Volume 1
Capítulo 28: Princesa Nascida do Gelo
Raymond caminhava pela mata da floresta e voltava para o acampamento.
Apesar daquele lugar não ser tão quente e densa quanto a floresta ao redor da Montanha de Fogo, ainda havia vegetação considerável e vários insetos voadores e barulhentos que o irritavam insistentemente.
Naquele ponto, não acreditava que Sariel faria algo de ruim para Luna, por isso decidiu se afastar um pouco, apesar de ainda não confiar totalmente nele.
Enquanto caminhava, se lembrou do que vira na igreja e do comportamento estranho de Sariel. Não sabia o que o texto que Luna recitou significava, mas estava claro que aquilo atraiu a atenção do viajante.
Após algum tempo, chegou ao acampamento e se deparou com Aegreon preparando os cavalos para partir.
— Onde está Shiina?
— Atrás de você, bobinho. — Raymond virou o rosto ao ouvir a voz dela atrás dele, deparando-se com um dedo que tocou sua bochecha. — Deveria se envergonhar por deixar todo o trabalho em nossas mãos e fazer uma mulher carregar peso...
— Estamos partindo? — Virou-se para Aegreon, ignorando Shiina.
— Hm. — O Pilar afirmou com um grunhido.
— Deveria nos ajudar — sugeriu a assassina.
— Tá bem...
Raymond então decidiu ajudar os dois a prepararem suas coisas para acelerar a partida.
Como Luna não dava sinais de melhora, tirar alguns minutos de seu treinamento não fariam muita diferença.
Enquanto fazia isso, sentiu um imenso poder de Gelo surgir de onde Luna e Sariel estavam, e subitamente, todo este poder explodiu no formato de uma poderosa nevasca e atingiu ele, Aegreon e Shiina.
Aquela explosão foi tão poderosa, que Raymond foi arremessado alguns metros e caiu no chão.
Atordoado e confuso, percebeu-se encarando um chão completamente branco e frio, e seu corpo todo tremia devido à temperatura baixa.
Quando se levantou, se deparou com um cenário completamente diferente. A floresta, que até agora pouco era verde e úmida, estava completamente branca e congelada.
Shiina também havia sido arremessada por esta explosão, enquanto Aegreon havia agido rapidamente ao usar sua magia para proteger os cavalos espalhando uma chama roxa, que criou um escudo térmico para os pobres animais.
Os cavalos logo ficaram assustando com aquela explosão súbita de poder, e teriam fugido se o Pilar não houvesse os detido.
Nenhum som podia ser ouvido exceto do gelo se formando devido ao congelamento da água no ar, plantas e árvores. Os insetos irritantes haviam se calado, provavelmente estavam congelados e mortos, um destino que os cavalos teriam sofrido também se não fosse por Aegreon.
O Pilar, com uma expressão de raiva intensa no rosto, disparou até a fonte daquela explosão.
Raymond também não demorou e logo correu de volta para onde Sariel e Luna estavam com sua espada em mãos e pronto para a luta.
“Maldito... Esteve fingindo ensinar magia a ela apenas pra que eu baixasse minha guarda...”
Chegando lá, viu Luna de joelhos e encarando suas próprias mãos com uma expressão assustada, enquanto Sariel, logo ao lado, estava sendo agarrado por Aegreon.
— SEU MALDITO! O QUE DIABOS VOCÊ FEZ?
— Haha! Quem diria que uma simples princesa de um pequeno reino teria o poder de um Pilar! — Sua voz demonstrava uma alegria eufórica, como se acabasse de abrir um presente, apenas para encontrar aquilo que mais desejasse ganhar. — Imagine essa garota com seu poder verdadeiro e suas asas!
Ao ouvir aquilo, Aegreon soltou Sariel e olhou para Luna surpreso, que ainda olhava ao redor em choque.
— Como... é...? — Os olhos do Pilar estavam arregalados. Era a primeira vez em muito tempo que se surpreendia com algo.
Raymond também estava sem palavras. Tudo em um raio de um quilômetro estava completamente congelado, morto, e a responsável por aquilo era a princesa frágil que sempre teve que proteger.
Shiina chegou depois e, ao ver aquela floresta congelada, se lembrou de algo que desejava nunca mais recordar. Aquele lugar branco, monocromático, e aquele frio indesejável...
Cerrou os punhos com força, e encarou a fonte daquilo.
Luna olhava ao redor e para o rosto de cada um presente ali. Aqueles rostos assustados e surpresos, encarando-a, fizeram-na lembrar dos olhares de nojo, medo e raiva que as empregadas dirigiam a ela quando descobriram sua identidade.
— Não... olhem para mim...
— Luna, você... — Aegreon se aproximou.
— NÃO CHEGUEM PERTO DE MIM! — Colocou as duas mãos na própria cabeça e se encolheu de medo, temendo que machucasse aquelas pessoas.
Em resposta a sua agitação, uma nevasca intensa surgiu ao seu redor e empurrou todos. Shiina e Raymond foram jogados para mais longe, enquanto Sariel e Aegreon resistiram e permaneceram no mesmo lugar.
A força da nevasca arrancava com facilidade as árvores ao redor, além de um frio mortal que congelava ainda mais a vegetação.
— O quê? Espera, Para! — Luna se assustou com o próprio poder e tentou pará-lo, mas isso apenas a deixou mais ansiosa e intensificou ainda mais a nevasca.
— Luna, acalme-se! — A voz de Raymond soou fraca em comparação ao som intenso do vento.
— NÃO! PARA! EU NÃO QUERO MACHUCAR NINGUÉM! PARA! — Ela tentava o quanto podia parar aquela magia, mas, quanto mais implorava, mais seu próprio poder se recusava a obedecê-la.
Naquele ponto, a nevasca estava tão intensa que não conseguia mais ver seus companheiros nem ouvir suas vozes.
Percebendo seu próprio poder destrutivo, Luna entrou em desespero, começou a chorar e se lembrou de todas as vezes que lhe disseram que deveria morrer.
— Seria melhor se eu morresse mesmo... — choramingou entre soluços.
Nem chorar era capaz, pois o frio congelava suas lágrimas no momento que escapavam de seus olhos.
O mundo havia se tornado um completo caos branco e frio, e tudo isso era por culpa dela ser incapaz de controlar seu poder.
E agora, como resultado, todos os seus companheiros estavam, provavelmente, mortos e congelados.
— POR FAVOR! ALGUÉM ME PARA! ALGUÉM ME MATE! — implorava e gritava com toda a força de seus pulmões. — Tudo seria melhor se eu não existisse...
Seu desespero já havia tomado conta. Parecia que sua magia continuaria acontecendo e aumentando, matando tudo naquela floresta, todos os animais que sempre foram os únicos seres que se aproximavam dela sem medo.
Foi então, que no meio desse caos, que uma voz calma soou em sua mente.
— Shh... Tá tudo bem agora, acalme-se...
Subitamente, ela se viu no colo de uma mulher com cabelos loiros — que já se tornavam brancos — e acariciando-a carinhosamente.
“O quê?” Tentou perguntar, mas sua voz não saiu.
— Você vai ser odiada, desejarão sua morte... Te farão acreditar que é um monstro, uma assassina, e seu próprio poder talvez até a faça pensar isso... Mas lembre-se, Kura lhe deu este dom para proteger os indefesos e necessitados. Seus ensinamentos sempre disseram que os fortes devem proteger os fracos, e se seguir está virtude, Kura lhe recompensará com a felicidade.
“O que quer dizer? Quem é você?”
Contudo, a mulher parecia não escutar sua voz.
— Você terá uma vida difícil, mas jamais sucumba ao desespero. Confie em seus amigos, pois sei que você os terá! E tenha fé em Kura, pois ela irá te guiar.
“Você é... Elise?”
A mulher a abraçou calorosamente, fazendo-a esquecer completamente do próprio desespero e acalmando-a.
Luna fechou os olhos e aproveitou o abraço. O tempo pareceu parar, até que ela decidiu abrir os olhos novamente e percebeu que estava sendo abraçada por outra pessoa.
— Raymond...?
— Está tudo bem, Luna. Acalme-se...
— Hm...
Relaxou nos braços dele. Depois de se acalmar, percebeu todos os seus companheiros observando-a. A clareira que estavam havia agora aumentado e se tornara branca e congelada.
— O que eu fiz?
— Você não fez nada, Luna. — Sariel se aproximou. — Na verdade eu sou o responsável por isso, já que não expliquei o que ia fazer, o que acabou causando isso tudo.
— O que você fez? — perguntou Raymond. — Por que ela conseguiu usar uma magia tão poderosa?
— O poder mágico dela estava selado.
— Selado? Como? — Aegreon se aproximou do viajante.
— Não sei, talvez você possa nos dizer, Raymond. — Sariel o encarou com um olhar inquisidor.
— Eu não faço ideia! Talvez Geoffrey tenha contratado alguém secretamente para que o Conselho não a detectasse, mas ele nunca me disse nada!
— Selado? O que isso significa? — perguntou Luna.
— Explicarei depois, devemos partir agora que está tudo bem, esse lugar definitivamente será investigado pela Vigília. — Sariel olhou ao redor, vendo nada além de uma floresta branca.
— Tem razão. — Raymond afrouxou um pouco seu abraço. — Se estiver se sentindo melhor, podemos ir agora.
— Estou bem, me desculpem por isso...
— Não se desculpe, já disse que a culpa foi minha. Agora vamos.
Com isso, o grupo retornou ao acampamento, que agora estava congelado.
Durante o caminho, se depararam com vários animais congelados e mortos, como pássaros que pareciam estar cantando, veados que comiam grama, e predadores se espreitando. Agora, todos estes animais estariam presos realizando essas tarefas para sempre, como se congelados no tempo.
Raymond, para evitar que Luna visse aquilo e ficasse nervosa novamente, a abraçou, aproveitando seu grande corpo, e bloqueou a visão daquele cenário terrível.
Partiram rapidamente assim que chegaram no acampamento. Raymond decidiu ir no mesmo cavalo de Luna para ter certeza de que ela estaria calma e que nada aconteceria novamente.
Então, o grupo se afastou daquela floresta congelada.
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