Volume 1
Capítulo 48: Ato Heroico
Sharaad envolveu todo o seu corpo em chamas e socou com seus três braços direitos na direção da assassina, que desviou da mão superior e bloqueou os outros dois com sua espada de aço fortalecida com vento.
O golpe do rei era pesado como se uma montanha tentasse esmagá-la, e Shiina podia sentir os músculos e ossos de seus braços rangendo e quase cedendo a tamanha força.
Porém, apesar de ter bloqueado o golpe, o fogo que cobria o corpo de Sharaad a queimou, causando uma dor terrível que nunca havia sentido antes, como se sua própria consciência estivesse sendo queimada, mesmo que as chamas tenham apenas tocado superficialmente sua pele.
A assassina tentou recuar, mas o rei preparou outro golpe com seus outros braços e a atacou antes que pudesse fugir.
Shiina estava totalmente indefesa naquela hora já que tinha que usar todas suas forças para segurar os braços direitos dele, portanto apenas se preparou para receber os próximos socos.
Entretanto Sariel e Aegreon agiram rapidamente, com o Pilar bloqueando o segundo golpe do rei e o viajante chutando-o para longe.
Um forte baque pode ser ouvido mesmo em meio ao som da nevasca quando Sharaad bateu com as costas contra uma das paredes.
No entanto apenas um golpe como aquele não o pararia.
Várias estalagmites de gelo afiadas e pontudas cresceram do chão e avançaram contra Sharaad, acompanhadas de dezenas de esferas azuis.
As estalagmites foram as primeiras a atingi-lo, que bloqueou com os próprios braços a ponta perfurante delas. Aquilo apenas atravessou parcialmente sua carne, mas foi o suficiente para mantê-lo preso contra a parede até ser atingindo pelas esferas, que causaram inúmeras explosões.
Segurando-se para não serem empurrados pelo vento, todos olharam com atenção o local da explosão, vendo apenas uma cratera sem sinal do rei.
— Raymond, atrás! — gritou Shiina.
Se virando, o guarda-costas percebeu Sharaad pisando na parede alguns metros acima dele. Os olhos arregalados e enlouquecidos o fitavam predatoriamente, e suas seis pernas se dobraram ao mesmo tempo, impulsionando-se na direção dele.
A força do corpo do rei era tamanha que apenas “saltar” fez parte da parede desmoronar.
Raymond tentou criar um escudo dourado, mas a velocidade de Sharaad era equiparável a de um Pilar, portanto ele seria atingido antes mesmo de fazer algo.
Então, Aegreon surgiu na sua frente e golpeou com sua foice, causando uma explosão de chamas escuras no processo.
O guarda-costas não teria tempo de desviar daquelas chamas que sabia muito bem ser perigosas a ele, mas Sariel agiu rápido e o empurrou com o próprio corpo dali, recebendo o fogo que antes o atingiria.
A pele do viajante começou a queimar, contudo, ao invés de se afastar, ele simplesmente se jogou no meio do fogo ao mesmo tempo que a ponta da lâmina de sua glaive absorvia intensamente toda a neve ao redor, tornando-a completamente oculta em uma energia azul clara extremamente brilhante.
Mirando no lado esquerdo do peito do rei, Sariel atingiu em cheio o segundo coração, e as chamas foram apagadas por uma explosão de gelo.
Aegreon acabou sendo pego no fogo cruzado, mas suportou os danos com certa tranquilidade, já que a maior parte do poder foi direcionada a Sharaad.
O rei de Krimisha foi arremessado novamente a dezenas de metros de distância, e estava prestes a bater novamente contra uma parede, quando ele se recuperou no ar e “pousou” na parede com todos os seus membros, assumindo uma posição semelhante ao de uma aranha.
Aegreon e Sariel não esperaram pela recuperação dele e lançaram esferas mágicas contra ele, que desviou usando tanto os braços quanto as pernas para se locomover e saltar.
Raymond, Shiina e Luna também tentaram ajudar, com a assassina lançando flechas de vento, o guarda-costas lançando relâmpagos e Luna atirando estacas de gelo contra o rei.
— Ele não pode mais usar Alteração! Continuem pressionando-o!
Todos tentavam prever seus movimentos, mas Sharaad havia se tornado ainda mais rápido agora que usava seus doze membros para se mover.
Todos estavam concentrados tentando atingir o rei, quando um pulso de água — capaz de cortar até mesmo metal — atingiu Raymond pelas costas, causando um corte profundo nele.
Se virando surpreso, não apenas ele como todos no grupo foram bombardeados com inúmeras magias diferentes, sendo obrigados a abandonar a ofensiva contra Sharaad e se proteger do ataque surpresa.
Olhando para o que restava das paredes, perceberam centenas de devotos da Seita vestindo mantos escuros nos corredores destruídos e tentando defender Sharaad.
Também havia vários civis que foram atraídos pela curiosidade em saber o que diabos estava acontecendo no templo Svarga.
— MATEM-NOS! — gritavam os civis e os sacerdotes. — ESTÃO TENTANDO MATAR NOSSO REI!
— Afastem-se! — gritou Raymond. — É perigoso aqui!
No entanto o povo de Krimisha continuava a disparar xingamentos e torcer pela morte deles. Isso só acontecia, pois não conseguiam ver a aparência demoníaca de Sharaad devido à nevasca forte, e só eram capazes de ver a silhueta dele.
O rei se aproximou do guarda-costas com o corpo todo envolto em chamas, enquanto Raymond era alvo de inúmeras magias dos sacerdotes.
Tendo que escolher qual dos dois iria se defender, Raymond decidiu dar atenção a Sharaad, que era uma ameaça muito maior.
Mas para sua surpresa, ao invés do rei atacá-lo, ele deu um salto poderoso — criando uma cratera no chão ao saltar — e esmagou alguns dos devotos que tentavam ajudá-lo, matando alguns civis inocentes no processo.
Se Sharaad ainda estivesse são, jamais faria isso, mas qualquer resquício de sanidade desapareceu ao receber mais poder de Shiva.
Só então o povo foi capaz de ver seu rei de perto, e todos ficaram chocados com o que viram. Sempre lhes foram contadas histórias de que os anjos eram seres demoníacos e terríveis, mas nada parecia se comparar com aquilo que viam diante de si.
O rei virou seu rosto à pessoa mais próxima — uma mãe de mãos dadas com uma garota de cinco anos — com seus olhos arregalados e a boca tão aberta que parecia capaz de engolir aquela criança inteira de uma só vez, e então avançou na direção delas para matá-las.
Porém Sariel agiu rápido e fez várias estalagmites perfurarem Sharaad e pará-lo por algum tempo, para em seguida pular até onde ele estava.
Com sua glaive coberta em uma camada de luz azul, ele se colocou entre o povo e o rei e o golpeou no estômago, mas Sharaad desviou e evitou que seu último coração fosse perfurado, sendo atingido no peitoral.
O viajante tentou tirar sua glaive, mas o rei agarrou com força sua arma evitando que ele se afastasse, além de cobrir todo seu corpo em chamas roxas na tentativa de queimá-lo.
Em resposta, Sariel criou um escudo dourado, protegendo as pessoas perto de serem queimadas.
— Saiam daqui! — gritou. — Esta coisa não é mais o rei de vocês!
— O-O QUE FIZERAM COM NOSSO REI? — desesperou-se o povo.
— Isso foi feito por esses sábios! É isso que acontece com àqueles que se convertem a Shiva. Eles não são confiáveis.
Sharaad ainda tentava quebrar o escudo com seus ataques de fogo, tendo algum sucesso em rachá-lo.
— Fujam logo se prezam pelas suas vidas! — Usando de sua força, Sariel agarrou Sharaad e se jogou com ele de volta ao buraco, antes que seu escudo se quebrasse e colocasse as pessoas em risco.
Após ouvir as palavras do viajante, o povo tentou fugir dali, mas a Seita os parou e impediu que se afastassem.
— Não podem ir embora agora!
— Mas estamos em perigo!
— Não importa! Deverão ficar aqui queiram ou não!
Os devotos obviamente não queriam que o povo fugisse de volta para Krimisha e acabasse contando o que viram, portanto, sua única escolha era mantê-los ali a força.
E o povo percebeu as intenções dos devotos, que serviu para confirmar aquilo dito por Sariel.
Enquanto isso, a batalha prosseguia e Sharaad tentava constantemente matar a própria Seita e seu povo, convencendo os civis ainda mais a confiar no viajante e acreditar nas suas palavras.
— Raymond e Shiina, matem todos esses devotos e tirem os civis daqui! Nós cuidamos do resto — disse Sariel. — Você também Luna, mas volte aqui.
— E quanto Ashoka? — perguntou a assassina.
— Leve-o também.
Sem perder tempo, a assassina foi atrás de Ashoka, que se mantinha encolhido em um canto e tremendo — talvez por medo ou pelo frio, ou até uma combinação dos dois.
— Vamos sair daqui — disse Shiina.
— O que vão fazer com meu filho? — Ashoka se recusava a sair de dentro do escudo dourado que o protegia.
— Olhe para ele! — A assassina apontou para Sharaad. — Aquela coisa não é seu filho!
Observando o rosto de Sharaad, Ashoka não pôde encontrar nada de humano nele. Relutante, mas já em estado de aceitação, jogou a pedra para longe e saiu do escudo.
Shiina logo o ergueu com os braços e saltou para o alto em direção aos corredores.
Enquanto isso, Raymond aniquilava qualquer membro da Seita de Shiva que encontrava, ajudando o povo a fugir daquele caos. Sua figura era como de um leão furioso e imenso, protegendo os fracos atrás de si e dilacerando qualquer um que ousasse causar algum mal a eles.
Luna correu em direção à parede mais próxima e olhou para cima, onde havia um corredor com algumas pessoas.
Se lembrando do treinamento de Sariel e Raymond, recordou de quando ambos a ensinaram a usar bem sua força.
Desde que o selo nela foi quebrado, sua força física tem aumentado cada vez mais, superando muito a de um humano comum. O viajante explicou que isso acontecia porque sua força física aumentava proporcionalmente à sua magia, portanto seria apenas uma questão de tempo até sua magia se estabilizar e ela se tornar tão forte fisicamente quanto um Pilar.
Flexionando os joelhos e concentrando a força nas pernas, a princesa deu o melhor salto que pôde, alcançando por muito pouco o corredor acima.
Seu salto foi o suficiente para que conseguisse esticar os braços e se pendurar no corredor, levantando-se com certa dificuldade e deparando-se com vários devotos bloqueando o caminho dos civis.
Assim que os devotos viram Luna, dispararam suas magias contra ela.
Pega de surpresa pela falta de hesitação de seu inimigo, a princesa desviou de última hora, recebendo cortes profundo no braço por magia de Água.
A Seita nem se importava em evitar atingir o povo, que foram feridos gravemente por alguns dos ataques.
Isto fez Luna sentir urgência e avançar como um raio contra seus oponentes, lançando estacas de gelo que perfuraram o crânio de alguns e cortando com uma espada mágica de gelo os que sobraram.
Ainda era uma iniciante quando se tratava de batalhas, portanto acabou sendo ferida pelos devotos algumas vezes.
Assim que matou todos, os civis logo a agradeceram.
— Muito obrigado, senhorita!
— Você nos salvou!
— Sentimos muito por fazê-la se ferir...
A princesa se virou para olhar as pessoas, quando todas se calaram e a encararam espantados.
— U-Um anjo?!
— No-Nos deixe em paz!
As pessoas começaram a se afastar dela, se aproximando perigosamente da borda.
— Saiam daqui rápido! — Luna tentou convecê-los. — Ainda é perigoso!
— Aberração!
— Assassina.
Mas era inútil.
A princesa ficou parada sem saber o que fazer, quando percebeu Sharaad saltando na direção das pessoas próximas dela e mirando um idoso que mal tinha forças para se manter em pé.
Sem ter muito tempo para agir, Luna correu contra o homem e se jogou contra ele, empurrando-o para longe e recebendo o golpe no lugar dele.
Recebendo todos os seis punhos flamejantes do rei ao mesmo tempo, a princesa foi arremessada contra as paredes do corredor, batendo com força e caindo de joelhos no chão.
Uma dor intensa surgiu em seu peito e respirar se tornou terrivelmente difícil, muito provavelmente havia quebrado algumas costelas, e seu rosto adquiriu uma marca terrível de queimadura no lado esquerdo.
Sharaad não se demorou e tentou atacar as pessoas mais próximas, mas o viajante apareceu rapidamente, agarrou o rei com força e o arremessou de volta ao buraco, deixando apenas Luna com as pessoas que salvara.
Ao perceberem seu ato, todos olharam para a princesa com uma dor cortante no coração. Aquela pessoa quase se matou para proteger alguém que acabara de ofendê-la.
— No-Nos desculpe! Você está bem? — perguntavam conforme se aproximavam.
— Eu sei fazer primeiros socorros! Deixe-me dar uma olhada em ti!
— Não! — gritou Luna. — Saiam daqui antes que isso aconteça de novo!
— Você não pode ficar assim! Se não me deixar fazer nada, me sentirei culpado pelo que disse a você!
— Eu não sinto mágoa ou rancor disso, portanto vão embora logo!
Relutante, as pessoas viraram as costas e retornaram pelo corredor que vieram, lançando vários olhares preocupados para trás.
Sariel e Aegreon ainda faziam o possível para segurar Sharaad dentro da arena, já que a prioridade agora era salvar os inocentes, portanto tinham que esperar antes de tentar finalizá-lo. Não foi uma tarefa fácil, mas ambos eram poderosos e conseguiram contê-lo até que Shiina, Raymond e Luna matassem todos da seita e evacuassem as pessoas.
A princesa caminhou na direção da borda e pulou para dentro da arena com o corpo ainda doendo terrivelmente, tanto que não conseguiu pousar suavemente e acabou caindo com tudo.
Pondo-se de joelhos, tentou se levantar, quando viu uma água dourada percorrer seu corpo e tocá-la. A ardência em seu rosto cedeu instantaneamente, e ela pôde sentir sua pele queimada se reconstruindo, além de suas costelas voltarem magicamente ao lugar e se reestruturando perfeitamente.
Ao olhar para cima, viu o viajante curando-a.
— Não lhe disse para não fazer nada heroico? — Ele tinha um sorriso gentil no rosto.
— Me desculpe... — A princesa baixou o rosto, sentindo-se mal por ter desobedecido as instruções de Sariel.
— Vou deixar passar dessa vez já que sua ação salvou inúmeras pessoas. — Ele ofereceu a mão a ela. — Mas tome mais cuidado na próxima vez, entendeu?
— Sim. — Com um sorriso no rosto, a princesa agarrou a mão do viajante e se levantou, para logo correrem e ajudar Aegreon.
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