O Primeiro Serafim Brasileira

Autor(a): Anosk


Volume 1

Capítulo 59: Profecia

Sariel se lembrou de quando estava em seu reino natal.

***

Eu ainda estava em Eribur, quando as notícias sobre Luna chegaram.

Decidi deixar o reino na semana seguinte para descobrir mais sobre este rumor, mas naquela noite tive um sonho, ou melhor, uma mensagem.

Estava dormindo tranquilamente, quando minha consciência foi arrancada subitamente do meu domínio. Tentei resistir, mas a força com que fui arrancado era tremenda, muito maior do que qualquer humano ou anjo seria capaz.

Quando me dei por mim, estava em um local infinito e totalmente branco, um reino dos sonhos diferente do meu. Havia sido sequestrado, entretanto não sentia perigo, pelo contrário, aquele lugar era pacífico como o paraíso.

Procurei ao redor curioso, afinal minha consciência havia sido sequestrada, quando ouvi uma voz feminina poderosa, gentil e vindo de todo o lugar se comunicar comigo.

— Acalme-se, Sariel. Estás seguro aqui.

— Quem é você? — perguntei.

— Vós, meus filhos, chamam-me de Kura.

— Ku-Kura?

— Vire-se.

Quando me virei, me deparei com uma silhueta feminina humana branca, totalmente coberta em luz. Sua luz era tão pura, que se sobressaia mesmo naquele ambiente claro, e uma sensação de paz constante vinha dela.

Por um momento, esqueci completamente de agir. Aquela luz confortável, aquela voz calorosa e a sensação de paz me fez querer permanecer ali para sempre.

— Ah... Vossa Onipotência, perdoe-me pelo meu silêncio. Vossa presença deixou-me perplexo.

— Estás deveras calmo considerando que sabe quem sou.

— Como deves saber, já estive em situações bem únicas em minha vida. Apesar de vossa presença não chegar nem perto de qualquer uma de minhas experiencias.

— Lisonjeia-me, contudo, minha visão e sabedoria não são ilimitadas.

A Deusa permaneceu em pé aguardando por minhas palavras. Apesar de estar vendo apenas uma silhueta branca, percebi que sua forma era simétrica e perfeitamente construída, e quase podia sentir um sorriso em seu rosto, apesar de a existir nenhuma feição facial.

— Por qual motivo Vossa Onipotência agracia-me com vossa presença?

— Apenas Kura é o suficiente. E quanto ao motivo, vim avisá-lo.

— Avisar-me?

— Se não deixar Eribur hoje e partir para Fordurn, um futuro terrível cairá sobre a humanidade e os anjos.

Lembro-me claramente de ficar sem reação ao ouvir aquilo. Sabia que era real e que realmente era a Deusa em pessoa, pois o que estava acontecendo era bem parecido com relatos de outras aparições anteriores, mas saber que meu destino estava atrelado ao futuro dessas duas raças... simplesmente era muito para processar.

— O que... quer dizer?

— Infelizmente não posso fornecer mais detalhes.

Kura permaneceu em silêncio após isso. Tentei pensar em outras perguntas para fazer, mas pela resposta que ela me deu — e considerando os encontros anteriores — soube que se ela não diria mais nada, então nenhuma de minhas perguntas seriam respondidas.

Entretanto, havia uma que me deixou curioso e não podia deixar de fazer. Mesmo achando que não seria respondido, decidi fazê-la.

— Por que me chamou de Sariel?

— ... Este é vosso verdadeiro nome.

Uma resposta curta, direta e sem mais detalhes. Sabia que não obteria mais nenhuma informação, portanto decidi não tomar mais do tempo dela.

— Compreendo, agradeço por agraciar-me com vossa presença, Kura.

— Tome cuidado, sua jornada será longa e repleta de perigos.

Depois disso, senti toda a luz dela se espalhando por todo o ambiente, cegando-me temporariamente mesmo estando em um sonho, e acordei no meio da noite em um pulo.

Naquela mesma noite me organizei e deixei Eribur, deixando apenas uma carta de despedida para meus pais.

 

***

 

Feykron ouvia tudo com atenção e, quando o viajante terminou sua história, suspirou profundamente.

— Espere, por que nunca me disse isso antes? — perguntou Luna, indignada pelo viajante ter escondido algo tão importante esse tempo todo.

— Apenas julguei que seria melhor manter isso em segredo! — respondeu o viajante. — Às vezes, a ignorância pode ser uma benção.

— Por acaso esconde algo mais? — perguntou a princesa irritada. — Escondeu sobre ser um volátil, e agora sobre Kura! O que mais não nos diz?

— Acalmem-se — disse o dragão. — Sariel fez a escolha correta ao esconder tais informações.

— Mas por quê? — perguntou Luna.

Feykron olhou profundamente nos olhos do viajante e disse: — Kura o reconheceu como Sariel, mas não disse o porquê de este ser seu nome.

— Um motivo que tu sabes — disse o viajante impacientemente. — Por que não me conta logo?

— Se Kura julgou melhor não dizer nada, então creio que não cabe a mim dizer isso a ti — respondeu o dragão.

— Mas você é um mortal, e não Kura — replicou Sariel. — E se algo terrível acontecer por eu não saber tal informação? E se Kura não me disse nada por que sabia que nos encontraríamos aqui?

Feykron suspirou profundamente e permaneceu em silêncio por um bom tempo conforme ponderava.

“Se Kura não quis revelar o motivo dele se chamar desta maneira, então não deve ser minha responsabilidade contá-lo. Ele deve descobrir sozinho”, pensou.

“Entretanto, é o direito dele saber disso... Ahh... Kura... Ouroboros... O que devo fazer? Enviaste ele até mim para que eu revelasse sua identidade?”

Um conflito interno ocorria na mente de Feykron, até que ele enfim tomou uma decisão.

— Lembra-se do que eu lhes contei sobre os Primeiros Anjos?

Ambos Sariel e Luna concordaram.

— Os Primeiros Anjos, assim como Kura, possuíam o poder da Luz, também chamado por eles como o poder da Criação. A diferença entre a luz de um Semideus e um Deus é claramente grande, mas ambos possuem uma habilidade divina muito importante.

O dragão permaneceu em silêncio por alguns segundos antes de continuar, deixando o viajante e a princesa nervosos.

— E este poder é ver o futuro — disse em um tom profundo.

— Ver o futuro? — os dois perguntaram ao mesmo tempo.

— Exato. Kura pode ver mais longe e com melhor detalhes já que é uma Deusa, mas os Primeiros Anjos tiveram uma visão relacionada com o futuro de Maon e Vilon... — Feykron pausou novamente.

[Um descendente de anjos surgiria e definiria o destino de toda a vida criada por Kura. Após viajar o mundo, conhecer a história de todas as raças, e contemplar... Este humano julgaria tudo e todos, decidindo em poupar e perdoar os pecados causados por todos os seres... ou sentenciar à morte toda a vida por seus crimes e eliminar todas as criações de Kura...]

[Este humano pode manipular qualquer elemento, e com tal poder exerceria sua palavra, sua LEI.]

— E o nome deste humano... é Sariel! — Finalizou Feykron em uma voz estrondosa.

O nome Sariel ecoou pela sala e pelos corredores, como vozes do além atormentando o infortunado que carregava aquele nome e tendo certeza de que ele jamais se esqueceria disso.

O viajante, pela primeira vez, demonstrou medo.

Como se não creditasse no que acabara de ouvir, olhou para as próprias mãos tentando decifrar se aquilo tudo era real ou apenas um pesadelo, e o toque de uma certa pessoa confirmou seus temores.

— Sa-Sariel... — Luna tocou gentilmente o braço do viajante, que se assustou e empurrou a mão dela para longe ao mesmo tempo que se afastava.

Sariel e Luna ficaram de frente um para o outro e seus olhares se encontraram brevemente, mas o viajante desviou seu olhar para baixo.

— ...vel — murmurou o viajante em uma voz baixa.

— O-O quê? — perguntou a princesa.

— Isso é... IMPOSSÍVEL! — gritou desesperadamente. — Feykron, você deve... deve ter se enganado!

O dragão olhou com pena para o viajante.

— Infelizmente, essa é uma das coisas que não me esqueci — disse cuidadosamente. — Além disso, nesta sala há vários lugares com textos falando sobre esta profecia.

Luna olhou ao redor e se deparou com vários textos que já conhecia.

— Dies irae, dies illa; Solvet saeclum in Favilla; Teste David cum Sibylla. Quantus tremor est futurus; Quando iudex est venturus; Cuncta stricte discussurus — recitou Luna.

— Tuba mirum spargens sonum Per sepulchra regionum, Coget omnes ante thronum Mors stupebit et natura, Cum resurget creatura, Judicanti responsura, Liber scriptus proferetur, In quo totum continetur, Unde mundus judicetur. Judex ergo cum sedebit, Quidquid latet apparebit, Nil inultum remanebit Quid sum miser tunc dicturus? Quem patronum rogaturus, Um vix justus sit securus? — recitou Feykron.

Enquanto ambos recitavam os textos, Sariel tapava os ouvidos fortemente e fechava os olhos.

— Parem...

— Rex tremendae maiestatis, Qui salvandos salvas grátis, Salva me fons pietatis...

— PAREM! — gritou o viajante. — Isso não pode ser verdade...

Ao perceber o desespero de Sariel, Feykron tentou acalmá-lo.

— Não é necessário desespero, jovem. Lembre-se que a profecia cita a possibilidade da paz.

— Ele tem razão! — disse Luna tentando soar otimista, apesar de estar preocupada também. — Já estamos juntos há meses, portanto sei como você é gentil e bondoso! O Sariel que conheço jamais faria algo ruim!

A princesa, que nunca havia visto o viajante tão desestabilizado antes, se aproximou dele e tentou pegar suas mãos, mas ele recusou o ato.

— Não pode ser... Por que eu...? — O viajante estava em estado de negação. — Como eu seria capaz de derrotar a humanidade e os anjos todos sozinho?

— Todo ser vivo tem um limite para seu poder, e você, Sariel, seira capaz de ultrapassar este limite — disse o dragão. — Por acaso percebeu que seu poder mágico não para de crescer mesmo sendo mais poderoso que qualquer Pilar com exceção de Ardos?

— Não, não, não... — o viajante negou rapidamente. — Só pode ser uma coincidência!

— Sariel! — Luna colocou as duas mãos no rosto do viajante e o fez olhar diretamente nos olhos dela. — Não importa essa profecia ou quem previu isso, o que importa é apenas o que você quer ser! Nosso destino não é dito por ninguém exceto por nós mesmos!

O viajante olhou profundamente nos olhos azuis da princesa com uma expressão conflitada.

— Mas... e se...

A princesa tentou novamente pegar as mãos do viajante, e dessa vez ele permitiu.

— Não deixarei que faça algo ruim! Ficarei de olho em você e ao seu lado o tempo todo! Eu prometo!

Sariel olhou profundamente nos olhos de Luna. Sua boca tremia suavemente como se tentasse dizer algo, mas acabou simplesmente murmurando afirmativamente e baixou a cabeça.

— Essa... profecia... — começou o viajante. — Por acaso todos os anjos sabem dela?

— Sim, todos os anjos e dragões — respondeu Feykron.

— Não é à toa que Aegreon é tão desconfiado de você — disse Luna. — Ele deve saber sobre isso.

— Esse Aegreon e Conselho — disse o dragão. — Provavelmente sabem sobre a profecia e devem estar ocultando-a do público. Haveria caos e medo, e as pessoas provavelmente matariam humanos descendentes de anjos, como a princesa Quetzal, de K’ak’. É melhor não usar este nome em público, pois definitivamente irão atrás de ti novamente se apenas ouvirem um rumor deste nome.

— Eu sei... — disse o viajante com a voz levemente trêmula. — Apenas me apresentei por este nome devido as palavras de Kura... Jamais imaginei que isso atrapalharia nossa jornada.

— Não se culpe por isso — disse a princesa segurando com mais força as mãos de Sariel. — Você não tinha como saber disso.

O viajante permaneceu em silêncio e não disse mais nada.

— De qualquer maneira — disse Feykron. — Já lhes disse tudo que sei, portanto é melhor irem embora. Há um mapa naquela parede com uma saída secreta. — O dragão apontou com uma de suas patas um grande mural com um complexo e detalhado mapa.

— E quanto a você? — perguntou Luna.

— Não posso sair daqui, portanto terei de esperar sabe-se lá quantos anos... — respondeu em uma voz cansada.

— Mas... Sariel pode tirar você daqui com Alteração! Assim como os anjos te trouxeram para cá.

— Seriam necessárias várias pessoas, nem mesmo Sariel teria poder mágico o suficiente para isso. — O dragão começou a se acomodar.

— Mas...

— Não se preocupem, estou acostumado a ficar aqui. Só é um pouco apertado. — O dragão tentou mover um pouco suas asas, mas não pôde fazer muito devido à falta de espaço.

Feykron tentava parecer que não era nada ficar ali, mas um dragão com mais de um século de idade seria bem maior e mais poderoso que ele. Era óbvio que o espaço apertado estava afetando seu desenvolvimento.

— Eu... posso conjurá-lo quando sairmos daqui — disse Sariel com dificuldade.

— Conjurar... — Feykron sussurrou com desconfiança. — Prefiro permanecer aqui.

— Te conjurar não lhe converterá ao mal... Já testei antes.

O dragão pensou por um bom tempo em silêncio.

— E como é o procedimento?

— Crie uma pedra com seu elemento e me entregue.

Desconfiado, mas com a possibilidade de finalmente sair daquele lugar amaldiçoado, o dragão estendeu uma de suas patas e uma energia verde brilhou intensamente na palma.

Passados alguns segundos, o brilho cessou e uma pequena pedra verde apareceu em sua pata.

Feykron entregou a pedra ao viajante, e todos se despediram.

— Foi um prazer conhecê-lo, Feykron — disse Luna.

— Sim, um prazer — repetiu Sariel, mas em um tom melancólico.

— O prazer é meu — disse o dragão com um grande sorriso no rosto.

O trio começou a subir uma escada ali perto, mas antes que pudessem se afastar muito, Feykron disse: — Não se deixe abalar pela profecia, Sariel! És uma boa pessoa, pude sentir isso neste encontro!

— O-Obrigado — agradeceu o viajante de maneira insegura.

Após ouvir os passos se afastarem e sumir, o dragão sussurrou para si mesmo: — Aquela glaive... Onde que eu a vi antes?

Após isso, o trio subiu e subiu, passando por vários corredores, escadas e salas. Luna tentou conversar com Sariel e animá-lo, mas ele permanecia em silêncio e com uma expressão conflitada.

Eventualmente chegaram em um grande salão com uma fonte no centro e, para a surpresa deles, Shiina, Raymond e Aegreon estavam lá.

— Olha eles ali! — gritou a assassina enquanto se aproximava deles.


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Tradução dos textos da profecia:

Dies Irae/Dia de ira

Dia de ira

Neste dia

Os séculos se desfarão em cinzas

Assim testificam Davi e Sibila

Quanto temor haverá então

Quando o Juiz vier

Para julgar com rigor todas as coisas

 

Tuba Mirum/Trombeta Poderosa

A trombeta poderosa espalha seu som

Pela região dos sepulcros

Para juntar a todos diante do trono

A morte e a natureza se espantarão

Com as criaturas que ressurgem

Para responderem ao juízo

Um livro será trazido

No qual tudo está contido

Pelo qual o mundo será julgado

Logo que o juiz se assente

Tudo o que está oculto, aparecerá

Nada ficará impune

O que eu, miserável, poderei dizer?

A que patrono recorrerei

Quando apenas o justo estará seguro?

 

Rex Tremendae/Rei Tremendo

Ó Rei, de tremenda majestade

Que ao salvar, salva gratuitamente

Salva a mim, ó fonte de piedade

 



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