O Primeiro Serafim Brasileira

Autor(a): Anosk


Volume 1

Capítulo 6: Uma Nevasca Imparável

Após horas viajando, o grupo finalmente chegou na fronteira de Fordurn com K’ak’ Witz.

Uma densa floresta se erguia logo adiante do grupo e nada podia ser visto de tão pesada a sua vegetação, exceto a grande montanha de K’ak’ a quilômetros de distância.

— Vamos continuar, em breve pararemos para dormir — disse Aegreon.

O grupo então adentrou a floresta seguindo uma estrada que estava bem cuidada. Apesar de poucos turistas serem permitidos em K’ak’, o comércio e visitas diplomáticas eram constantes.

Seguiram por mais algumas horas até que Aegreon decidiu parar e montar acampamento em uma pequena caverna fora da estrada.

— São cerca de uma e meia da madrugada, não dormiremos muito essa noite — disse Raymond.

— Ficarei de guarda no primeiro turno. — Sariel se preparou para manter vigia.

Luna foi a primeira a se deitar. Achava que teria problemas para dormir, pois estava acostumada a uma grande e aconchegante cama, contudo o cansaço de ter viajado por horas a fez adormecer quase instantaneamente.

— Bem, então também irei dormir. Podem me olhar o quanto quiserem... — provocou Shiina e encarando Raymond. — Mas se quiserem fazer algo, podemos procurar um lugar privado para nos divertir...

— Ficarei acordado também. — Raymond ignorou as provocações da assassina.

— Não, você deve dormir — disse o viajante.

— Se acha que baixarei minha guarda desta maneira, então você está muito enganado. Ficarei acordado até chegarmos em K’ak’.

— Até lá você já desmaiou de exaustão. Já não dorme há duas semanas, certo?

— Como você sabe sobre isso?

— Sério mesmo? Basta olhar essas suas olheiras, você tenta escondê-las, mas vejo-as perfeitamente, parece até um cadaver erguido com magia de Reanimação. Além disso, seu corpo está usando mais poder mágico que o normal, é bem obvio que você está usando sua magia para manter-se acordado. Está claro que seu desempenho já está tão afetado que não é nem capaz de apanhar um simples ladrão.

— Mas ainda ficarei acordado. Não dormirei com vocês dois por perto.

— Neste momento é tão útil quanto sua armadura. Do jeito que está exausto, não conseguirá proteger Luna nem mesmo de Shiina, quanto menos de mim ou Aegreon. Vá repousar, um cadáver ambulante não protegerá ninguém.

Raymond pensou em retrucar, no entanto, apesar de ter se irritado, sabia que Sariel tinha razão. Por isso, decidiu engolir seu orgulho e dormir.

Planejava ficar atento por algum tempo para ter certeza de que ambos não tentariam nada, contudo apagou no momento que fechou seus olhos.

O viajante e o Pilar ficaram ambos em guarda enquanto se vigiavam. No fim, ambos permaneceram acordados a noite inteira enquanto travavam uma batalha de olhares.

Próximo das seis horas da manhã, ambos acordaram todos.

O guarda-costas acordou em um pulo procurando pela princesa. Depois que viu que ela estava bem, suspirou e, em seguida, praguejou internamente quando percebeu que havia dormido a noite toda.

Já Shiina, acordou rapidamente e estava pronta para partir. Apenas Luna teve dificuldade em acordar.

— Está na hora de acordar, princesa adormecida — disse Sariel com uma voz suave.

— Hm? Pai...? — A voz que o viajante usou fora tão suave e gentil que Luna, ainda meio adormecida, o confundiu com seu pai.

— Pai!? Não estou pronto para essa responsabilidade ainda, haha!

— Ah, Sariel! Me desculpe! Achei que... meu pai... — O rosto de Luna adquiria uma tonalidade avermelhada conforme percebia o engano que cometeu. — É que... meu pai, ele... costumava me chamar dessa maneira quando me acordava... Desculpe por isso!

— Hahaha! Não precisa se envergonhar. Peço desculpas por isso, não farei novamente, exceto se quiser que eu continue. — Sariel brincou em um tom jocoso e desprovido malícia.

— Pare de insultar Sua Alte... Luna dessa maneira! 

— Por Kura! Você é muito estressado! Conviver contigo deve ser terrível! — disse Sariel em um tom dramático. — Agora sei por que a Vigília decidiu esperar tanto, lidar com sua personalidade seria um tremendo desafio!

— É melhor medir suas palavras!

— Chega disso vocês dois! — disse a princesa. — Raymond, você precisa relaxar um pouco, e Sariel, evite de irritar Raymond, por favor.

— Está bem... mas saiba que estresse não é saudável.

— Hmpf!

Raymond se afastou do viajante e permaneceu ao lado de Luna, enquanto Aegreon acendia uma fogueira e se preparava para cozinhar o café da manhã.

— Vou aproveitar que estamos em uma floresta e irei coletar alguns ingredientes para meus venenos — disse Shiina.

— Nesse caso irei com você — disse Sariel.

— E você tem algum conhecimento nessa área?

— Digamos que sim.

— Bem, então vamos.

Ambos se afastaram do grupo, enquanto Raymond os observava partirem.

“Esses três devem estar juntos, aquele impasse que tiveram ontem deve ter sido apenas atuação. Parece que não querem matar a Alteza, poderiam ter feito isso antes, mas o que querem então?”

O guarda-costas continuou considerando as possibilidades, entretanto nenhuma delas parecia correta.

 

***

 

Depois de caminharem por algum tempo, Sariel e Shiina encontraram um local com vários ingredientes e começaram a coletá-los.

A assassina percebeu que o viajante tomava cuidado com qualquer ingrediente venenoso, demonstrando que realmente tinha conhecimento nessa área.

— Por acaso você é das Montanhas Prateadas? — perguntou Sariel.

— Sim, mas já faz um bom tempo que não vou para lá.

— Por causa do Pilar do Vento?

— Parcialmente por isso. Ele não aprecia muito minha presença, portanto me mantenho longe dele. — Shiina parecia ter algum desconforto sobre esse assunto. — E quanto a você? De onde vêm?

— Eribur.

— É bem longe daqui, não se sente sozinho estando tão longe de casa? 

— Não muito, afinal, posso sempre contar com Raymond para me entreter.

— Haha, entendo... ele realmente é uma graça quando irritado. Mas por que está tão longe de seu lar?

— As notícias sobre Luna chegaram ao meu reino, então decidi deixar Eribur para tentar ajudá-la com o problema com Ardos. — Sariel ficou de costas para Shiina enquanto coletava alguns cogumelos em uma árvore.

“Tem sorte que Aegreon quer protegê-la, caso contrário teria chegado em Fordurn com ela já morta” Shiina sorriu suavemente.

— Por que está sorrindo?

— O quê!? — Mesmo sem olhar para trás, ele havia percebido o sorriso de Shiina. — Como vo...

— Ah sim, por causa de seu contrato certo?

Após ouvir isso, a assassina agiu rapidamente, sacou sua espada curta e atacou o viajante pelas costas, mirando o pescoço.

Tudo ocorreu em um piscar de olhos, e sua lâmina estava no meio do trajeto para cortar a cabeça dele.

Porém ele sacou sua própria espada de seu cinto e bloqueou o ataque, sem nem olhar para trás.

Shiina se assustou com a velocidade dele e deu um salto para trás, criando uma distância entre ambos.

“Como? Mesmo se estivesse de frente teria sido difícil parar meu golpe, mas ele fez isso de costas ainda.”

A assassina estava em alerta máximo enquanto observava o viajante.

Ele então se virou devagar e disse: — Saiba que eu estava há vários dias em Fordurn antes de sua chegada, até a vi chegando e me perguntei se não deveria dar-lhe as boas-vindas. Sorte sua que decidiu abandonar seu contrato, caso contrário essa teria sido sua primeira falha.

— Como você sabe sobre meu contrato? — Shiina perguntou em um tom sério, pois ninguém além de Ardos, Clementius e Aegreon deveriam saber sobre isso.

— Digamos que um passarinho me contou. 

— ME RESPONDA!

Sariel sorriu e então disse: — Ouvi sua conversa com Aegreon. Aliás, vocês têm um passado certo? O que pode me dizer sobre ele?

— Impossível! Poucos conseguem passar despercebidos por Aegreon. Nem mesmo eu que aprendi com ele! 

— Tem certeza disso? — O viajante lhe lançou um olhar misterioso.

“Impossível... ele tem que estar mentindo! Apenas um Pilar seria capaz de esconder sua presença de Aegreon. Como Sariel fez isso se seu Elemento principal nem é Ilusão?”

O viajante continuou sorrindo e olhando com curiosidade para a assassina, entretanto isso apenas a fazia se sentir mais desconfortável, com  sua mão começando a suar frio, sentindo que havia algo de errado.

Tsk! Por que diabos estou tremendo? Fui treinada para matar! Não permitirei que esse desgraçado viva! Ainda mais agora que meu contrato foi exposto!”

Shiina avançou na direção de Sariel com sua espada em mãos e tentou um corte horizontal baixo, mirando seu intestino, no entanto ele a bloqueou com sua espada sem nenhum problema.

Em seguida, a assassina usou sua mão livre e socou mirando abaixo do pulmão do viajante. Quando estava perto o suficiente, uma lâmina secreta estendeu-se de seu pulso.

Porém ele agarrou a lâmina afiada com sua mão nua.

“O quê?!”

— Uma lâmina envenenada, huh? — O viajante, de alguma maneira, foi capaz de sentir o cheiro, que deveria ser imperceptível, do veneno. — Você realmente achou que me surpreenderia com lâminas escondidas e veneno logo depois de ter mencionado que iria coletar ingredientes para venenos?

Shiina tentou dar uma joelhada de baixo para cima, com outra lâmina escondida aparecendo em seu joelho para perfurar o pescoço dele.

Sariel se abaixou tão rapidamente que tudo que a assassina viu foi apenas um borrão desaparecendo de seu campo de visão para, em seguida, sentir a queda resultante de uma rasteira.

Enquanto caia, usou Magia de Vento para criar ventos embaixo de seu corpo e jogá-la para cima no ar. Então, ainda no alto, cobriu sua espada com vento e desferiu um golpe descendente na direção do viajante.

Havia concentrado tanto de sua magia, que era como se tivesse prendido uma forte ventania em sua lâmina, tanto que havia um som ensurdecedor de vendaval no local.

Este ataque certamente teria atingido Sariel. Mesmo se ele tentasse bloquear com a espada, o aço teria sido cortado facilmente devido a Magia de Vento.

Porém ele fez o mesmo. Cobriu sua espada com Magia de Gelo e parou o golpe que, no impacto entre os dois elementos, criou uma brisa gelada que soprou pelo local.

“Ainda tem mais!” A assassina preparou outro ataque.

Shiina conjurou em sua outra mão uma lâmina feita inteiramente de Magia de Vento — moldando a própria ventania em uma espada —, fazendo seu cabelo chacoalhar furiosamente devido ao vento.

Em seguida, atacou Sariel, que respondeu da mesma maneira: criando uma espada de gelo e parando o golpe.

O encontro das duas magias foi tão intenso que resultou em um forte vento congelante, dobrando e quase derrubando algumas árvores por perto, além de congelar a área ao redor.

A assassina tentou chutá-lo, e dessa vez usou seu poder do vento para envolver sua perna e aumentar a força do golpe. Com aquele poder, seria capaz de deformar aço como se fosse papel.

Contudo uma explosão repentina jogou Shiina para longe, que bateu as costas contra uma árvore.

— O que... foi isso? — Aquilo aconteceu tão rapidamente, que ela nem pôde ver o que a arremessou.

Ao olhar novamente para Sariel, encontrou sua resposta.

O viajante estava cercado por uma forte nevasca com cerca de 3 metros de raio. A forçados ventos era tão forte, que as árvores ao redor eram arrancadas com suas raízes intactas, e alguns fragmentos de gelo afiados atingiam as árvores com tanta poder que deixava marcas profundas de corte na madeira.

— Você luta bem, mas não pode me derrotar. — Sariel sorriu confiantemente. A temperatura havia caído ao ponto de rivalizar um dia de inverno.

“Tsc, achei que poderia derrotá-lo pela força, mas terei de usar minha especialidade”

A assassina colocou sua máscara, todo seu corpo foi começou a ser consumido pela escuridão, então desapareceu, tornando-se completamente invisível.

— Ora, ora. Agora vamos brincar de esconde-esconde? 

Sariel desfez sua nevasca e procurou ao seu redor, aparentemente tentando ouvir qualquer som ou ver alguma movimentação suspeita.

— Deve estar bem desesperada para usar uma magia dessas depois de ter sido vista...

O viajante continuou procurando, porém nenhum som podia ser ouvido.

— Você é muito boa com Magia de Ilusão... Mas lembra-se do que Aegreon disse?

Silêncio...

— “Já é o suficiente para assassinar um soldado da Vigília...”

Silêncio...

— Mas “ainda lhe falta muito” ... Para alguém no nível do Conselho! — Sariel virou-se subitamente e agarrou algo invisível no ar. Ele então apertou sua pegada e o objeto invisível tornou-se aparente, revelando a assassina sendo agarrada pelo pescoço e suspensa no ar.

Shiina tentou se soltar. A princípio, tentando afrouxar a mão do viajante, porém era como se tivesse um grilhão de diamante preso em seu pescoço.

Como usar a força falhou, tentou perfurar o viajante com suas lâminas, entretanto a lâmina apenas danificou as roupas, enquanto nem mesmo a pele dele fora arranhada, era como se estivesse tentando perfurar uma bigorna usando uma faca cega de cozinha.

Sua consciência estava se esvaindo conforme era impedida de respirar, por isso, em um ato de desespero, tentou novamente usar sua força para afrouxar a mão do viajante, nem que fosse apenas um milímetro para conseguir respirar.

Contudo era impossível superar aquela força monstruosa.

A assassina estava prestes a perder sua consciência, quando Sariel a arremessou para longe. Shiina colidiu em uma árvore com força o suficiente para a madeira ser destruída em uma nuvem de serragem e, quando caiu, permaneceu no chão enquanto inspirava desesperadamente por ar. Seus pulmões encheram-se do doce oxigênio, e sua visão começou a clarear.

— Vamos voltar, os outros devem estar nos esperando. — O viajante deu as costas para ela e começou a retornar ao acampamento como se nada tivesse acontecido.

Shiina pensou em atacá-lo novamente, mas desistiu, pois sabia que jamais seria capaz de atingi-lo e, mesmo se um golpe o atingisse, não seria o suficiente para feri-lo.

— Maldito! Cof! Cof! Como ousa interromper esta batalha e me deixar como se nada tivesse acontecido!? Desgraçado! Termine o que começou! 

— Pare de drama e vamos logo. —  O viajante agiu como se lidasse com uma criança mimada. — E não esqueça dos seus ingredientes.

“Desgraçado! Farei questão de afoagá-lo em seu próprio sangue!”

Shiina se recompôs e tentou conter sua raiva o máximo que conseguia, então caminhou de volta ao acampamento.

Quando retornaram, Aegreon os percebeu e perguntou: — Aconteceu algo?

— Não — respondeu Shiina de maneira seca.

O Pilar continuou observando ambos de maneira estranha, porém não disse mais nada.

— Ah, Sariel, o desjejum está pronto — disse Luna oferecendo um prato ao viajante.

— Obrigado. — Sariel sorriu para ela.

O grupo então comeu suas refeições rapidamente e se prepararam para seguir viagem.

Sariel, mais uma vez, fez uma reverencia exagerada quando se ofereceu para ajudar Luna a montar seu cavalo.

— Ah... Agradeço, mas não precisa me ajudar.

— Então quer dizer que você está descartando minha ajuda? — O tom de voz do viajante soou ressentido.

— Não! Não foi o que...

— Haha! Relaxa, era brincadeira. Mas sabe, estou apenas me certificando que você não acabe caindo e se machucando.

— Não se preocupe com isso. Sei que sou baixa, mas consigo fazer isso sem ajuda.

— Tudo bem então.

Luna deu um impulso e subiu no animal de maneira desajeitada e desequilibrou um pouco, mas conseguiu subir sem cair.

O viajante montou o cavalo logo em seguida, e a princesa se segurou nele pela cintura, mas não muito firme.

— Sabe, é melhor se você se segurar mais firme. Estamos fora da estrada, então o chão é um pouco irregular.

— Não tem problema?

— Haha! Claro que não! Pode ficar tranquila, eu não mordo.

— Ok. — A princesa então segurou-se com mais firmeza.

— Vamos logo — apressou Aegreon conforme encarava Sariel ameaçadoramente.

O grupo então partiu mais uma vez.


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