O Primeiro Serafim Brasileira

Autor(a): Anosk


Volume 1

Capítulo 56: Lâmina Flamejante

Luna via tudo ocorrer em câmera lenta conforme caia. As rochas da ponte acompanhavam sua queda, e as criaturas de fogo, um pouco mais abaixo, balançavam os braços freneticamente na tentativa de se segurar em algum lugar e não cair.

Sua situação era tão desesperadora quanto a das criaturas. Estava a vários metros de distância de qualquer parede, e a quantidade do elemento Alteração que possuía não seria o suficiente para levitar o próprio corpo como Sariel já havia dito que era possível, e isso sem contar Chinhej, que também caia ao eu lado e nem mesmo tinha dedos para tentar se agarrar em algo.

Seus olhos observavam os companheiros na beira do precipício. Pôde ver claramente quando Raymond quase pulou no abismo e Shiina o segurou.

Foi então que o viajante, sem pensar duas vezes, se jogou na fenda e mergulhou na sua direção como uma águia, agarrando-a com o braço direito e Chinhej com o esquerdo.

— Sariel!? — surpreendeu-se a princesa. — O que está...

— Essa é a primeira vez que pulo em um abismo sem fim em uma caverna... — disse Sariel com um tom totalmente neutro. — Quer dizer, pelo menos com alguém.

— Nós estamos caindo! — desesperou-se Luna. — Temos que...

— Relaxe — respondeu o viajante. — Sinta o vento em seus cabelos enquanto cai. É o sentimento mais próximo de voar que pode ter enquanto suas asas não surgem.

Percebendo que Sariel mantinha a calma apesar da situação, Luna simplesmente se calou enquanto esperava chegarem até o fundo.

Sabendo que estava segura, fechou os olhos e sentiu o vento bater contra sua pele suave e seus belos cabelos prateados. De fato, o sentimento de cair com segurança era libertador, refrescante e relaxante. Ainda não sabia como era voar, mas se fosse tão bom quanto cair, então mal podia esperar para que suas asas nascessem.

— Ah, parece que estamos chegando — comentou Sariel.

Abrindo os olhos, Luna viu primeiro os olhos do viajante — que estavam dourados — e depois percebeu vagamente o fundo do abismo com as criaturas de fogo jazendo mortas, mas ainda brilhando. Ambos já haviam caído por vários segundos, o que demonstrava o quão profundo era aquela fenda.

— Bem, preparem-se para pousar — disse o viajante conforme um escudo esférico surgia ao redor dele, de Luna e de Chinhej.

Os três colidiram pesadamente contra o chão, abrindo uma cratera de alguns metros de tamanho e fazendo um som audível ecoar fenda acima.

Tanto Luna quanto Chinhej não sofreram nenhum dano, apenas sentiram um leve baque.

— Sariel! Você está... — A princesa se levantou assustada pensando que o viajante tivesse se machucado.

— Ora, isso foi divertido — disse ele enquanto se levantava tranquilamente. — Faria novamente se não tivesse que subir tudo de novo.

Percebendo o descaso dele com a situação, Luna acabou soltando uma leve gargalhada. Até mesmo as criaturas que caíram com eles haviam morrido com a queda, e o brilho de seus corpos flamejantes definhavam lentamente.

— Por acaso existe algo que te abala? — perguntou enquanto ainda ria um pouco.

— Hmm... Talvez se um dragão real aparecesse na minha frente eu me surpreenderia — disse de maneira pensativa. — Nunca vi um afinal, já que o mundo natal deles é o mesmo dos anjos.

— De qualquer maneira, como vamos voltar?

— Vou levitar nós três de volta — respondeu conforme seus olhos mudavam de dourado para castanho.

Contudo, Chinhej havia se afastado dos dois e batia a pata dianteira em direção à escuridão, como se tentasse mostrar algo.

— Qual o problema? — perguntou Luna conforme se aproximava do animal.

Usando magia de Alteração, a princesa criou uma pequena esfera de luz e iluminou o caminho apontado por Chinhej, avistando várias pedras escuras estranhas e chamuscadas.

— Obsidiana?

— Não — disse Sariel conforme se aproximava. — Cadáveres.

Luna se aproximou de um dos cadáveres e notou que pareciam ser as criaturas de fogo que enfrentaram mais cedo.

— Espera, como morreram? Também caíram? — perguntou.

— Não são cegas e nem tão burras assim, deve haver outro motivo — disse Sariel. — Por que não olhamos?

Curiosa, a princesa balançou a cabeça afirmativamente e o trio caminhou pelo longo abismo.

Quanto mais caminhavam, mais cadáveres de criaturas de fogo surgiam. Seus tamanhos variavam bastante, sendo algumas menores que um lobo e outras semelhantes com as criaturas que derrubaram a ponte.

Os três caminhavam tranquilamente quando Chinhej começou a mostrar sinais de nervosismo, e Sariel e Luna avistaram aquelas sombras novamente com suas visões Elementais.

Os dois não se preocuparam com isso já que não seriam atacados sob a proteção da luz, mas era no mínimo curioso que tais criaturas conseguiram adentrar um santuário daqueles, cujas paredes eram todas reforçadas.

Foi então, que uma das criaturas fez algo que chamou a atenção de Luna.

— Sariel, o que ela está fazendo? — disse conforme apontava para uma direção. Qualquer um sem o elemento Alteração veria apenas a escuridão, mas eles eram capazes de ver uma aura roxa se aproximando ao lado de um amontoado de aura vermelha bem fraca.

— Vamos observar — respondeu o viajante enquanto aguardava por algo acontecer.

A aura roxa se aproximou da aura vermelha quando de repente, jogou seu corpo contra o cadáver como se o abraçasse, impossibilitando de ver a cor da aura da criatura de fogo.

Depois, algo interessante ocorreu: a aura roxa se fundiu com a aura vermelha. O elemento Conjuração da sombra se misturou com o que restava do elemento Fogo da criatura morta, tornando a aura de ambos maiores, completamente roxa e mais escura, sem ser possível diferenciar o que era a sombra e o que era o cadáver.

Então a criatura de fogo começou a levantar lentamente.

Seu tamanho não era muito preocupante. Era apenas outro daqueles lobos flamejantes com a boca na vertical, mas o poder dela era muito maior do que deveria ser pelo seu tamanho e pelo resto de magia do seu cadáver.

Com isso, a criatura correu em direção do trio e pulou na direção de Luna.

Ela já estava com a mão erguida e preparando para matar a criatura com uma estaca na cabeça dela, quando Sariel apareceu na sua frente e agarrou o pescoço da criatura, fazendo-a ter um déjà vu de quando ele fez o mesmo em K’ak’.

Com a criatura dentro do raio da luz, foi possível perceber como sua aparência havia mudado: seu tamanho era o mesmo do original, mas a obsidiana havia se transformado em uma rocha ainda mais escura — como sombra — que emitia um tipo de névoa preta, e a lava havia se transformado em um líquido roxo escuro ainda mais quente que o original.

Seus olhos também estavam roxos, e as garras e presas haviam se tornado maiores e cobertas totalmente em chamas escuras.

— Você por acaso tem algum tipo de imã para problemas? — perguntou Sariel. — Sei que sua beleza atrai os outros, mas isso é demais.

— Bem... nem todos tem a chance de verem um anjo “bom”, né? — brincou Luna.

Sem se importar com a conversa dos dois, a criatura abriu sua boca e cuspiu chamas roxas no viajante.

Entretanto, Sariel apenas apertou ainda mais o pescoço dela, impedindo as chamas de saírem.

— Por que não o mata logo? Pretende adotá-lo? — perguntou Luna ironicamente.

— É uma chance para descobrirmos mais sobre as sombras — respondeu.

A princesa olhou para a criatura e percebeu uma fumaça saindo das mãos de Sariel. Da primeira vez que viu aquela criatura, o viajante a tocou e o fogo nem o feriu, mas dessa vez era possível notar sua pele queimando, mas não rápido o suficiente para que sua regeneração natural a curasse novamente.

— Ele ficou mais forte — comentou ele. — Seu corpo é solido agora, diferente daquela sombra sem hospedeiro, todo o elemento Fogo que era da criatura originalmente se misturou com Conjuração e é capaz de resistir à luz... Parece seguro dizer que essa sombra realmente é como um parasita que usa magia de Reanimação para ocupar outros cadáveres.

Sem matar a criatura, o viajante olhou ao redor — com a princesa acompanhando seu olhar — e avistou outras sombras fazendo o mesmo: Envolvendo seus corpos com o de outras criaturas e reerguendo-as.

Luna percebeu uma das sombras tentando possuir o corpo de uma criatura maior, uma do tamanho de um rinoceronte, mas falhou. Parecia que sua sombra era incapaz de cobrir o corpo toda da criatura.

— Sariel — começou Luna.

— Eu percebi — respondeu ele. — Parece que há um limite do quão poderosa era a criatura em vida que podem possuir. — Dito isso, o viajante quebrou o pescoço da criatura e caminhou em frente, ignorando as outras sombras conforme reerguiam os monstros de fogo.

Sariel e Luna caminharam pelo abismo enquanto matavam sem problemas as sombras.

Eventualmente perceberam a temperatura começar a subir, e chegaram a uma parte da fenda onde havia um grande lago de magma, sendo quase impossível ver o outro lado devido ao brilho e à fumaça.

— Há um buraco ali — disse o viajante enquanto apontava para o outro lado. — Consegue ver?

— Vagamente — respondeu Luna enquanto estreitava os olhos. — Vamos até lá?

— Sim, há um caminho estreito circundando o lago, vamos por ele.

Os olhos do viajante se tornaram vermelhos e o calor ao redor da princesa e de Chinhej diminuiu.

Os três se aproximaram do lago com o magma borbulhante a apenas alguns metros de distância, quando uma perturbação no meio do lago chamou a atenção deles.

Subitamente, uma grande coluna de magma se ergueu, e uma onda alta de lava avançou na direção dos três.

Sariel correu na direção dessa onda e usou suas mãos para frear seu avanço, parando o magma ao mesmo tempo que segurava algo sólido.

— Oh? — exclamou o viajante, segurando com força essa coisa sólida que tentou se soltar dele e retornar para dentro do lago.

Usando sua força descomunal, Sariel tirou uma enorme criatura de dentro do lago e a arremessou na direção contrária do lago, causando um grande tremor no processo quando ela atingiu o chão.

Apesar do movimento rápido, a criatura se recuperou rapidamente e se levantou, mostrando todo seu tamanho e poder.

Com aproximadamente 100 metros de altura, uma criatura semelhante a um dragão se ergueu diante do trio. Seu corpo todo estava coberto em lava e respingando — formando uma poça onde estava — e era formado por rochas escuras assim como as outras criaturas de fogo.

Suas asas brilhavam como metal aquecido durante o processo de forja, e se assemelhavam mais com um enorme martelo de guerra do que de fato uma asa.

Suas garras, presas e chifres tinham a mesma aparência que suas asas, parecendo com espadas e lanças aquecidas pelo magma.

Para finalizar, possuía uma longa cauda com um formato de uma grande e afiada lâmina com quase 50 metros de comprimento, e apenas o ato de raspá-la no chão deixava marcas de cortes e arranhões na rocha.

Os olhos rubros da criatura encararam o trio predatoriamente e, sem esperar, usou uma de suas asas para esmagar suas presas.

Sariel, completamente inabalado com a criatura diante de si, usou os braços para frear completamente a enorme asa flamejante. A força do golpe foi o suficiente para o chão embaixo dele ceder um pouco e formar uma pequena cratera, mas seu corpo era muito mais resistente.

Apenas com a força física, empurrou de volta a asa e fez a criatura se desequilibrar por um breve momento antes de recuperar o equilíbrio e aproveitar o movimento iniciado pelo viajante para girar o corpo e tentar cortá-lo ao meio com sua cauda.

Devido à falta de espaço, o relho da criatura cortou as paredes profundamente como faca quente atravessando manteiga e sem desacelerar.

Entretanto, Sariel apenas parou o golpe com a própria força física novamente sem se mover, fazendo a lâmina parar a alguns centímetros de distância de atingir Luna e Chinhej.

Em seguida, o viajante puxou a cauda da criatura e a fez cair de costas, para em seguida saltar em sua direção e atingi-la no peito com suas duas pernas, fazendo o corpo dela se dobrar de uma maneira não natural e afundar o chão embaixo dela.

Uma rachadura se formou no corpo da criatura onde fora atingida, fazendo um pouco de lava jorrar por ela.

Percebendo que não enfrentava um oponente qualquer, a criatura — ao invés de atacar — agarrou o viajante com uma de suas patas e o jogou para longe, para em seguida correr de volta para o lago de magma e mergulhar nele.

— Ora, temos um fujão... — exclamou Sariel.

— Isso foi... incrível! — suspirou Luna. — Você superou a força física dela, mesmo ela sendo muito maior!

— É como eu disse, cada criatura de cada mundo possui atributos diferentes. Essas criaturas de fogo, oriundas do mundo de Elgor; o Deus dos Elementos de Combate; crescem conforme sua força, portanto quanto maior a criatura, maior é seu poder.

O viajante olhou para sua mão e a ergueu para Luna ver, percebendo que havia um pequeno corte e um pouco de sangue.

— Veja, troquei meu elemento para Fogo, portanto eu estava imune a qualquer dano de fogo, e mesmo assim a criatura me feriu apenas com um golpe físico. Isso mostra que sua força é bem maior do que qualquer outra até agora.

— E inteligência também, já que ele fugiu assim que percebeu sua força — observou a princesa. — O que faremos agora? Não podemos atravessar o lago com ela lá dentro.

— Se afaste com Chinhej — disse Sariel conforme caminhavam em direção ao lago. — Vou nadar um pouquinho.

— Você não vai... — começou Luna conforme dava pequenos passos para trás, se afastando do magma.

Sem pensar duas vezes, o viajante simplesmente saltou para dentro do lago de magma como se estivesse dando um mergulho em um lago comum.

Logo depois disso, tremores puderam ser sentidos vindo de dentro do magma, até que a criatura foi arremessada com força para fora novamente, batendo brutalmente suas costas contra a rocha.

A princesa percebeu que o viajante deixou de testar a criatura e iria lutar seriamente, portanto se afastou dali o mais rápido que pôde, segundos antes de Sariel saltar contra a criatura com a glaive em mãos pronto para arrancar sua cabeça.

A criatura, entretanto, agiu rapidamente e moveu o corpo com uma agilidade surpreendente considerando seu tamanho, evitando um golpe fatal, mas sofrendo um corte profundo e quase perdendo uma das asas no processo.

Desesperada, a criatura tentou fugir pelo caminho que o trio veio, percebendo que o magma não oferecia proteção a ela.

Seus passos rápidos e pesados fizeram o chão tremer, e Luna perdeu o equilíbrio. A velocidade com que se movia era muitas vezes superior ao de um cavalo, e em poucos segundos fugiria dali.

Contudo, o viajante era muito mais rápido e avançou contra ela com os olhos brilhando em azul e fazendo várias estalagmites de gelo perfurarem a criatura, impedindo seu movimento.

Depois, saltou na direção dela e, com a lâmina da glaive coberta em gelo, cortou fora sua cabeça.

O corpo pesado da criatura caiu no chão imóvel, com a cabeça rolando para longe dela.

Luna se aproximou de Sariel assim que a “luta” terminou.

— Sabe, quase senti pena dela — disse.

Ao ouvir isso, o viajante limitou-se a dar uma curta risada e caminhar de volta para o lago de magma conforme seus olhos se tornavam vermelhos.

A princesa estava prestes a segui-lo quando percebeu sombras se aproximando da criatura morta e tentando possui-la.

— Sariel, eles estão...

— Não se preocupe, não serão capazes de tomar este corpo, lembra? Vamos indo.

Luna seguiu o conselho dele e começou a segui-lo, enquanto dezenas, e até centenas de sobras se aproximavam da criatura morta e a cobriam com seus corpos, quase como um cobertor totalmente escuro.

Os três caminhavam enquanto ignoravam as sombras, até que a princesa decidiu lançar um olhar para trás, apenas para confirmar, quando viu algo surpreendente.

As sombras perceberam que não seriam capazes de possuir a criatura sozinhas e agora focavam em se “unir”. As sombras se mesclavam uma com a outra, e até suas auras se fundiam, formando uma sombra cada vez maior e mais escura que o abismo que estavam.

Um “braço” negro surgiu da sombra enquanto cobria o corpo da criatura morta e se aproximou da cabeça decepada, arrastando-a lentamente de volta até encaixar com o pescoço novamente.

Com centenas de sombras se unindo em uma única entidade, a sombra começou a se fundir lentamente com a criatura de fogo morta.

— Sariel! — gritou Luna, pressentindo que algo ruim aconteceria caso não parassem as sombras.

Entretanto, o viajante já havia percebido e se moveu rapidamente em direção ao cadáver enquanto lançava magias de gelo contra ela, pronto para matar a grande sombra.

Contudo, já era tarde.

Uma das asas da criatura — cuja coloração deixou de ser vermelho para se tornar roxo escuro — se moveu com um espasmo e bloqueou a magia como um escudo. A criatura original teria sofrido danos com aquilo, mas agora sua asa era resistente o suficiente para protegê-la.

A sombra ainda não havia tomado total controle do corpo, mas já era capaz de mover alguns membros.

Todo o corpo da criatura de fogo se tornou cada vez mais escuro, e lava e chamas adquiriram um tom roxo escuro semelhante ao fogo de Aegreon.

Sariel tentou arremessar sua glaive na tentativa de finalizá-la, mas o processo de união se completou e a criatura reanimada se moveu com uma velocidade ainda maior do que quando estava viva, dando um grande salto e desviando da arma.

Com os olhos queimando em uma chama roxa, a criatura encarou novamente o trio, abriu sua grande boca e cuspiu um mar de chamas roxas.


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