só param quando matam ou morrem”.

Sariel, Aegreon e Feng Ping tomaram a frente, enquanto os outros iriam dar suporte.

— “Eles não têm muita magia sobrando, e Reanimação drena muita energia. Vamos apenas esperar que se cansem para capturá-los” — disse o viajante.

Todos concordaram e se posicionaram perto de cada um dos três.

Um atacou com seu enorme machado contra o viajante, bloqueando o golpe com facilidade e chutando-o para longe.

Uma rachadura se formou no osso, mas pequena demais para representar algum perigo.

Apesar de terem fortalecido seus equipamentos, os três basicamente não haviam elevado em nada seu nível de ameaça.

O único que conseguiram conquistar nisso foi terem se tornado ainda mais lentos.

A luta prosseguia de maneira controlada, com Feng Ping, Sariel e Aegreon limitando-se a bloquear e empurrar os devotos para longe.

Luna mantinha-se concentrada bloqueando qualquer magia lançada que poderia atingir os cavalos na cabana, que no momento tremiam de medo.

A princesa tentava se convencer de que talvez aqueles três poderiam não ser insensíveis quanto aquele que atacou os cavalos, na tentativa de controlar sua raiva.

Estava tão focada nos devotos, que não percebeu o sangue espalhado dos cadáveres mortos se movendo sozinho e se concentrando em vários pontos diferentes, como se estivessem se transformando em algo.

Várias agulhas de sangue da grossura de um fio de cabelo se formaram no ar e miraram nos pobres animais indefesos.

Por muito pouco Leif foi capaz de detectar o ataque e avisar o resto do grupo.

— “Os cava...” — O Jarl estava prestes a dizer, quando uma súbita nevasca se formou ao redor dos cavalos no momento que as agulhas de sangue foram disparadas.

Conforme se aproximaram, congelaram rapidamente em pleno ar e caíram inerte no chão.

Impressionado, Leif encarou Luna, que possuía um olhar focado e levemente irritado.

Ela tentava esconder, se controlar, mas suas intenções não mentiam.

“Está furiosa...”, pensou o Jarl.

De fato, estava. Se não fosse pelas instruções de Sariel, Luna provavelmente já teria finalizado aquela luta muito antes.

“Como pode alguém ser capaz disso... Eles nem podem se defender!”, pensava com uma raiva ardente.

Segurava sua arma com força, como se tentasse evitá-la que atacasse sozinha um dos devotos.

Depois da tentativa de usar o sangue, os três que restaram não puderam fazer muito além de tentar inutilmente atingir Feng Ping, Sariel e Aegreon.

A “batalha” durou alguns minutos, quando o poder mágico dos devotos começou entrar no limite e o brilho de suas armas e armaduras passaram a oscilar e piscar, podendo apagar a qualquer momento.

Apesar disso, os devotos não mostravam sinais de desistência, estavam mais do que dispostos a esgotarem completamente sua magia do que parar.

— “Isso é ruim! Vão esgotar seu poder mágico nesse ritmo!” — disse Leif. — “Se não o pararmos, vão acabar morrendo por falta de magia!”

— Sem problemas — disse Sariel por fora da telepatia. — Aegreon, Feng Ping, comigo!

O viajante avançou contra um devoto que segurava um machado, desviou de um golpe e, com uma agilidade de um felino, realizou uma manobra e imobilizou um deles.

O Pilar da Conjuração e do Vento fizeram o mesmo.

Contudo, mesmo imobilizados, os guerreiros gritavam coisas incompreensíveis e se debatiam.

Ainda mantinham seus equipamentos de ossos ativo.

— Eles não vão parar! — disse Feng Ping. — Temos que fazê-los pararem de usar magia!

— Eu disse que não há problemas — repetiu o viajante com seus olhos contendo um belo brilho prateado.

Em seguida, inúmeras palavras prateadas — como se fossem tatuagens — surgiram do corpo de Sariel e se alastraram pelo devoto que segurava, cobrindo-o totalmente.

Conforme o brilho prateado se intensificava, os equipamentos pararam de brilhar, sua armadura começou a desmontar e o devoto finalmente caiu desacordado.

Sem perder um segundo, fez o mesmo com os outros dois.

— Esses malucos realmente estavam dispostos a se matar... — disse Shiina surpresa.

— Já tivemos que lidar com esse tipo de problema antes — disse Leif. — Mas não esperava que berserkir estivessem ligados com esses desaparecimentos... A maioria deles pertencia à Seita de Elgor.

— Consegue ler a mente deles? — perguntou o viajante para o Jarl. — Não acho que vão nos responder se perguntarmos. Além disso, minha Selagem vai enfraquecer a resistência deles.

— Posso tentar...

Leif se aproximou de um dos homens e se abaixou perto, pronto para tentar invadir sua mente.

Quando estava prestes a tocá-lo, outro que estava logo ao lado se levantou subitamente, pegou sua espada do chão e o atacou.

Porém, Luna surgiu do nada, derrubou o devoto no chão e o imobilizou.

Sua velocidade de reação surpreendeu todos, sem exceção.

— O que diabos está passando por suas cabeças ocas? — perguntou o homem derrubado com dificuldade. — Era pra eu morrer lutando... Não preso como um maldito cachorro!

Ao dizer aquilo, a princesa — inconscientemente — usou ainda mais força, fazendo um crack ressoar alto, sinalizando a quebra de algum osso.

Apesar disso, o devoto apenas bufou e não gritou, já estava mais que acostumado com a dor.

— Luna, acalme-se um pouco — disse Sariel se aproximando dela. — Não deixe a raiva decidir suas ações.

A princesa, ao ouvir aquilo, respirou profundamente e relaxou um pouco.

— Me desculpe... É que eu... não sei o que está acontecendo comigo... — disse com a voz levemente alterada.

— É a primeira vez que se irrita com algo, né? — perguntou Sariel em um tom gentil. — Sei como se sente, também estou com raiva — finalizou com um olhar frio ao devoto caído, que não se abalou.

— Se acham que vão tirar algo de mim, estão muito enganados... haha...

Feng Ping e Aegreon se aproximaram dele e o encararam por um breve momento.

— Feng Ping... — disse o Pilar da Conjuração em um tom frio. — Precisamos de apenas um vivo, certo?

— Não, Aegreon — negou o Pilar do Vento. — Algum deles pode ser o líder.

Ao ouvir aqueles nomes, um sorriso surgiu no rosto do devoto.

— Espera aí... lutamos contra dois Pilares? — perguntou animadamente. — Não esperava que seriam tão covardes! — E logo trocou para um tom de desdém.

— Alguém como você não merece uma morte digna — disse Leif seriamente. — Agora, diga o que fazem e para onde levam as pessoas que capturaram.

— Não está claro? Usamos suas peles como bandeiras, vestimos seus ossos e bebemos seu sangue! — respondeu o devoto com orgulho.

Ao ouvir aquilo, Luna não pôde se controlar e acabou apertando ainda mais sua pegada, fazendo seus dedos afundarem na carne dele e esmagando o osso de seu braço em centenas de pedaços.

Grr... — bufou o devoto, segurando um gemido de dor.

Dessa vez, Sariel não a reprimiu, teria feito o mesmo em seu lugar.

O viajante se aproximou do homem, ajoelhou-se perto dele e, com um tom de voz beirando a psicopatia, disse: — Responda à pergunta.

O devoto permaneceu em silêncio por um breve momento, quase fazendo com que todos acreditassem que ele não cederia.

— Embaixo de Eljudnir... — disse finalmente quase inaudível.

— Eljudnir? — perguntou Shiina.

— É a maior cidade de Helheim... E a mais fria também... — disse Leif. — Mas está muito longe da área dos desaparecimentos, está dizendo a verdade?

— Com reanimação é muito mais fácil carregar cadáveres... — respondeu o devoto em tom de deboche em com um leve sorriso.

Sariel encarou Luna, que mantinha seu olhar furioso e atento no homem, e acenou para ela.

Percebendo o sinal, nocauteou e desmaiou o devoto.

— Veja as memórias dele rapidamente — disse o viajante. — Depois disso podemos matá-lo.

— Certo. — O Jarl se aproximou do homem, tocou sua testa com as mãos brilhando marrom, e permaneceu assim por alguns minutos.

Nesse meio tempo, Sariel e Luna se afastaram juntos enquanto os outros mantinham vigilância nos outros devotos desacordados.

— Se acalmou agora? — perguntou o viajante.

— Um pouco... — respondeu a princesa com incerteza.

Fez-se um breve silêncio, logo sendo quebrado por Luna.

— Nunca me senti assim antes... Feri e matei pessoas sem hesitar... e não me arrependo disso... — disse com a voz levemente trêmula, como se temesse as próprias emoções. — Mas... me sinto mal por isso... sinto como se isso fosse algo que minha... raça... faria...

Percebendo o que estava acontecendo com a princesa, o viajante não pensou duas vezes e a abraçou.

Pega de surpresa, mas logo sentindo conforto nos braços de Sariel, Luna retribuiu o abraço e fechou os olhos.

Por ser mais alto, o viajante olhou para baixo e percebeu o belo e conflitado rosto da princesa.

Apenas alguns meses havia se passado desde que se conheceram e, mesmo que tivesse que admitir que Luna de fato era a mulher mais bela que já havia visto, agora — de alguma maneira — seu rosto gentil, conflitado e suave o fez perceber a quão bela de fato era, tanto por fora quanto por dentro.

Ela fazia jus ao seu nome, com seus belos e longos cabelos brancos como neve, tão macios que nem pareciam se sujar em uma jornada perigosa, seus inocentes e gentis olhos azuis como o céu, e um rosto tão perfeito que parecia ter sido esculpido pela própria Deusa, Luna era, de fato, como a lua.

Sariel a encarou ponderando por um bom momento. Quando esteve em Eribur, sempre lhe diziam como era uma pessoa de coração puro que tentava sempre salvar a todos, sendo até mesmo comparado com Clementius.

Contudo, quando conheceu Luna, acreditou que estava longe de ser puro, seus pecados, e as pessoas que matara injustamente eram prova disso.

Apesar de todo o ódio dirigido a ela, a princesa permaneceu fiel aos seus sentimentos e se voluntariou para morrer no lugar de seu povo.

Parte disso poderia ser imaturidade, mas era inegável que sempre possuía boas intenções.

Porém, após ver a quão irritada ela ficou nessa luta, Sariel finalmente percebeu uma coisa.

— Ninguém é perfeito... Nem mesmo anjos... Somos tão parecidos... — disse reflexivamente.

A princesa ergueu o rosto e seus olhos se depararam com o do viajante.

— O que... quer dizer? — perguntou Luna sem jeito.

— Eu achava que nós dois éramos totalmente diferentes... — disse Sariel. — Apesar de ser um pouco ingênua algumas vezes, acreditei que seria capaz de sentir compaixão com qualquer um... Mas até mesmo você não consegue escapar da raiva...

O viajante desfez o abraço e se afastou um passo.

— Você também sente raiva? — perguntou Luna.

— Mais do que imagina — respondeu o viajante. — Mas, graças à técnica que aprendi, sou capaz de escondê-las.

A princesa permaneceu em silêncio por um breve momento.

Até agora, nunca havia imaginado Sariel se irritando.

Claro, houve alguns momentos que ele definitivamente estava indignado, como no momento que Yaxun a acertou um tapa, ou na batalha no Pico da Garra Gélida, mas nunca acreditou que realmente havia raiva nestes momentos.

No fim, a mesma imagem que Sariel tinha de Luna, ela tinha dele.

Esboçando um leve sorriso e sentindo-se mais leve, a princesa disse: — No fim somos mais parecidos do que imaginávamos...

— De fato. — O viajante retribui o sorriso.

Ambos se encararam por um momento, quando uma brisa soprou, fazendo os cabelos de Luna atrapalharem sua visão.

Virando o rosto contra o vento, viu as montanhas de Helheim, com as luzes de alguns vilarejos e cidades embelezando o local.

Não importava quantas vezes olhasse, sempre se sentia encantada por Yggdrasil... Pelo mundo.

— Como pode ter pessoas desejando destruir isso? — perguntou.

— Talvez apenas aqueles que caem na mais profunda escuridão podem entender — disse Sariel. — Humanos tentando destruir humanos...

— É estranho... — disse Luna pensativa. — Quando olho para aqueles três, vejo humanos, mas...

— Não vejo humanidade... — completou o viajante.

Surpresa, a princesa encarou Sariel com confusão.

— Como pode ter completado minha frase usando as exatas palavras que estava prestes a dizer? — perguntou atônita.

— Você mesma disse, somos mais parecidos do que imaginávamos... — respondeu o viajante com sua voz madura, fazendo Luna se calar.

Ambos se encararam, apreciando a beleza um do outro, como se finalmente notassem algo que estava bem debaixo de seus narizes depois de tanto tempo e observavam os mínimos detalhes para ter certeza de que não deixariam mais nada passar.

Foi neste momento que Shiina apareceu com Raymond e interrompeu o momento.

— Leif confirmou a localização — disse a assassina. — Estamos partindo agora.

— E quanto aos três? — perguntou Sariel.

— Aegreon lidou com eles — disse Raymond. — Não ouviram os gritos deles?

Ambos balançaram a cabeça em negação.

— Bem, se faziam de durões, mas quando Conjuração entrou em cena, viraram meninos se molhando de medo — disse Shiina com certo desprezo.

— Até eu tenho medo desse elemento, por isso raramente uso... — disse Sariel com aversão. — Vamos.

Dito isso, o grupo se reuniu e partiu novamente.


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