Volume 2
Capítulo 105: Ponto Seguro
Cerca do meio-dia dois dias após a batalha, o grupo — enquanto viajava — percebeu uma área cheia de luz em meio à nevoa e escuridão.
A extensão da luz era do tamanho de uma pequena cidade e, conforme se aproximavam, a névoa se tornava cada vez mais fina.
Eventualmente chegaram próximos o suficiente para ver o local: Uma muralha protegia altas construções de madeira e pedra, um grande portão de aço reforçado com pedras de Proteção, soldados parecidos com o Jarl patrulhavam o muro, e várias árvores com um aspecto branco cresciam saudavelmente.
Assim que viram o grupo, os guardas sinalizaram alguém do lado de dentro da cidade e o portão começou a se abrir.
— Entrem rápido! — gritou um homem de longe.
O grupo se apressou e atravessam os portões, que logo se fecharam.
Quando olharam para o interior, se impressionaram com grandes ruas — todas pavimentadas e bem cuidadas — com várias pessoas caminhando por elas, comércio acontecendo a todo o momento, iluminação árvores que criavam uma atmosfera suave e aconchegante.
Aquela cidade parecia realmente possuir um sistema de dia e noite, diferente de todo o resto de Niflheim.
Havia mais pessoas do que esperavam, cada uma concentrada nas mais variadas tarefas: treinando animais, vendendo ou comprando, cortando madeira, cuidando de plantações, construindo, forjando armas e até mesmo disputando jogos variados.
Era um ambiente vivido e animado, bem diferente de qualquer outra coisa naquela região escura e hostil.
— Uau... Bem melhor do que o lado de fora... É até levemente morno aqui dentro... — disse Shiina.
— Aqui é o lugar mais seguro de Niflheim — disse o Jarl. — Está quase na hora da refeição, portanto vamos nos apressar.
— Não podemos simplesmente comer aqui? — perguntou Luna.
— Nós de Yggdrasil gostamos de nos juntar em qualquer ocasião — disse Leif. — Gostamos de contar histórias, jogar, cantar e conversar.
— Neste caso, seria um desperdício perder essa oportunidade — disse Raymond.
— Não seria melhor evitarmos isso? — perguntou Sariel. — Adoraria conhecer melhor seu povo, mas no momento estamos com uma ilusão alterando a aparência de todos, menos Aegreon e Feng Ping. Se houver alguém com elemento Ilusão ou Alteração...
— A Ilusão da garota é muito poderosa, dificilmente alguém verá através dela — disse o Jarl. — E quanto a Alteração, não ligarão muito para isso.
— Ainda não é o suficiente para relaxarmos — disse o viajante conforme fechava os olhos, se concentrava por vários segundos e os abria, revelando seu brilho rosa. — Vou fortalecer a ilusão dela, assim apenas alguém quase tão poderoso quanto um Pilar perceberia.
— Bem, então vamos logo — apressou Luna. — Quero conhecer esse lugar!
— Certo, me sigam. — Leif caminhou na frente, seguindo pelas ruas movimentadas e sendo reconhecido algumas vezes pelo caminho.
Conforme se aproximavam do local, mais e mais congestionado ficava as ruas, até que o grupo pôde avisar uma grande fogueira com cerca de 20 metros de altura, e inúmeras pessoas sentadas ao redor cozinhando carne, apostando em vários tipos de jogos e conversando.
Muitos preparavam a refeição e ofereciam a cada pessoa, sentando-se e imediatamente socializando conforme se alimentavam e bebiam.
O clima era de festividade, quase como se o grupo tivesse chegado no exato dia de algum evento importante, mas aquilo era algo comum e diário.
— Tem um lugar ali — disse Leif apontando para um local com várias pessoas perto. — Vamos.
— Não me parece muito vago — disse Luna.
— Isso que é bom! — disse o Jarl animado. — Vamos poder conversar bastante!
Seguindo Leif, o grupo desviou das inúmeras pessoas e se sentaram em um lugar apertado.
Logo que se sentaram, as pessoas ao redor os perceberam e estavam prestes a falar com eles, mas o Leif foi o primeiro a tomar iniciativa.
— A quanto tempo, Jarl Jurgen — disse para um homem alto e com barba e cabelos castanhos.
— Jarl Leif! É um prazer vê-lo aqui! — disse o homem animado. — E com companhia especial! É um prazer, meu nome é Jurgen. Sou o Jarl de Isaz, essa cidade segura que estão agora.
— Agradecemos a hospitalidade — disse Sariel. — Me chamo Louis, é um prazer.
— Me chamo Klaus — disse Raymond. — É um prazer estar aqui.
— Urash — disse Shiina curtamente. — Prazer em conhecê-los.
— Me chamem de Stella — disse Luna educadamente.
— Ora, são todos visitantes de lugares bem distantes — disse um homem conforme mordiscava um pedaço de carne. — Que histórias podem nos contar de onde vem?
— Na verdade, já que eles são os convidados, por que nós não contamos sobre nosso reino? — sugeriu Leif.
— Tem razão... Que tal falarmos sobre a lenda do nascimento da Árvore do Mundo? — perguntou uma mulher alta enquanto bebia hidromel.
— Certo! Mas antes, tomem aqui um pouco da nossa comida — Jurgen entregou algumas das carnes e frutas que seu grupo de amigos possuía ao grupo. — Muito bem, vamos começar...
Há muito tempo, antes mesmo do nascimento da humanidade, aqui, neste exato lugar, viviam dois seres divinos opostos um ao outro.
Um deles se chamava Ymir, o gigante do gelo, que habitava a região mais ao norte de Yggdrasil. Devido ao seu poder divino, toda a região conhecida como o Pico da Garra Gélida se tornou totalmente coberta com gelo, mas o local que frequentava era exatamente em Niflheim, na fronteira com as Montanhas Prateadas.
Ymir, mesmo com um poder de gelo avassalador, foi aquele quem criou os primeiros humanos, nós, o povo de Yggdrasil.
Já o outro ser se chamava Surt, o gigante de fogo.
Surt era como um vulcão ambulante, por onde passava a terra se tornava cinza e as folhas queimavam. Nada podia viver perto dele e isso o deixava extremamente irritado com o sucesso de Ymir.
Para Surt, o fato de ambos serem parecidos, mas um conseguir criar vida era uma afronta, por mais que o próprio Ymir tentasse ajudá-lo.
Eventualmente, sua frustação e raiva explodiram e Surt atacou Ymir, começando assim uma guerra devastadora.
Ambos eram igualmente poderosos, portanto, após um tempo incalculável, ambos mataram um ao outro nessa batalha devastadora que matou muitos dos filhos de Ymir.
Seus corpos continuaram por milênios no mesmo lugar e, mesmo que mortos, o poder oposto de seus cadáveres se uniu, tornando a terra onde viviam extremamente fértil e apropriada para a humanidade.
O fogo de Surt derreteu o gelo de Ymir, formando os rios e oceanos, e o broto de uma árvore mágica surgiu bem na região onde o sangue de ambos os seres derramou e penetrou fundo na terra, crescendo tanto que a copa atinge hoje mais de 15 quilômetros de altura.
Com o sangue nutrindo a árvore, novas terras se formaram, nascendo assim Nidavellir, nas raízes de Yggdrasil; Muspelheim, o reino de fogo, e Helheim, o reino de gelo, onde os cadáveres de ambos os gigantes descansam; Alfheim, a grande floresta na base da Árvore; Niflheim, o reino da névoa; Midgard, a morada para todos os seres; Vanaheim e Asgard, a morada dos descendentes diretos de Ymir; e por fim, Jotunheim, o reino das montanhas no topo da árvore.
O grupo todo escutava com bastante atenção enquanto comiam. Estavam tão imersos na voz profunda e hipnótica de Jurgen que nem perceberam a passagem do tempo.
Suas palavras ressoavam em meio às dezenas de outras, como se a própria história tivesse um poder de suprimir qualquer perturbação alheia apenas por ser contada.
Quando a história terminou, Luna foi a primeira a falar, ainda curiosa sobre os contos do povo de Niflheim.
— Então vocês não acreditam em Kura? — perguntou.
— Acreditamos, mas não achamos que foi ela quem nos criou — respondeu Leif. — Se fosse o caso, a guerra não teria acontecido.
— Existem muitas criaturas poderosas em Yggdrasil além de nós — disse Jurgen. — Até mesmo as mulheres e crianças aprendem a caçar e lutar desde pequenos.
— De fato, no caminho para cá nos deparamos com Draugrs e uma criatura bem forte. — respondeu Sariel.
— Oh, pode nos contar mais sobre isso? — perguntou uma mulher alta e animada.
Acatando ao pedido, o grupo contou com detalhes da batalha que tiveram alguns dias atrás, principalmente sobre a criatura invisível e Shiina.
Enquanto o povo ouvia, faziam questão de mostrar sua surpresa e interesse por histórias de batalhas, suspirando, espantando-se e clamando como se estivessem presentes no momento.
Depois da história ser contada, aqueles ao redor aplaudiram e parabenizaram a assassina.
— Parabéns, Urash! — disseram. — Foi um feito e tanto!
— Tenho certeza de que Leif morreria se fosse ele em seu lugar — comentou outro guerreiro.
— Nesse caso, então devem concordar comigo que aquela criatura valia por centenas de Draugrs, certo? — disse Shiina.
— Sim, de fato!
— Espera aí, mocinha — disse Raymond. — Não vá tentar mudar o resultado da aposta.
— Aposta? — perguntaram as pessoas curiosas.
Quando Leif explicou sobre a disputa e a decisão do grupo, todos imediatamente defenderam o Jarl.
— Ele está certo, ainda era uma criatura só!
— Só vale um ponto!
Percebendo que sua tentativa final de mudar o resultado da aposta fora em vão, os olhos de Shiina perderam o brilho e seu sorriso se desfez instantaneamente.
Percebendo aquilo, ninguém se conteve e as pessoas riram alto, apesar de ainda darem um crédito a assassina pelo seu feito.
— Veja pelo lado bom, a história de sua batalha contra o Dreik vale muito mais do que a aposta! — disse Jurgen. — Todos nós vamos compartilhar isso em ocasiões como essa, portanto se tornará uma espécie de lenda!
— Bem, neste caso acho que tem razão...
Depois disso, o grupo continuou comendo, ouvindo e contando histórias com o povo de Niflheim, fazendo-os se sentirem em casa perante tanta hospitalidade.
Após cerca de duas horas, o grupo finalmente se levantou para se hospedarem em algum lugar.
— Ah, sabemos que seus ferimentos já estão curados, mas deveriam aparecer nesse mesmo local de noite — disse o Jarl Jurgen. — Não apenas seus corpos, mas sentirão suas mentes muito mais leves.
— Tem razão, me certificarei de que eles comparecerão hoje a noite — disse Leif. — Até breve.
O grupo se afastou do local e caminhou pelas ruas em direção a uma grande construção com cerca de três andares.
— O que vai acontecer hoje a noite? — perguntou Sariel.
— Cantar e curar — disse o Jarl.
— Só isso? — perguntou Shiina.
— Acreditem, vão sentir algo que jamais experienciaram se comparecerem — disse Leif. — Não vão querer perder isso.
— Bem, eu gostaria de ver, não temos nada a perder — disse Luna curiosa e ansiosa para aprender ainda mais os costumes daquele povo tão diferente.
— Sim, me diverti bastante hoje — disse Raymond. — Já faz um bom tempo que não nos sentíamos livres para conversar com muitas pessoas, por isso gostaria de ver seja lá o que for acontecer hoje.
— Então está decidido — disse o Jarl. — Os avisarei quando chegar a hora.
Dito isso, o grupo chegou até a construção e deixaram seus cavalos sob os cuidados dos trabalhadores do local.
— Pode descansar, amigo — disse o viajante abraçando Su-en e acariciando-o. — Será uma noite sem perigos.
O cavalo de Sariel relinchou sutilmente, e usou sua cabeça para se esfregar nele.
Percebendo aquilo, Luna não pode segurar seu sorriso e se aproximar dos dois.
— Vocês realmente são muito próximos — disse. — Até tenho um pouco de inveja por causa de Chinhej...
— Nós nos conhecemos a muito mais tempo — respondeu o viajante. — Além disso, tenho certeza de que Chinej gosta de você da mesma maneira.
Ao ouvir isso, a princesa percebeu seu cavalo se aproximando por trás e empurrando-a gentilmente com a cabeça.
Luna logo fez carinho nele, que pareceu ficar feliz com o gesto.
— Me desculpe por não poder dar tanta atenção a você... — disse. — Entendo se não gostar tanto de mim...
Chinhej relinchou suavemente, como se negasse o que a princesa acabara de dizer, e esfregou sua cabeça gentilmente contra o rosto dela.
Vendo aquilo, o viajante sorriu e disse: — Viu? Ele gosta de você tanto quanto eu ou os outros.
Luna apenas sorriu e permaneceu em silêncio por um momento.
Depois do resto do grupo levar suas coisas para dentro, o viajante e a princesa se despediram de seus cavalos e entraram.
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