O Primeiro Serafim Brasileira

Autor(a): Anosk


Volume 1

Capítulo 3: Reencontros

Após duas horas se afastando do palácio, a princesa e o homem estranho pararam em uma pequena estalagem e alugaram um quarto. O estalajadeiro, uma pessoa baixa e de meia idade, pareceu não se importar com a aparência do estranho — provavelmente estava embriagado e não percebeu, dado o cheiro de álcool — e entregou a chave após demorar um pouco para encontrá-la.

— Quarto 103 — enunciou o estalajadeiro com uma voz arrastada.

— Vá na frente, preciso lidar com algo antes. — O estranho repassou a chave para Luna.

A princesa respondeu com um aceno de cabeça e dirigiu-se ao quarto, acompanhada do som das tabuas rangendo conforme caminhava.

O cômodo era bem simples, com apenas uma cama pequena e desgastada, uma mesa levemente empoeirada ao lado da porta e uma janela que mal se mantinha fechada.

“Este... é o quarto correto? Ou melhor, isto deveria ser um quarto?”, perguntou a si mesma.  

No palácio, seu quarto era quase do tamanho de uma pequena moradia. Era bem cuidado e lotado de mobília, completamente o oposto do que via agora. Era como se um entusiasta ao minimalismo o tivesse planejado.

Após observar o cômodo por alguns segundos, a princesa inseriu a chave na porta e a girou duas vezes, trancando-a e em seguida abrindo-a.

“Realmente é o lugar correto. Como alguém seria capaz de passar a noite aqui?”

— O que está esperando?

Uma voz assustou Luna, que se virou rapidamente e se deparou com o estranho parado e observando-a.

— A quanto tempo você está aqui? — perguntou surpresa.

— Acabei de chegar.

— Você me assustou! Eu nem o ouvi chegando.

O homem entrou no quarto seguido da princesa, que precisou trancar a porta devido sua teimosia em manter-se entreaberta.

— Agora, imagino que você tenha perguntas a me fazer. — Sua voz grossa ainda era um pouco intimidadora, mas Luna havia se acostumado e perdido um pouco da apreensão que sentiu inicialmente.

Agora que estavam parados, ela pode reparar melhor na aparência deste homem. Sob seu manto, sua vestimenta possuía longas tiras negras que ocultavam parcialmente o corpo — como se estivesse enfaixado —, incluindo o rosto. Por baixo dessas tiras, usava roupas compridas e feitas de um tecido vermelho escuro. Era bem musculoso, e a pele era tão escura quanto as vestes.

— Sim. Primeiramente, qual seu nome?

— Aegreon. 

— Aegreon... — Luna ficou em silêncio por alguns segundos, se perguntando se conhecia este nome. — O que quer comigo?

— Apenas quero levá-la ao mundo dos anjos.

Ao ouvir isso, a princesa entrou em choque e ficou algum tempo sem reação.

— Mas... por quê?! É muito perigoso, e nem mesmo me conhece! Por que faria algo assim por mim?

Os olhos da princesa encararam o estranho com preocupação e inocência, um olhar que derreteria o coração de qualquer um.

— Apenas desejo fazer isso, não há um grande motivo. Se for para o mundo dos anjos, poderá viver em paz.

— Mas meu objetivo não é ir ao mundo dos anjos, eu só quero proteger meu povo. Desejo conversar com Ardos e fazê-lo entender que sou diferente de quem ele pensa que sou! — Luna deixou todos os seus sentimentos, escondidos e trancados durante anos, transparecer.

A princesa permaneceu em silêncio por um breve tempo, mantendo o olhar baixo.

— Apenas quero poder fazer parte deste mundo e viver uma vida normal... — Sua voz soou baixa e triste, e mantinha a mão no broche em seu peito.

— O Conselho já provou não estar disposto a conversa. Se quer viver, e ainda proteger Fordurn, deverá ir para o mundo dos anjos e viver o resto de sua vida lá.

— Mas...

Luna estava visivelmente hesitante. Liberdade era algo que não conhecia, e  agora, subitamente, um homem misterioso apareceu oferecendo toda a liberdade do mundo a ela.

Sentia-se perdida. Era como um animal nascido e criado em cativeiro por anos, enfim libertado subitamente, sendo sua reação de querer continuar presa, pois um quarto pequeno era tudo o que conhecia.

— Mas como faremos isso? O portal está muito longe daqui, e qualquer pessoa que me ver irá nos denunciar. Você é forte, entretanto não pode lidar com a Vigília, muito menos com o Conselho.

— Por isso partiremos esta noite para K’ak’ Witz. O rei de lá possui uma dívida comigo e nos ajudará a chegar no Astrum Lux.

— Mas e sobre as ameaças de Ardos? Mesmo se eu desaparecer a Vigília virá acreditando que estou escondida em Fordurn.

— O Conselho tem olhos e ouvidos em todo o mundo. Meste ponto, já deve estar sendo enviada a Ardos a informação de que eu a capturei, por isso ele focará em encontrá-la e deixará Fordurn em paz.

Luna permaneceu em silêncio por um tempo enquanto olhava para Aegreon com um olhar conflitado.

— Isso... soa ótimo, mas... estará se colocando em perigo se fizer isso. — disse preocupada e com um olhar de culpa. — Não quero que perca sua vida por minha causa...

— Isso não vai acontecer.

— Me desculpe, eu realmente aprecio sua ajuda, mas não posso aceitar isso. Tudo se resolverá se eu apenas me entregar...

Aegreon encarou Luna por um longo momento.

— Apenas estou fazendo o que realmente quero. Quero te ajudar, e isso beneficiará você e seu povo, ninguém irá se ferir. Espero que não recuse minha vontade.

A princesa encarou Aegreon por um bom tempo e permaneceu em silêncio, decidindo o que iria fazer.

As palavras daquele homem não podiam ser retrucadas, afinal, ela não poderia recusar a boa vontade de outra pessoa.

Um pequeno sorriso surgiu em seu rosto, e Luna olhou Aegreon com gratidão.

— Obrigada... — disse emocionada com a ajuda que estava recebendo.

Aegreon não disse nada, mas moveu suavemente sua cabeça afirmativamente.

— Sua comida está aqui... — A voz do estalajadeiro soou pela porta.

Aegreon se levantou e abriu a porta. O estalajadeiro havia deixado uma bandeja de madeira com dois pratos de comida no chão, sem nem esperar que alguém o atendesse.

Aegreon pegou os itens e entrou no quarto, fechando a porta e, em seguida, colocando a bandeja na mesa.

— Perdão, mas não como nada de origem animal. Se soubesse sobre isso eu teria avisado — disse Luna.

— Eu sei disso, não há nada animal aqui.

A princesa se aproximou e viu que o conteúdo de ambos os pratos era sopa de legumes simples. O caldo era aguado e não muito nutritivo, e os legumes tinham um aspecto velho e murcho.

Luna pegou um dos pratos e começou a comer. Na primeira colherada mal sentiu o gosto da comida, demonstrando que o preparo havia sido bem relaxado.

Além disso, a sopa estava totalmente fria, o que tornava essa refeição bem sofrível de ser consumida, ainda mais para ela que estava acostumada com comida requintada da realeza.

Porém, ela comeu sem reclamar, pois sabia que muitos não tinham condições de pagar por um prato daquele e não queria ser desrespeitosa com essas pessoas.

Já Aegreon comeu sua refeição rapidamente e, assim que terminou, se dirigiu para a porta.

— Há algumas coisas que preciso fazer agora. Voltarei de noite para irmos para K’ak’. Esteja pronta.

Aegreon saiu, deixando Luna sozinha no quarto, enquanto ela comia devagar sua refeição.

 

***

 

Algumas horas se passaram desde que Aegreon saiu. A princesa abriu a janela do quarto e observou a rua, que estava quase sem nenhum movimento, provavelmente por causa do que aconteceu no palácio.

Apesar disso, mesmo que estivesse deserta, observá-la trazia um certo conforto a ela.

Luna estava debruçada sobre a janela. Seus olhos mantinham-se fixos na rua, porém observavam algo longínquo.

Sua mente estava distante, e uma longínqua voz feminina preocupada, soava em seu inconsciente: "Aqui está você, está ferida?"

"Graças a Kura! Nem mesmo um arranhão", disse a voz após uma breve pausa.

"Mas tu deves estar com fome, certo? Venha, está na hora de se alimentar."

— VOSSA ALTEZA!

Um grito arrancou Luna de dentro de sua mente. Ao olhar novamente para a rua, avistou Raymond, seu guarda-costas. Estava em um transe tão profundo que nem percebeu ele.

— Raymond!?

— Alteza, rápido! Temos que retornar ao palácio antes que te descubram.

— Raymond, não voltarei para o palácio, deixarei este reino.

— Alteza, não sei o que aquele sequestrador lhe disse, mas o palácio é o lugar mais seguro. Mesmo que haja uma guerra o exército de Fordurn irá protegê-la.

— Raymond eu... espere.

Luna deixou a janela e saiu da taverna para conversar melhor.

Assim que saiu, o guarda-costas se aproximou e disse: — Alteza, temos que ir.

— Raymond, eu irei embora de Fordurn.

— Mas no palácio Vossa Alteza estará...

— Os soldados de Fordurn não irão arriscar suas vidas para proteger a minha, sabe disso. Farão justamente o contrário quando a Vigília chegar. Eu tenho que ir embora...

— Alteza, seu pai ficará preocupado... É muito arriscado.

 — Eu sei, por isso estou feliz que tenha vindo, pois assim poderei me despedir de você e encarregá-lo de dizer minhas palavras de despedida ao meu pai. — Luna segurou a mão de Raymond e o olhou nos olhos.

— Alteza, nós... nós com certeza podemos fazer algo! O palácio já resistiu aos Anjos, então poderá proteger contra a Vigília. — O guarda-costas segurou firmemente a mão da princesa.

Ele sabia que ela estava certa, contudo, como seu guarda-costas, não podia permitir que ela se pusesse em perigo. Já havia falhado uma vez, e não deixaria que errasse novamente. Era o que desejava, no entanto não conseguia pensar em uma alternativa de salvá-la.

— Raymond, aquele homem sozinho derrubou uma parte do muro com apenas um soco, e tenho certeza de que ele se conteve! Imagine o que a Vigília será capaz de fazer.

— Mesmo assim, se Vossa Alteza ficar, há mais chances de viver do que se sair do reino.

— Não tenho outra escolha senão seguir o plano de Aegreon. Assim, você, meu pai e o povo não precisarão sacrificar suas vidas. — Apesar de estar sorrindo, disse isso com a voz baixa e levemente trêmula, além de manter seu olhar baixo.

— Aegreon? — A expressão de Raymond se fechou ao escutar este nome.

— Sei que está desconfiado, mas...

No meio de sua frase, um civil esbarrou nela acidentalmente e a interrompeu.

— Oh, peço perdão senhorita, não estava prestando atenção.

— Ah, tudo bem — sussurrou ela enquanto mantinha sua cabeça baixa para esconder seu rosto.

O pedestre seguiu seu caminho, deixando ambos novamente a sós.

Luna olhou para Raymond e percebeu que esteva em alerta e com a mão em sua espada durante este tempo todo.

— Está tudo bem, ele era apenas um pedestre — disse a princesa.

— Tem razão... Alteza, seu broche!

A princesa olhou para sua roupa e percebeu que seu broche havia desaparecido.

— O quê? Como?

— Foi aquele homem! — Raymond se virou e começou a perseguir o pedestre imediatamente, pois sabia o quão importante era aquele broche para Luna.

Porém, o homem já estava correndo, pois ele percebeu que seu furto foi descoberto rapidamente.

— PARE! ISTO É UMA ORDEM! PARE EM NOME DO REI!

Luna começou a perseguir o homem com uma angústia em seu coração. Correu o máximo que pôde, entretanto ficou para trás já que não era treinada como seu guarda-costas.

Raymond tentava alcançar o homem que, em condições normais, já teria o pego. No entanto este homem era muito rápido, o que demonstrava que ele estava acostumado a fazer isso e teve de correr muitas vezes no passado.

— PARE AGORA!

O homem conhecia bem a área e tentava despistá-los pelo labirinto de ruas estreitas. O guarda-costas ficava cada vez mais para trás e muito em breve perderia de vista o homem.

O ladrão estava prestes a alcançar uma rua movimentada, o que tornaria impossível encontrá-lo no meio da multidão.

Porém, subitamente, o chão em que o homem estava pisando congelou, fazendo-o escorregar e cair.

Ele tentou se levantar, porém isso só o fazia escorregar e cair novamente.

Raymond e Luna alcançaram o homem eventualmente e ficaram parados, enquanto assistiam a cena quase cômica dele caindo o tempo todo.

— E agora? — perguntou a princesa.

— Espere aqui, Alteza. — Raymond enquanto se preparou para pisar no gelo.

Seu plano era cobrir seus pés com Magia de Raio e quebrar a fina camada de gelo conforme andava. Esta era uma técnica relativamente entre o nível básico e intermediário, portanto seria necessário alguma prática nas artes mágicas para replicar esta técnica.

Porém, antes que pudesse fazer algo, um homem apareceu caminhando tranquilamente pelo chão coberto de gelo e na direção oposta que Raymond estava. Ele se aproximou lentamente do ladrão que ainda tentava se levantar.

Este homem vestia um manto castanho claro que cobria o corpo todo, exceto o rosto que era extremamente belo e com feições suaves. Os olhos eram azul claros, quase como um reflexo do céu. Os cabelos eram escuros, de comprimento médio e cobriam parcialmente as orelhas. Não tinha nenhuma barba, o que acrescentava a ele uma beleza delicada extra. A pele era clara e a altura era bem similar de Raymond.

O homem se aproximou tranquilamente do ladrão que, neste ponto, já havia desistido de fugir. Enquanto caminhava, possuía uma expressão tranquila e neutra.

Apesar das vestes, a postura dele e a maneira como se comportava dizia que não era uma pessoa comum.

Quando alcançou o ladrão, o homem o pegou pelo colarinho com apenas uma mão e o ergueu no ar.

— Devolva o broche, por favor. — A voz dele, assim como a aparência, era muito bela e elegante, mas, ao mesmo tempo, profunda.

— A-Aqui está.

— Obrigado. Agora pode ir. — No momento que disse isso, o gelo se desfez e ele soltou o ladrão no chão.

— Mas... se eu o encontrar novamente e descobrir que continua roubando pessoas inocentes, não o deixarei ir sem uma punição, entendeu?

— Si-Sim, senhor! — gaguejou o ladrão, que logo saiu correndo mais rápido ainda do que quando estava fugindo de Raymond.

O homem então caminhou em direção a Luna e Raymond.


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