Volume 1
Capítulo 27: As Formas da Deusa
Na manhã seguinte, Luna tentou, mais uma vez, usar magia antes de partir.
Como não conseguiu, decidiu deixar para praticar na próxima parada, portanto o grupo logo partiu.
Sempre que tinham a oportunidade, mesmo quando paravam por alguns minutos, Sariel e Raymond tentavam ajudar Luna a usar magia, mas sempre resultava em falhas.
Eventualmente, o grupo parou para almoçar. O trio se afastou um pouco do acampamento e procurou um lugar para o treinamento.
Conforme caminhavam, a princesa acabou tropeçando em algo, quase caindo no chão.
— Ah!
— O que foi? — perguntou Raymond.
— Tropecei em algo. — Olhou para o que causou seu desequilíbrio. — O que é isso?
Ela se agachou e viu o que parecia um objeto de mármore enterrado, com parte dele saindo do chão.
— Deve ser algum espólio da guerra. — Raymond se aproximou.
Contudo isso não convenceu Luna, que usou as duas mãos numa tentativa de removê-lo.
Percebendo o esforço dela, Sariel se aproximou.
— Deixe que eu lido com isso. — Pegou no objeto com uma mão e o puxou.
Sem nenhum esforço, retirou da terra uma estátua de anjo feito de mármore. Esta estátua não possuía olhos, boca, expressões faciais e nem mesmo parecia ter roupas, se assemelhava mais a uma silhueta alada branca e sem nenhum detalhe extra exceto sua forma, como um manequim.
— Uma estátua de anjo? Por que isso está aqui? — perguntou Luna.
— Boa pergunta... Por que não descobrimos? — Sariel apontou para o chão.
Ao olhar para o buraco formado pela falta da estátua, Raymond pôde perceber um pedaço de mármore, semelhante a um piso, abaixo do solo.
— O que é isso?
— Se afastem. — Sariel soltou a estátua e se preparou para socar o chão.
Ao perceber suas intenções, Raymond e Luna se afastaram alguns metros dele.
Quando percebeu que estavam longe o bastante, Sariel socou o chão com força, fazendo terra e concreto voarem ao redor e criando um buraco de dois metros de tamanho.
Ambos se aproximaram novamente e olharam para baixo, avistando um chão que não estava muito alto e fracamente iluminado pela luz do sol, sendo os arredores completamente cercado pela escuridão absoluta.
Se não fosse pela luz, não seriam capazes de determinar o fundo daquele buraco.
— Um santuário dos anjos? — perguntou Raymond.
— Sim... e um bem antigo por sinal, já que está completamente soterrado por terra e árvores. Deve ter sido construído logo quando vieram.
— E nós vamos descer aí? Pode ser perigoso...
Contudo o viajante ignorou o guarda-costas e se jogou no buraco, pousando com tranquilidade e suavidade. Em seguida, ergueu sua mão, que brilhou em marrom, e condensou esse brilho em uma pequena esfera de luz, iluminando bem os arredores.
— Podem descer.
— Nem pensar, é perigoso para Luna.
— Eu quero ver o que tem lá! — A princesa se aproximou do buraco.
— Não há pra que tanta cautela, não tem nada aqui. — Sariel olhou para cima, na direção de Luna. — Pule, eu a pego;
Mas Raymond não estava convencido.
— Não, ela vai...
Entretanto, antes que terminasse, a princesa se jogou no buraco sem pensar duas vezes.
O viajante, como era de se esperar, a pegou com destreza e a colocou no chão.
Ao ver aquilo, o guarda-costas soltou um suspiro e pulou dentro.
Assim que pousou, se deparou com um grande espaço aberto. O teto era arqueado e feito de mármore e ouro, e os arcos eram estatuas de anjos que seguravam o teto.
As paredes eram decoradas com vidro colorido que retratavam a silhueta branca de um anjo, sem nenhum detalhe assim como a estátua em que Luna tropeçou. Vários assentos de concreto e acolchoados se estendiam por todo o espaço. No fim daquela sala havia um altar, com uma pedra marrom cilíndrica de um metro de altura.
Atrás deles, havia um corredor desabado, provavelmente era a entrada original antes de sucumbir ao tempo.
— Uma... igreja? — perguntou Raymond.
— É o que parece. Me pergunto o que há naquela Gema de Alteração. — Sariel apontou para a pedra marrom.
— Uma gema daquele tamanho... Acho que só encontraríamos algo similar no reino de Acrópolis... — comentou o guarda-costas.
Sariel se aproximou lentamente do altar. Atrás dessa Gema de Alteração havia uma estátua de cinco metros de altura daquela mesma silhueta branca. Inúmeros livros e folhas rasgados e queimados se espalhavam por todo o chão, sendo impossível lê-los.
Raymond e Luna o seguiram curiosos. Aquela grande estátua era feita de um material diferente de mármore, pois refletia a luz da magia do viajante como um espelho, iluminando toda a sala apenas com o seu reflexo.
Ao chegarem perto do altar, os três rodearam a Gema de Alteração e logo perceberam que ela estava danificada, com algumas rachaduras e o topo com um formato diagonal irregular, provavelmente o local onde a pedra quebrou.
— O que faremos agora? — perguntou Luna.
— Tocamos — respondeu Sariel.
— É muito arriscado! Algo desse tamanho pode conter mais memórias que possamos suportar — protestou Raymond.
— Como assim? — perguntou Luna.
— Isso é uma Gema de Alteração, basicamente é a mesma coisa que uma pedra, mas tudo que passa de um determinado tamanho é automaticamente chamado de gema. Quanto maior o tamanho, mais memórias uma pedra de Alteração pode armazenar.
— Por isso eu disse que é perigoso.
— Então eu vou primeiro. — O viajante aproximou a mão do objeto. — Se eu sentir que é seguro, então vocês poderão tocá-la.
Então, Sariel tocou a pedra, e inúmeras memórias passaram por sua mente.
Segundos depois do toque, ele retirou sua mão e permaneceu em silêncio por alguns segundos.
— O que foi? — perguntou a princesa.
— De fato, é melhor que não toquem nela, pode ser demais para vocês. — Suspirava pesadamente. — E pensar que há uma boa parte faltando...
— E o que você viu? — perguntou Raymond.
— Parece que esse era um lugar onde os anjos se reuniam com humanos e os ensinavam sobre Kura e sobre as origens deles...
— Espera, livremente? Sem uso de força?
— Sim, pelo que parece, Kura contatava os anjos assumindo essa forma. — Sariel apontou para a grande estátua branca.
— O quê? Mas Kura não possui uma forma humana? Aqueles que a viram sempre disseram que ela era como uma silhueta humana feita de luz.
— Parece que ela apenas usa formas diferentes quando conversa com raças diferentes.
— Não me surpreende isso, ninguém a ouviria se aparecesse a um humano com forma angelical, bem, nos dias de hoje... — Raymond ponderou sobre aquilo. — Se bem que ninguém mais a viu desde o início da guerra...
— Então Kura realmente guiou os anjos para nosso mundo? — perguntou Luna. — Então por que eles tentariam destruir a humanidade se ela auxiliava ambas as raças?
— Infelizmente a resposta não está aqui.
— Será que os anjos se viraram contra Kura? — supôs Raymond.
— É uma possibilidade.
— Mas não faz sentido... — murmurou o guarda-costas. — Se fosse o caso, por que ela não se comunicou com nenhum humano desde a guerra?
Sariel permaneceu em silêncio.
Enquanto ponderavam, Luna observava com curiosidade a estátua e se sentiu atraída por ela. Após um tempo, percebeu algo caído próximo da estátua e se aproximou para ver. Olhando de perto, notou se tratar de um livro cuja capa estava destruída, mas o interior ainda estava um pouco preservado.
Havia apenas um capítulo que estava legível e, como estava escrito em uma língua que nunca havia visto, mas que, por algum motivo, era capaz de entender perfeitamente.
— “Dies Irae...”
Ao ouvir isso, o viajante instantaneamente abandonou seu silêncio e se aproximou da princesa rapidamente.
Ao chegar perto o suficiente, conseguiu ler o conteúdo do capítulo.
Dies irae, dies illa.
Solvet saeclum in favilla, teste David cum Sibylla.
— Quantus tremor est futurus... — murmurou Luna. — Quando judex est venturus... Cuncta stricte discussurus...
Ela não percebeu, mas durante todo este tempo Sariel a esteve encarando atentamente.
— Sabe o que isso significa? — perguntou o viajante.
— Não... — murmurou ela pensativa. A primeira parte lhe era desconhecida, porém já tinha ouvido aquela segunda, em seu pesadelo. — Quer dizer, eu entendo o texto, mas nunca vi essa língua antes...
— Anjos, e alguns descendentes de anjos podem nascer já conhecendo o idioma angelical sem precisar aprendê-lo. Eu também nasci assim.
— Mas por que isso está aqui? — perguntou Luna se referindo ao livro.
— É uma igreja, é natural que esse tipo de texto esteja aqui... Por acaso conhece isso?
— Você não sabe? A pedra não mostrou nada? — Luna percebeu que Sariel estava sendo insistente, então o questionou encarando-o nos olhos.
— Não, ela está danificada, lembra? Por isso gostaria de saber se você conhece isso.
— Por que eu conheceria?
O viajante e encarou o livro novamente, percebendo que o próximo capítulo estava totalmente ilegível, exceto pelo título.
— “Tuba Mirum...”
— Bem, não parece ter mais nada aqui... — comentou Raymond. — Deveríamos voltar.
— Tem razão — concordou Luna.
Os três então deram as costas para a estátua e subiram de volta.
Logo quando saíram, o viajante carregou em seus ombros uma grande pedra e escondeu o buraco que fizera.
— Bem, vamos esquecer aquilo e focar em seu treinamento, certo? — Sariel encarou a princesa.
— Tudo bem.
Com isso, os três focaram em ajudar Luna a usar magia, mas ela continuava a falhar.
Sariel e Raymond pensavam em inúmeras possibilidades e sugestões que talvez a ajudaria, mas nada surtia efeito.
Após meia hora, o guarda-costas se afastou por alguns minutos para conferir Aegreon e Shiina, deixando o viajante e a princesa a sós.
Luna tentou seguir todos os ensinamentos, mas a cada tentativa falha se frustrava mais ainda, resultando em falhas mais rápidas e repetitivas.
— Não consigo... — Estava cada vez mais deprimida. — Por que tenho que ser tão inútil?
Ela pressionava as mãos com força, sentindo raiva de si mesma. Mesmo sendo um anjo — o que teoricamente a faria superior a qualquer humano — não era capaz de criar uma mísera bola de neve.
Sariel a observava com curiosidade, quando decidiu tentar uma aproximação diferente.
— Tente de novo, mas feche os olhos dessa vez, e não importa o quanto sua cabeça doa ou seu fluxo de magia diminua, tente pelo menos manter a magia ativa. Não tente completá-la, apenas a mantenha.
— Certo.
Seguindo essas instruções, Luna fechou os olhos e iniciou a magia novamente. Como nas vezes anteriores, conseguiu criar uma esfera do tamanho de uma formiga, mas logo seu fluxo magico reduziu e uma pontada em sua mente a desconcentrou.
Porém dessa vez ela não iria se dar por vencida. Ignorando a dor em sua mente, focou todas as suas forças em manter aquela esfera de neve do tamanho de um inseto.
Por isso, a dor de sua mente se intensificou cada vez mais. Resistiu como pôde, mas logo a dor se tornou tão intensa que sentia como se estivessem atravessando uma faca em seu crânio, por isso acabou cedendo e falhando mais uma vez.
— Não... consigo... — Sua voz estava quase inaudível, como se tivesse acabado de correr uma maratona.
— Creio que descobri o problema. — Sariel possuía um olhar intrigado.
— E qual... qual é?
— Preciso que repita o que acabou de fazer.
— Mas não deu certo antes, por que daria agora?
— Apenas confie em mim.
Luna encarou Sariel com dúvida, mas decidiu tentar novamente. Fechando os olhos, começou a magia mais uma vez, sentindo a mesma dor assim que o mínimo de neve fosse formado em sua mão.
Sariel a observava atentamente e se aproximou dela assim que ela fechou os olhos. Quando percebeu que a magia estava falhando, tocou com uma mão na testa dela e a outra no antebraço.
A princesa sentiu este toque, mas estava focada em manter sua magia, que se tornava cada vez mais difícil devido à dor em sua mente que continuava a aumentar.
Ela sentiu que estava prestes a falhar, quando sentiu o fluxo de magia — o “frio” — que passava por seu braço aumentar, e a dor em sua mente reduziu. Em resposta, mais neve se acumulou em sua mão e, pela primeira, vez atingiu um tamanho maior, próximo de uma uva.
Seu coração acelerou assim que percebeu que fizera progresso, mas não tardou muito para que sua mente doesse novamente e o fluxo diminuísse.
Enquanto isso acontecia, sentiu o toque que estava em seu antebraço mover até sua barriga, mas focou em continuar a magia.
Dessa vez, a dor que sentiu foi maior ainda, mas ela fez o possível para mantê-la.
Mais uma vez, sentiu que estava à beira do colapso, quando a dor diminuiu gradativamente, até que, subitamente, toda a dor desapareceu e uma energia enorme percorreu todo seu corpo e foi em direção à sua mão, como se todo seu corpo fosse um oceano e sua energia um tsunami, invadindo o continente e varrendo tudo em seu caminho.
Com todo aquele poder súbito correndo por seu corpo, foi incapaz de parar sua magia a tempo, que cresceu
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